A euforia pela amostra viável durou exatamente 47 horas. Foi o tempo que Kaio levou para esgotar todos os seus recursos e chegar a uma conclusão frustrante, anunciada com a batida de sua testa contra a mesa de metal do laboratório.
— Não vai dar certo.
O som ecoou no bunker silencioso. Andier, que polia suas katanas na entrada, ergueu a cabeça imediatamente. May, que tentava ensinar Matheus a fazer malabarismos com três latas de ervilhas (e falhando miseravelmente, já que Matheus sequer movia um músculo), parou no meio de uma palhaçada.
— O que não vai dar certo, ruivinho? — perguntou May, deixando as latas caírem no chão com um estrondo.
Kaio ergueu a cabeça, uma mancha vermelha na testa. — A amostra. Ela é instável. A reação não se sustenta por mais de alguns minutos fora do ambiente controlado. É como... como fogo de palha. Precisa de um catalisador.
— Catalisador? — a voz de Matheus soou baixa, da sua sombra no canto.
— Um mineral. Algo para dar potência e estabilidade à fórmula. — Kaio pegou um dos cadernos de anotações de seu pai, desgastado pelas bordas. — Meu pai teorizava sobre isso. Ele mencionou um cristal. Lazuli Vermelho. Diziam que tinha propriedades energéticas únicas, mas era considerado lenda pela maioria.
— Onde a gente acha uma lenda? — May se animou, a perspectiva de uma caça ao tesouro sendo muito mais interessante do que ficar preso no bunker.
Kaio passou os dedos sobre um esboço tosco no caderno. — Nas minas antigas. Nos arredores da cidade. O acesso é perigoso. Desmoronamentos, becos sem saída...
— Eu conheço o caminho.
A voz que cortou o ar não foi a de Kaio, nem a de Andier. Foi a de May. Todos se viraram para ele. A máscara de palhaço havia escorregado de seu rosto, deixando para trás uma expressão pálida e séria.
— Você... o quê? — Kaio perguntou, confuso.
— As minas. — May engoliu seco. — Eu fui lá. Com a minha mãe. Antes... de tudo. Ela era geóloga. Estava mapeando a região. Eu... eu me perdi em um dos túneis mais profundos. Fiquei preso por horas. Foi o dia mais assustador da minha vida, até... bem, até não ser mais.
Ele olhou para Matheus, e pela primeira vez, não havia um pingo de encenação naquele olhar. Havia apenas o eco de um velho terror.
— Eu me lembro do caminho para o veio principal. A gente não chegou a extrair nada, mas ela apontou onde o Lazuli deveria estar.
O plano foi formado com uma urgência sombria. Eles precisavam do cristal. Sem ele, a cura era apenas uma nota de rodapé em um caderno empoeirado.
A jornada até as minas foi silenciosa, tensa. Andier e Kaio cobriam a retaguarda, os olhos verdes do francês varrendo a paisagem arruinada em busca de ameaças. Na frente, Matheus caminhava ao lado de May, uma presença sólida e silenciosa. May, por sua vez, estava estranhamente calado, seus olhos fixos no caminho à frente, como se estivesse revivendo cada passo daquela memória dolorosa.
A entrada da mina era uma boca escura e soturna na encosta de uma montanha, engolida por trepadeiras e mato. O ar que saía de lá era frio e cheirava a terra molhada e podridão.
— É aqui — sussurrou May, sua voz um pouco trêmula.
Dentro, a escuridão era quase absoluta. Usando lanternas, eles avançaram por túneis baixos e escorregadios. May guiava com uma certeza que só o trauma poderia fornecer, evitando certas passagens e indicando outras com um gesto quieto da mão.
— Esse túnel aqui — ele apontou para uma abertura mais estreita. — É mais estável. Leva direto à câmara principal.
Foi quando eles ouviram. Um arrastar de pés, vindo de várias direções ao mesmo tempo. Ecos de grunhidos baixos se propagaram pelas paredes de pedra. A mina não estava vazia.
— Andier, proteja o Kaio! — a ordem de Matheus foi um sopro firme.
A horda que surgiu das sombras era composta por criaturas que haviam se perdido naquelas cavernas, seus corpos mais secos, movimentos mais trôpegos, mas não menos perigosos. A luta no espaço confinado foi um pesadelo. Andier, com suas katanas, era limitado, forçado a golpes curtos e precisos. Matheus era uma força da natureza, usando o próprio corpo como arma, quebrando pescoços e esmagando crânios contra as paredes de rocha.
May, empunhando uma barra de ferro que encontrara, lutava com uma fúria silenciosa, seus olhos fixos no caminho à frente. Ele não ria. Não fazia piadas. Cada golpe seu era carregado do desespero daquela memória.
Eles finalmente chegaram a uma câmara maior. E no centro, embutido na parede como uma veia pulsante de sangue coagulado, estava o Lazuli Vermelho. Brilhava com uma luz fraca e interior, mesmo na penumbra.
— É isso! — gritou Kaio, seu rosto iluminado pela lanterna e pela descoberta.
Enquanto Kaio e Andier começavam a trabalhar para extrair o cristal com ferramentas de geólogo que May, previdentemente, havia indicado que estariam em um baú nas proximidades, May ficou parado, olhando para um canto escuro da câmara. Um pequeno recesso na rocha.
— Eu fiquei preso ali — ele disse para Matheus, que estava ao seu lado. — Por seis horas. Até a minha mãe me achar. Ela... ela cantou para mim. Até a voz dela ficar rouca.
Matheus não disse nada. Apenas olhou para o recesso, depois para o rosto de May, iluminado pela luz fantasmagórica do cristal.
Foi então que um estremecimento percorreu a mina. Um ruído baixo e profundo, seguido por uma chuva de pedras e poeira.
— O teto! Está caindo! — Andier puxou Kaio para trás, segurando o pedaço de Lazuli que haviam conseguido extrair.
May, ainda paralisado pela memória, não reagiu a tempo quando uma grande pedra se soltou acima dele. Matheus se moveu. Não foi um movimento calculado ou gracioso. Foi um impulso puro, primal. Ele se jogou contra May, empurrando-o com força brutal para fora da trajetória da queda.
O mundo desabou em um rugido de pedra. May caiu de lado, atordoado, e quando a poeira baixou, seu coração parou. Uma pilha de rochas selava a passagem. Matheus estava do outro lado.
— MATHEUS! — O grito de May não foi uma brincadeira, não foi dramático. Foi um uivo de puro terror. Ele se arrastou de joelhos até a barreira, começando a arranhar as pedras com as mãos nuas. — Matheus! Gritinho, responde!
Kaio e Andier se juntaram a ele, tentando encontrar uma brecha. Os segundos se arrastaram como séculos. O som de zumbis se aproximando nos túneis ao redor tornava o pânico ainda mais agudo.
Então, um som. Fraco. Tok. Tok.
Era o som de uma pedra sendo batida contra outra, do outro lado. Um código. Lento, deliberado. Tok. Tok. Tok.
May calou-se, ouvindo. Lágrimas de alívio e desespero misturavam-se com a poeira em seu rosto.
— Ele está vivo — sussurrou Kaio. — Ele está nos dizendo para nos apressarmos.
Trabalhando freneticamente, os três conseguiram remover pedras suficientes para criar uma abertura. Do outro lado, na escuridão, os olhos amarelos de Matheus brilhavam como faróis. Ele estava encurralado em um espaço minúsculo, mas ileso.
Quando May puxou seu braço para trazê-lo de volta para a câmara segura, suas mãos se encontraram e se entrelaçaram com uma força que doía. May não soltou. Ele puxou Matheus para perto, seus olhos escaneando freneticamente seu rosto e corpo em busca de ferimentos.
— Seu idiota — May respirou, sua voz embargada. — Seu idiota completo.
Matheus, ofegante, não puxou a mão away. Ele apenas segurou mais forte, seu olhar intenso fixo em May, dizendo tudo o que suas palavras não conseguiam.
Eles fugiram da mina com o Lazuli Vermelho seguro no peito de Kaio, perseguidos pelos ecos dos mortos. Mas para May, o som mais assustador não era o dos zumbis. Era o silêncio que havia preenchido aqueles segundos intermináveis quando pensou que havia perdido Matheus. E o mais aterrorizante de tudo era perceber que aquele silêncio era infinitamente pior do que qualquer memória de uma mina escura.
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Atualizado até capítulo 21
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