O retorno ao bunker foi feito em um silêncio pesado, carregado não pelo perigo, mas pela reverberação do que acontecera na mina. May, normalmente um vulcão em erupção de palavras, estava quieto, seus olhos fixos nas costas largas de Matheus, que caminhava à frente como se nada tivesse acontecido. Mas algo tinha acontecido. O toque das mãos deles, o desespero na voz de May — nada daquilo poderia ser desfeito ou abafado por uma piada.
Dentro do bunker, a rotina os engoliu, mas a atmosfera havia mudado. Kaio mergulhou de cabeça no trabalho com o Lazuli Vermelho, seus olhos brilhando com uma luz renovada. Andier era sua sombra, mas agora sua vigilância era tingida por uma suavidade nova, um toque no ombro para entregar uma xícara de chá, um olhar que se demorava um segundo a mais.
May, no entanto, parecia ter perdido o script de sua própria personalidade. Ele não fazia palhaçadas. Não provocava Matheus. Ficava sentado, observando o garoto mais alto afiar suas lâminas com uma concentração feroz, como se estivesse tentando decifrar um código complexo escrito naquelas costas tensas.
A noite caiu sobre o bunker, trazendo consigo o frio úmido característico do subsolo. Matheus assumiu sua vigia habitual perto da entrada principal, uma estátua de sombra e silêncio. May, após rodopiar sem rumo pela sala comum por meia hora, finalmente se aproximou. Ele não disse nada. Apenas se sentou no chão, a uma distância segura, e encostou a cabeça na parede fria de metal.
O silêncio entre eles era diferente. Antes, era um abismo que May tentava preencher com ruído. Agora, era um espaço compartilhado, um território novo e frágil que ambos hesitavam em pisar.
Foi Matheus quem quebrou o silêncio, sua voz um rosnado baixo que quase se perdeu no zumbido dos geradores.
— Sua mão.
May ergueu os olhos, surpreso. Ele olhou para sua própria mão, ainda suja e arranhada das pedras na mina. — O quê?
— Está tremendo — disse Matheus, sem olhar para ele.
May fechou a mão em um punho, tentando conter o tremor sutil que percorria seus dedos. A adrenalina havia baixado, e o custo emocional do dia estava se manifestando fisicamente.
— Ah, isso — ele tentou forçar um sorriso, mas falhou. — É o efeito colateral de quase ser esmagado e... outras coisas.
Matheus finalmente se virou, seus olhos amarelos capturando a fraca luz da lanterna. Ele observou May por um longo momento, seu rosto uma máscara impenetrável.
— Você me puxou para fora — disse May, a voz um fio de som. — Você poderia ter ficado do lado seguro. Por que você fez aquilo?
— Você era o único que conhecia o caminho de volta — respondeu Matheus, a resposta lógica, prática.
— Mentira — a palavra saiu de May sem que ele pensasse. Era um sussurro, mas carregado de uma convicção absoluta. — Não era só por isso.
Matheus ficou em silêncio. Seus ombros se levantaram levemente em um suspiro quase imperceptível. Ele virou-se novamente, mas em vez de olhar para a escuridão lá fora, ele baixou a cabeça, seus longos cachos castanhos escondendo seu rosto.
— Eu também tenho cicatrizes — ele disse, a voz tão baixa que May quase não ouviu.
May ficou imóvel, o coração batendo forte em seu peito. Ele não respondeu. Apenas esperou.
— Elas não são todas visíveis — Matheus continuou, seus dedos traçando o cabo de sua faca. — Minha família... meu irmão mais novo... ele era barulhento. Como você. — Uma pausa carregada. — Eu os ouvi sendo... atacados. Eu estava escondido. Eu ouvi tudo. E eu não fiz nada. Escolhi não fazer nada. Porque eu sabia que se eu saísse, eu morreria também. E eu... eu tinha medo.
A confissão caiu no bunker como uma pedra. May sentiu o ar sair de seus pulmões. Aquela não era apenas a história de um sobrevivente; era a história de um garoto que carregava o fardo da culpa do sobrevivente, um peso que May conhecia intimamente.
— Depois disso — Matheus prosseguiu, a voz agora mais firme, como se estivesse arrancando as palavras de um lugar profundo e doloroso — eu jurei que nunca mais me importaria com ninguém. A dor de perder... é pior do que a solidão.
May engoliu em seco. Ele entendeu. Entendeu perfeitamente. A bravata de Matheus, sua relutância em formar laços, não era por força. Era por medo. Um medo tão profundo e arraigado que o congelava.
— Minha mãe — a voz de May saiu trêmula, e ele não tentou disfarçar. — Ela acordou... diferente. Naquela manhã. Os olhos... você sabe. Ela veio em minha direção. E eu... eu tinha uma escolha. Deixá-la me morder, ou... — Ele fechou os olhos, a imagem do machado cintilando em sua mente. — Eu a matei, Matheus. Com as minhas mãos. E eu ri. Eu ri porque se eu não risse, eu teria me desintegrado naquele mesmo instante. A minha piada sobre a morte... é a única coisa que me impede de enlouquecer de vez.
Ele finalmente olhou para Matheus. As lágrimas que ele havia contido por tanto tempo agora escorriam silenciosamente por seu rosto, limpando trilhas na sujeira.
Matheus se virou completamente. Seus olhos, aqueles olhos de lobo que pareciam sempre julgar, agora não mostravam nada além de uma compreensão profunda e silenciosa. Ele não se moveu para consolar May. Não disse que tudo ficaria bem. Ele apenas o fitou, permitindo que May visse a própria dor refletida naquele olhar amarelo.
Era tudo o que May precisava. Aquele reconhecimento mudo. A confissão de um para o outro havia criado um novo espaço entre eles, um território de aceitação mútua, onde suas cicatrizes não precisavam ser escondidas, mas sim reconhecidas como parte de quem eles eram.
Enquanto isso, na porta do laboratório, Kaio observava a cena de longe, seu coração apertado por uma emoção que não conseguia nomear. Andier se aproximou dele, suas katanas silenciosas nas costas.
— Eles vão ficar bem — sussurrou Andier, sua voz um bálsamo na quietude.
Kaio olhou para o francês, para seus olhos verdes que sempre o observavam com uma devoção que ele começava a ousar interpretar.
— E nós? — a pergunta escapou dos lábios de Kaio antes que ele pudesse detê-la.
Andier manteve seu olhar firme, uma centelha de vulnerabilidade cruzando seu rosto controlado antes de ser dominada.
— Nós também — ele prometeu, sua voz firme. — Quando isso acabar.
Kaio acenou com a cabeça, um fio de esperança teimoso brotando em seu peito. Ele se virou e voltou para o laboratório, para o Lazuli Vermelho que agora representava não apenas a cura para um vírus, mas talvez a cura para todos os seus corações partidos. Andier o seguiu, sua sombra mais próxima do que nunca, uma promessa silenciosa pairando no ar entre eles.
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Atualizado até capítulo 21
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