Narrado por Ele
Cinco noites.
Cinco noites desde que deixei Lilith entre as flores, com o luar repousando sobre a pele dela como um véu sagrado.
Cinco noites desde que jurei a mim mesmo que não voltaria.
E ainda assim, aqui estou… preso à lembrança do toque dela.
Tentei me distrair com o que um monstro pode chamar de rotina:
as caçadas silenciosas nas aldeias distantes, o gosto metálico do sangue sem alma, o frio das paredes de pedra que guardam meu castelo como uma tumba viva.
Mas nada — absolutamente nada — tinha o mesmo sabor.
Toda vez que fecho os olhos, vejo o reflexo dela diante de mim.
Os lábios entreabertos, a respiração trêmula, o coração pulsando como música viva sob a pele.
O som desse coração me persegue, ecoa nos corredores vazios, chama por mim como um feitiço que eu mesmo lancei e não sei desfazer.
Acreditei que era forte o bastante para esquecê-la.
Mas os fortes não lembram o perfume da vítima.
E eu lembrava.
O cheiro dela… doce e quente, misturado à terra úmida e flores silvestres.
Eu o sentia em tudo: na brisa que atravessava as janelas, nas vestes que vestia, no sangue que bebia de outros corpos — e que me enjoava, porque nenhum era dela.
Meu castelo se tornara uma prisão de ecos.
As sombras cochichavam seu nome.
Até o piano, empoeirado pelo tempo, parecia chorar cada vez que meus dedos tocavam as teclas.
No quinto dia, desisti da tortura.
Dei de mim o que restava de resistência e orgulho.
Saí antes que o sol nascesse — a névoa ainda rastejava pelos campos, e a terra respirava aquele aroma úmido que sempre antecede o amanhecer.
Segui o mesmo caminho que a trouxera a mim.
Cada passo parecia mais leve e mais condenado.
Quando o vilarejo apareceu ao longe, o instinto tentou gritar:
Volte.
Mas o coração — o que sobrou dele — sussurrou outra coisa:
Veja-a.
E foi o que fiz.
A observei de longe, escondido entre as árvores.
Lilith estava no campo, com o cabelo preso e um cesto de flores nas mãos. O sol nascia, e os raios douravam tudo ao redor. Ela ria, e o som era tão puro que quase doeu.
Não se lembrava de mim — o feitiço havia funcionado.
Mas ainda assim, quando o vento soprou em sua direção, ela parou.
Ergueu o rosto, como se procurasse algo… ou alguém.
Meu corpo inteiro congelou.
Por um instante, jurei que nossos olhares se cruzaram, mesmo com a distância entre nós.
E então compreendi que o que eu sentia não era apenas fome.
Era destino.
E o destino, uma vez selado, não se desfaz nem com a eternidade.
Eu a deixei ali, sorrindo, viva, intocada.
Mas, ao virar as costas, jurei em silêncio:
— Logo, doce Lilith… logo o tempo deixará de ser obstáculo.
O vento carregou minha promessa.
E a noite, invejosa, sorriu.
A noite caiu pesada, espessa, quase viva.
Os céus se curvaram em nuvens negras, e a lua, tímida, se escondeu como se temesse testemunhar o que eu estava prestes a fazer.
Cinco noites resistindo à lembrança dela.
Cinco noites observando-a de longe, alimentando-me da visão de sua inocência, tentando convencer-me de que o destino podia ser dobrado pela vontade.
Mentira.
Nenhum monstro vence o próprio coração.
Aquela madrugada, o vento carregava o perfume de flores e terra úmida — o mesmo perfume que sempre denunciava onde Lilith estava.
Eu o segui como um louco segue uma voz em sonho.
Quando a encontrei, ela caminhava sozinha entre os campos, uma lamparina nas mãos, o cabelo solto caindo pelos ombros como fios de ouro escuro.
O mundo dormia, mas ela parecia feita para acordar os demônios adormecidos.
Meu corpo reagiu antes da razão.
Aproximei-me em silêncio, o som de meus passos abafado pela grama molhada. Ela parou, virando-se lentamente, e por um instante achei que me veria — que o feitiço finalmente havia se quebrado.
Os olhos dela vasculharam a escuridão.
E, mesmo sem me enxergar, sussurrou:
— Há alguém aí?
A voz dela me partiu.
Doce, curiosa, exatamente como da primeira vez.
— Lilith… — deixei o nome escapar, baixo, quase um gemido.
Ela estremeceu, e a chama da lamparina vacilou.
— Quem… quem está aí?
Não pude mais conter-me.
Surgi à luz da lamparina, e ela ofegou — o medo e algo que ela não compreendia dançando em seus olhos.
— Você… — murmurou, dando um passo para trás. — Eu o conheço?
Ah, se soubesse.
A dor daquele esquecimento me perfurou mais do que qualquer estaca poderia.
— Ainda não — respondi, me aproximando, devagar, como quem teme assustar uma flor selvagem. — Mas deveria.
Ela piscou, confusa, como se o coração lembrasse o que a mente havia esquecido.
E então, hesitante, deu um passo em minha direção.
— Eu… sinto que já ouvi sua voz antes. — A confissão saiu como um sussurro envergonhado. — Em sonhos, talvez.
Sorri, e o gesto me pareceu uma ferida aberta.
— Talvez em sonhos, sim.
Ela ergueu a mão, como se quisesse tocar meu rosto, e foi nesse instante que o controle se rompeu.
Segurei sua mão — com delicadeza, mas com a força de quem lutou contra séculos de vazio.
O calor dela atravessou minha pele fria, incendiando cada parte do que restava de humano em mim.
— Não devia estar aqui — murmurei. — Eu sou tudo o que te disseram para temer.
— E por que não consigo ter medo? — ela perguntou, a voz trêmula, sincera.
A resposta morreu na garganta.
Em vez disso, toquei o rosto dela.
O coração de Lilith acelerou tanto que pude ouvi-lo, um tambor vivo chamando o meu nome.
Senti as presas se projetarem, o instinto rugindo por sangue.
Mas não… não era isso que eu queria.
O que eu queria era ela.
Inteira.
Abaixei o rosto até sentir sua respiração roçar a minha.
A noite segurou o fôlego.
E então, num sussurro rouco, confessei:
— Você me pertence, mesmo sem lembrar. Mesmo sem querer.
Ela não entendeu o que aquelas palavras significavam — e talvez fosse melhor assim.
Porque naquele momento, o destino que eu havia tentado adiar se reergueu, exigindo o que era dele.
Toquei seus lábios com os meus, e o mundo pareceu se dissolver.
O feitiço, a distância, o tempo — tudo se desfez como fumaça ao redor de nós.
Quando me afastei, ela ainda tinha os olhos fechados, o corpo trêmulo, o coração em frenesi.
E então, algo mudou no ar.
Lilith me olhou de novo — e nos olhos dela, brilhou uma centelha.
Reconhecimento.
Ela se lembrava.
Meu nome escapou de seus lábios como um segredo redescoberto.
— Lucien…
Senti o peso de séculos ruir sobre mim.
O destino, enfim, se cumprira.
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Atualizado até capítulo 30
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