O som estridente do despertador dilacerou a quietude forçada da pequena kitnet de dois cômodos. Aquele ruído era a trilha sonora da minha nova e implacável rotina. Atordoada, abri os olhos, fitando o teto manchado de umidade. Fiquei ali deitada por instantes demais, sentindo o peso da exaustão não só física, mas existencial. Com um bufo de pura frustração, bati a mão no despertador com raiva para desligá-lo. Não era apenas raiva do alarme; era raiva da vida que me obrigava a correr todos os dias para sobreviver.
Me espreguiçando com um gemido, senti os músculos rígidos. A janela do beco em Nova York mal filtrava a luz cinzenta da manhã, mas era o suficiente para me lembrar onde eu estava: presa. Fui ao banheiro, um cubículo apertado, para tomar um banho rápido — gelado, para espantar a preguiça e a melancolia — e me arrumar para o trabalho. Comecei na lanchonete há pouco mais de um mês. A escola havia terminado, e a falta de recursos era um muro intransponível para cursar uma faculdade. Não havia tempo para sonhos; havia apenas tempo para o turno duplo.
Eu sempre me senti deslocada, como uma peça que não se encaixa no quebra-cabeça do mundo.
Meus pais e meu irmão morreram em um acidente de carro que se tornou a lenda sombria da minha infância. Fui a única a sobreviver. O mais icônico e inexplicável é que eu fui encontrada deitada a poucos metros do carro, ilesa, como se tivesse sido ejetada antes da colisão ou da tragédia. Ninguém conseguiu explicar como isso aconteceu. O carro explodiu logo depois, e o reconhecimento das vítimas foi feito apenas pela placa queimada que sobrará do e pelos restos mortais. A polícia encerrou o caso como um milagre bizarro.
Essa tragédia me levou a uma vida de rejeição. Meus pais morreram quando eu tinha sete anos. Eu passei por vários lares adotivos, mas era sempre devolvida. As famílias me consideravam uma louca, uma criança "estranha". Eram os meus segredos que me condenavam.
Desde a infância, sempre tive um fascínio pela lua cheia. Era uma atração inexplicável, um chamado silencioso que vibrava em meu peito. Eu enchia cadernos com desenhos obsessivos da lua, não apenas a esfera, mas a sua luz e a força que ela parecia me dar. Era como se a lua me visse.
Eram os pesadelos que mais assustavam meus cuidadores. Durante a lua cheia, eles vinham. Não eram pesadelos comuns; eram visões vívidas, carregadas de uma emoção que não era minha. Eu ouvia gritos de socorro dilacerantes, o som metálico de lutas e um forte cheiro de sangue e metal. O bizarro era que eu nunca havia assistido a filmes de terror ou tido contato com violência real. De onde vinham aquelas imagens de uma luta selvagem sob a luz lunar?
As famílias viam apenas uma criança esquisita, traumatizada e difícil. Acabei crescendo em um orfanato. Foi lá que terminei a escola, no ensino público, fazendo trabalhos escolares e cobrando por isso, consegui juntar o pouco dinheiro necessário para alugar esta kitnet de dois cômodos, escondida em um dos becos mais esquecidos de Nova York. Meu emprego de garçonete era a única âncora.
"Com esse emprego, acho que conseguirei me virar por um tempo," murmurei para o meu reflexo no espelho rachado. A esperança era mínima, mas a necessidade era real.
Cheguei à lanchonete, mergulhando na correria, para atender mesas, pegar e servir pedidos. Era um trabalho que exigia velocidade e um sorriso falso que eu já dominava.
— Oi, Clara!
Minha melhor amiga de infância, Sofia, surgiu no balcão, seu rosto vibrante, um contraste com a minha exaustão. Ela sempre foi o sol, eu, a sombra.
— Seu aniversário de 18 anos está chegando! Amanhã, hein? Bora beber alguma coisa para animar?
Olhei para ela mecanicamente. Meu dinheiro estava totalmente contado, cada dólar já com um destino. Eu precisava economizar.
— Eu te ligo para confirmar, ok? — respondi, evitando seu olhar entusiasmado.
Meu aniversário era amanhã, mas a data não me trazia alegria. Não tinha família para celebrar, e o futuro parecia um abismo sem propósito. Desamparada, me concentrei no único lugar onde me sentia útil: meu emprego.
Eu estava equilibrando uma bandeja com hambúrgueres e refrigerantes, meu foco totalmente nos clientes, quando o ar mudou. De repente, minha cabeça ficou tonta, como se a gravidade tivesse invertido. Senti minhas veias queimando, uma febre interna que irrompeu de repente. Meu coração acelerou para um ritmo frenético, e então, um som.
Não era um som no ambiente, mas um uivo na minha cabeça. Era profundo, doloroso e carregado de uma fúria desesperada.
Quase deixei a bandeja com os pedidos cair no chão. Minhas mãos tremeram, e a Coca-Cola balançou perigosamente. Com um esforço sobre-humano, terminei de servir os clientes e disparei para o banheiro.
Tranquei a porta e me curvei sobre a pia. Joguei água fria no rosto, tentando abafar o calor. Respirei desamparadamente, o pânico subindo pela garganta. Estou ficando louca, pensei.
Essas coisas estranhas vinham acontecendo há pouco mais de um mês. Além das tonturas, eu ouvia uivos de lobo distantes, reais, e sonhava com uma loba branca banhada na luz da lua, uma criatura de poder e dor que parecia me chamar. Era sempre depois dessas visões que a sensação de desamparo e desorientação era mais forte.
Depois do expediente, peguei minhas coisas. Enquanto esperava o metrô para ir para casa, a sensação familiar voltou: a certeza de que sempre tinha alguém me observando. Não era imaginação. Era um formigamento na nuca, uma pressão que me fazia olhar por cima do ombro a cada segundo. Essa sensação me apavorava.
Será que tem algum maníaco sexual atrás de mim? A pergunta aterrorizante me fez apertar a mochila contra o corpo e apressar o passo na plataforma escura.
Cheguei à minha kitnet. Tranquei bem as portas, ouvindo o clique da chave como a única garantia de segurança. Um macarrão instantâneo para matar a fome. Depois de um banho rápido e o ritual de ligar a TV em uma notícia lixo para preencher o silêncio, deitei-me. A exaustão da corrida pela sobrevivência me consumia.
"Será até quando minha vida será esse saco?" perguntei ao teto, sabendo que não havia resposta.
Mas, naquela noite, a lua cheia parecia brilhar mais forte através da janela. E o uivo silencioso em minha mente era mais insistente do que nunca.
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Atualizado até capítulo 44
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