Capítulo 3 — A Fome e a Flor

Narrado por Ele

Cinco noites.

Cinco noites desde que deixei Lilith entre as flores, com o luar repousando sobre a pele dela como um véu sagrado.

Cinco noites desde que jurei a mim mesmo que não voltaria.

E ainda assim, aqui estou… preso à lembrança do toque dela.

Tentei me distrair com o que um monstro pode chamar de rotina:

as caçadas silenciosas nas aldeias distantes, o gosto metálico do sangue sem alma, o frio das paredes de pedra que guardam meu castelo como uma tumba viva.

Mas nada — absolutamente nada — tinha o mesmo sabor.

Toda vez que fecho os olhos, vejo o reflexo dela diante de mim.

Os lábios entreabertos, a respiração trêmula, o coração pulsando como música viva sob a pele.

O som desse coração me persegue, ecoa nos corredores vazios, chama por mim como um feitiço que eu mesmo lancei e não sei desfazer.

Acreditei que era forte o bastante para esquecê-la.

Mas os fortes não lembram o perfume da vítima.

E eu lembrava.

O cheiro dela… doce e quente, misturado à terra úmida e flores silvestres.

Eu o sentia em tudo: na brisa que atravessava as janelas, nas vestes que vestia, no sangue que bebia de outros corpos — e que me enjoava, porque nenhum era dela.

Meu castelo se tornara uma prisão de ecos.

As sombras cochichavam seu nome.

Até o piano, empoeirado pelo tempo, parecia chorar cada vez que meus dedos tocavam as teclas.

No quinto dia, desisti da tortura.

Dei de mim o que restava de resistência e orgulho.

Saí antes que o sol nascesse — a névoa ainda rastejava pelos campos, e a terra respirava aquele aroma úmido que sempre antecede o amanhecer.

Segui o mesmo caminho que a trouxera a mim.

Cada passo parecia mais leve e mais condenado.

Quando o vilarejo apareceu ao longe, o instinto tentou gritar:

Volte.

Mas o coração — o que sobrou dele — sussurrou outra coisa:

Veja-a.

E foi o que fiz.

A observei de longe, escondido entre as árvores.

Lilith estava no campo, com o cabelo preso e um cesto de flores nas mãos. O sol nascia, e os raios douravam tudo ao redor. Ela ria, e o som era tão puro que quase doeu.

Não se lembrava de mim — o feitiço havia funcionado.

Mas ainda assim, quando o vento soprou em sua direção, ela parou.

Ergueu o rosto, como se procurasse algo… ou alguém.

Meu corpo inteiro congelou.

Por um instante, jurei que nossos olhares se cruzaram, mesmo com a distância entre nós.

E então compreendi que o que eu sentia não era apenas fome.

Era destino.

E o destino, uma vez selado, não se desfaz nem com a eternidade.

Eu a deixei ali, sorrindo, viva, intocada.

Mas, ao virar as costas, jurei em silêncio:

— Logo, doce Lilith… logo o tempo deixará de ser obstáculo.

O vento carregou minha promessa.

E a noite, invejosa, sorriu.

A noite caiu pesada, espessa, quase viva.

Os céus se curvaram em nuvens negras, e a lua, tímida, se escondeu como se temesse testemunhar o que eu estava prestes a fazer.

Cinco noites resistindo à lembrança dela.

Cinco noites observando-a de longe, alimentando-me da visão de sua inocência, tentando convencer-me de que o destino podia ser dobrado pela vontade.

Mentira.

Nenhum monstro vence o próprio coração.

Aquela madrugada, o vento carregava o perfume de flores e terra úmida — o mesmo perfume que sempre denunciava onde Lilith estava.

Eu o segui como um louco segue uma voz em sonho.

Quando a encontrei, ela caminhava sozinha entre os campos, uma lamparina nas mãos, o cabelo solto caindo pelos ombros como fios de ouro escuro.

O mundo dormia, mas ela parecia feita para acordar os demônios adormecidos.

Meu corpo reagiu antes da razão.

Aproximei-me em silêncio, o som de meus passos abafado pela grama molhada. Ela parou, virando-se lentamente, e por um instante achei que me veria — que o feitiço finalmente havia se quebrado.

Os olhos dela vasculharam a escuridão.

E, mesmo sem me enxergar, sussurrou:

— Há alguém aí?

A voz dela me partiu.

Doce, curiosa, exatamente como da primeira vez.

— Lilith… — deixei o nome escapar, baixo, quase um gemido.

Ela estremeceu, e a chama da lamparina vacilou.

— Quem… quem está aí?

Não pude mais conter-me.

Surgi à luz da lamparina, e ela ofegou — o medo e algo que ela não compreendia dançando em seus olhos.

— Você… — murmurou, dando um passo para trás. — Eu o conheço?

Ah, se soubesse.

A dor daquele esquecimento me perfurou mais do que qualquer estaca poderia.

— Ainda não — respondi, me aproximando, devagar, como quem teme assustar uma flor selvagem. — Mas deveria.

Ela piscou, confusa, como se o coração lembrasse o que a mente havia esquecido.

E então, hesitante, deu um passo em minha direção.

— Eu… sinto que já ouvi sua voz antes. — A confissão saiu como um sussurro envergonhado. — Em sonhos, talvez.

Sorri, e o gesto me pareceu uma ferida aberta.

— Talvez em sonhos, sim.

Ela ergueu a mão, como se quisesse tocar meu rosto, e foi nesse instante que o controle se rompeu.

Segurei sua mão — com delicadeza, mas com a força de quem lutou contra séculos de vazio.

O calor dela atravessou minha pele fria, incendiando cada parte do que restava de humano em mim.

— Não devia estar aqui — murmurei. — Eu sou tudo o que te disseram para temer.

— E por que não consigo ter medo? — ela perguntou, a voz trêmula, sincera.

A resposta morreu na garganta.

Em vez disso, toquei o rosto dela.

O coração de Lilith acelerou tanto que pude ouvi-lo, um tambor vivo chamando o meu nome.

Senti as presas se projetarem, o instinto rugindo por sangue.

Mas não… não era isso que eu queria.

O que eu queria era ela.

Inteira.

Abaixei o rosto até sentir sua respiração roçar a minha.

A noite segurou o fôlego.

E então, num sussurro rouco, confessei:

— Você me pertence, mesmo sem lembrar. Mesmo sem querer.

Ela não entendeu o que aquelas palavras significavam — e talvez fosse melhor assim.

Porque naquele momento, o destino que eu havia tentado adiar se reergueu, exigindo o que era dele.

Toquei seus lábios com os meus, e o mundo pareceu se dissolver.

O feitiço, a distância, o tempo — tudo se desfez como fumaça ao redor de nós.

Quando me afastei, ela ainda tinha os olhos fechados, o corpo trêmulo, o coração em frenesi.

E então, algo mudou no ar.

Lilith me olhou de novo — e nos olhos dela, brilhou uma centelha.

Reconhecimento.

Ela se lembrava.

Meu nome escapou de seus lábios como um segredo redescoberto.

— Lucien…

Senti o peso de séculos ruir sobre mim.

O destino, enfim, se cumprira.

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