Deitada na cama estreita da minha kitnet, eu sentia um pressentimento que me consumia. Não era um arrepio; era uma vibração profunda, como um sino tocando no meu âmago. Olhei para o relógio digital no criado-mudo. Marcava 00:00
Enfim, eram meus 18 anos. A maioridade.
Naquele instante exato, algo em mim começou a se agitar com uma força que transcendia o medo. Meu coração acelerou para uma batida de tambor frenética, um ritmo selvagem. Meu corpo começou a esquentar como uma febre que me queimava de dentro para fora. Não era apenas calor; era energia em ebulição. Meus ossos começaram a estalar e a se realinhar com sons que deveriam ter me feito gritar de dor, mas uma força primal superior parecia amortecer o sofrimento. O tecido da minha camisola se rasgou, e a dor de mil agulhas percorreu minha pele, forçando a saída de algo novo.
De repente, eu não era mais Clara. Eu havia me transformado em um lobo branco.
O pânico inicial foi esmagador. Minha mente se tornou uma bagunça caótica de instintos e confusão humana. Eu olhava para minhas novas patas, para o pelo alvo e espesso, para as garras. O que estava acontecendo? Eu estou morrendo?
Minha consciência humana, apavorada e exausta, foi subitamente puxada para um local totalmente branco. Um limbo calmo, isolado da loucura do quarto.
Lá, flutuando à minha frente, estava uma loba idêntica à forma que eu acabara de assumir: uma loba majestosa de pelo branco imaculado e olhos prateados que brilhavam com a luz da lua. Ela era poder puro, sereno.
— Olá, Clara.
Sua voz não era um som audível, mas uma comunicação direta na minha alma, clara e reconfortante. Desabei, não em corpo, mas em espírito, diante daquela visão.
— Eu sou sua outra metade, sua loba interior. Meu nome é Ártemis — ela revelou, a calma de seu tom, dissipando meu pânico. — Viveremos e morreremos juntas, a partir de agora. Eu te acompanharei em cada parte da sua vida, e você nunca mais estará só. Seus sonhos, seus medos e suas lutas serão também os meus.
O trauma de anos de solidão e rejeição desabou. Eu comecei a chorar, lágrimas que não eram de medo, mas de um alívio avassalador. A sensação de finalmente ter sido encontrada, de ter uma parceira eterna, era inebriante. Eu não era louca; eu era diferente.
Ártemis assumiu o controle do corpo.
Não havia tempo para contemplação. O instinto da loba era urgência. Ártemis sentia-se sufocada naquele beco imundo.
Ela não pensou duas vezes. Com um salto acrobático, pulou pela janela do segundo andar, amortecendo a queda com as patas ágeis. Começamos a correr pelos becos úmidos e atravessando ruas movimentadas como um fantasma branco. Buscávamos o limite humano, o fim da cidade onde pudéssemos nos esconder.
Ártemis acreditava que não poderíamos mais viver como os humanos. Precisávamos encontrar uma Alcatéia que me protegeria, um lugar onde eu não viveria como uma párea 'lobo sem clã' — esse termo ressoou com a dor da minha infância.
De repente, doze vultos surgiram, parando Ártemis bruscamente.
Eram duas mulheres vestidas com roupas que pareciam ter saído de outro século, tecidos rústicos e colares de ossos. Deis lobos, duas mulheres vestidas com roupas antigas nos cercaram no beco abandonado.
As mulheres estavam murmurando orações antigas em uma língua que soava como o vento e o metal. Quando uma delas se aproximou, Ártemis rosnou num aviso claro, os lábios se repuxando sobre os dentes.
— Criança, não tenha medo. Não viemos te machucar.
A mulher tinha olhos sábios e profundos, e carregava um cajado esculpido.
— Eu sou Catrine, a Xamã que salvou sua vida enquanto você era bebê, no acidente. Eu sou da Alcateia Luar Prateado, de onde seus pais vieram. Aqueles lobos que estão te cercando, são da Alcateia Lua Negra, nossos aliados. Estamos aqui para te buscar.
O coração de Clara, que ainda ouvia tudo, deu um pulo. Luar Prateado. Meus pais.
— Temos que disfarçar o seu cheiro antes que nossos inimigos o encontrem. Seu despertar liberou um rastro poderoso demais para ser ignorado, seus feromônios podem encantar não apenas o seu companheiro como, e fascinante para outros Alfas.
Com um comando mental de Ártemis, voltei a ser eu mesma, despencando no chão frio do beco. A transformação de volta foi mais dolorosa, o corpo se reajustando rapidamente. A Xamã de nome Anìs me cobriu com um manto grosso e cinzento que parecia absorver meu cheiro. Assim, sob a proteção dos lobos da Lua Negra e guiadas pela Xamã, deixamos Nova York e fomos para a sua alcateia.
No caminho apressado, dentro de um carro disfarçado, Catrine começou a me explicar a urgência. Ela me seguiu intensamente há um mês, quando sentiu que o selo que ela havia colocado em meu corpo de bebê começo a se desfazer .
— Geralmente, os lobos despertam aos dezesseis anos — explicou Catrine, a voz grave. — Seu selo de proteção nos deu mais dois anos, para que você despertasse em um momento de Lua Cheia, quando o poder é maior.
— Por favor, Catrine! — implorei, a voz embargada. — Me diga quem eu sou e o que está acontecendo! Eu estou apavorada!
Ela apenas segurou minha mão.
— Você está exausta, querida. Há muitas coisas que você precisa saber, sobre o seu sanguee e sobre o seu destino. Mas você precisa descansar agora. Amanhã, quando a Lua Cheia se for, conversaremos.
Me senti esgotada. Não só pela transformação e a adrenalina, mas pelo peso da revelação. Fomos levadas para um quarto providenciado na Alcateia, simples, mas acolhedor. Deitei-me na cama, o turbilhão de pensamentos girando na minha cabeça. Minha vida havia mudado totalmente. Ontem eu era uma humana com uma vida pacata e solitária; agora eu era metade loba, com um destino e uma loba interior, Ártemis. Estava perdida, mas, estranhamente, não mais sozinha. Atordoada, entrei no mundo dos sonhos.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 44
Comments