O Sangue da Deusa e a Fúria do Rei
Mais um dia monótono se arrastava pela Torre Volkov. A luz fria do inverno nova-iorquino, refletida no vidro blindado do Rei Alfa, mal conseguia quebrar a atmosfera de tédio e poder absoluto que pairava sobre o escritório. Não era apenas um escritório, era o centro de controle do mundo lobisomem, uma sala de luxo de onde Noah Volkov, o Rei da alcateia Rubro Noturno, observava seu império.
De sua cadeira de couro escuro, a vista panorâmica de Nova York era um mapa de territórios e influência. Prédios pareciam miniaturas de peças em um tabuleiro de xadrez, cada um representando o poder financeiro e político que ele governava. A cidade nunca dormia, e por isso, ele também não podia.
O telefone vibrou pela sétima vez na hora. Chamadas incessantes da minha secretária exigiam confirmação de intermináveis reuniões e resoluções que pareciam nunca levar a uma verdadeira paz.
"Nascemos do Presságio Rubro, e nosso controle é total. Quando o céu sangra, a escuridão se curva ao nosso Rei." A máxima da Alcateia Rubro Noturno não era apenas um lema; era a realidade fria que moldava cada um de seus 200 anos de vida. Ele era a elite que governava todas as alcateias, um dever pesado herdado dos tempos antigos. Meu papel não era apenas fazer a minha alcateia prosperar, mas garantir o equilíbrio forçado entre todas as outras. Disputas de fronteira, alianças políticas frágeis, problemas internos de Alfas menores... Era um trabalho que consumia a alma e o tempo.
A porta se abriu com uma batida discreta. Patrick, meu beta e meu braço direito há décadas, entrou, mas a habitual rigidez em seu semblante estava rachada por um cansaço que Noah considerou inaceitável. Patrick não veio trazer a agenda; ele veio reclamar.
"Com licença, Majestade," Patrick começou, a voz polida, mas os olhos vermelhos de exaustão. "Eu sei que a agenda está apertada, mas... seria possível adiar a reunião com a Aliança Leste? Minha companheira..."
Noah o cortou com a frieza de uma espada desembainhada. A irritação subiu por sua espinha. Deveres vinham em primeiro lugar. Sempre vieram. A fraqueza de Patrick era um insulto à disciplina que Noah impunha a si mesmo.
"Seu dever é aqui, Patrick," a voz de Noah desceu, grave e perigosa, sem precisar do peso total. "A vida pessoal de um Beta deve esperar pelo sucesso do seu Rei."
A repreensão atingiu Patrick, que recuou um passo, a mão fechada em um punho quase imperceptível. Mas Noah não se importava. Ele precisava de foco, não de sentimentalismo.
Para estabilizar o trono e silenciar os anciãos que exigiam um herdeiro e outro casamento político— já que sua única filha era uma Ômega —, Noah precisava de um movimento de poder.
Seus pensamentos se voltaram para a Alcateia Lua de Sangue, o clã da sua falecida Luna. Eles vinham ultrapassando os limites da paciência do Rei Alfa.
— Use o bloqueio comercial de Prata contra a Lua de Sangue — ele ordenou a Patrick, o comando frio. — A punição é necessária. Eles precisam se lembrar quem dita as regras do mercado.
Desta vez, ele não hesitou. Ativou a Voz de Comando. Não apenas para que a ordem fosse cumprida, mas para lembrar Patrick do preço da distração. O som rasgou o ar, metálico e indiscutível, ecoando nas paredes de mármore. Patrick estremeceu, seus olhos se tornaram dourados por um instante, e ele respondeu em uma obediência automática e dolorosa: "Será feito, Majestade."
Noah o observou sair, a satisfação mesclada com uma velha e familiar solidão.
Ele tinha cerca de 200 anos, e estava no comando há 100. Sua Luna não era sua companheira de alma, mas sim um casamento a contragosto, imposto pelos anciãos para garantir a estabilidade do trono quando ele ainda era jovem e inexperiente na liderança. Ele a coroou como Luna cinco anos antes dela engravidar, e ela veio a falecer no parto.
Apesar de tudo, eles se davam bem. Ele sempre foi frio e avesso a demonstrações, gostando das coisas à sua maneira. Ela, por outro lado, era doce, carinhosa e amorosa. Fomos felizes, ele confessou a solidão do escritório. A tristeza da sua partida não era uma dor lancinante, mas um vazio profundo que ele se recusava a preencher.
Seu lobo interior, Conan, nunca a aceitou. A rejeição inexplicável era constante, um rosnado silencioso dentro de seu peito. "Ela não é o que aparenta ser", Conan sempre insistia, uma advertência que Noah ignorava por dever. Eu já tinha desistido de procurar por nossa companheira. Talvez ela fosse uma humana que já havia morrido, ou uma loba fraca, indigna de um Alfa como ele.
A noite estava tensa, pesada. Não era uma noite qualquer; a luz prateada invadia o arranha-céu, sinalizando a Lua Cheia. Isso significava sentidos aguçados, paciência curta e uma onda de poder que o Rei Alfa precisava controlar com mão de ferro. Ele acabara de encerrar as horas extras, a última papelada assinada com um floreio cansado. Olhou para o relógio digital no painel de controle do elevador executivo: era exatamente meia-noite.
Indo em direção ao estacionamento subterrâneo, o ar normalmente estéril e frio foi quebrado. O instante em que a porta do elevador se abriu foi como um choque elétrico, um despertar violento de seus instintos mais adormecidos.
De repente, ele parou.
Um cheiro inexplicável, uma fragrância inebriante, atingiu suas narinas com a força de um raio. Não era perfume, era algo primal. Doce e cremoso, como um pudim de arroz recém-feito e picante, uma mistura de canela e baunilha que o fez cambalear.
Conan, o lobo sempre contido, explodiu em seu peito, uivando com uma urgência que ele nunca sentira. Era um clamor, um grito primal, uma ordem: Vá atrás. Encontre. É nossa!
Mas ir onde? A brisa de concreto do estacionamento trouxe o cheiro, forte e depois cada vez mais fraco, como um fantasma zombando dele. Noah se moveu, não como o Rei Alfa contido, mas como um predador desesperado e desorientado, seguindo a trilha tênue daquele aroma fugidio. Ele corria entre os pilares maciços, a mão apertando o terno caro, a sanidade escorrendo. O som de seus passos e o rugido abafado de Conan eram os únicos ruídos no silêncio da noite.
Ele avançou, mais rápido, forçando seu corpo para onde a trilha o levava em direção aos limites do território, perto da rua. Mas era tarde demais. O cheiro se dissipou. A brisa desapareceu. O rastro se perdeu no ar frio e poluído de Nova York.
Ele parou no meio do concreto cinzento. A sensação de perda era esmagadora. Uma onda de desespero o varreu. Ele tinha perdido a oportunidade de encontrar algo precioso. A fúria do Rei se misturou com a angústia do lobo. Ele acabara de sentir o cheiro de sua companheira de alma no ápice da Lua Cheia, o momento em que a ligação é mais forte, e ela havia escapado.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 44
Comments
Lucilene Palheta
começando hoje 22 de outubro de 2025 está prometendo ser boa a história
2025-10-23
0