O despertador tocou às seis da manhã. Kira abriu os olhos e a primeira coisa que pensou foi:
— Vai se foder, segunda-feira.
A cama dela parecia ter cola, mas a lembrança de que Luna e Rafael estariam esperando no portão da escola foi suficiente pra fazê-la levantar. Tomou banho rápido, vestiu a calça preta rasgada, camiseta larga azul escura e o tênis destruído de tanto uso.
Na cozinha, pegou um chocolate da geladeira e enfiou no bolso. Café ela não tomava nem fodendo.
Na escola
Quando chegou, Luna já estava sentada no banco perto do portão, com os fones enfiados no ouvido e uma cara de tédio. Rafael, claro, estava dormindo em pé, encostado no muro.
— Olha que coisa linda. — Kira cutucou o braço de Luna. — Nosso amigo parece um mendigo prestes a ser despejado.
Luna riu e tirou os fones. — Não fala alto, senão ele acorda.
Kira não resistiu:
— RAFAEL, O MUNDO TÁ ACABANDO!
O garoto quase caiu pro lado, assustado. — Caralho, Kira!
— De nada, dorminhoco. — Ela piscou, satisfeita.
Entraram juntos. O colégio parecia mais sufocante a cada ano. Professores cansados, alunos fofoqueiros, e aquela sensação de que nada daquilo faria diferença na vida.
Primeira aula: Matemática
O professor já tinha implicância com Kira desde o primeiro ano.
— Senhorita Kira, por que nunca traz seu material?
— Porque tenho memória melhor que qualquer caderno. — Ela sorriu cínica.
— Então resolva a equação no quadro.
Ela foi até lá, rabiscou os números, girou o giz na mão e respondeu a questão com facilidade absurda. Voltou pro lugar sem sequer olhar pro professor.
— Tá vendo? — cochichou pra Rafael e Luna. — Eu humilho ele usando metade do cérebro.
Luna segurou o riso. Rafael balançou a cabeça. — Um dia você ainda vai ser expulsa.
— Esse dia vai ser histórico. — Kira abriu o chocolate escondido. — E eu vou comemorar comendo.
Intervalo
No pátio, enquanto todos falavam de festas, provas e namoros, os três estavam sentados num canto, como sempre.
— Vocês já repararam que a galera aqui parece um rebanho? — disse Kira, mordendo o chocolate. — Todo mundo seguindo a mesma merda, como se fosse obrigação.
— É a vida, né. — Luna deu de ombros.
— Não, é burrice. — Kira olhou pros colegas. — Eu olho pra eles e penso: “Caralho, será que sou a única lúcida nesse lugar?”
— Sim. — Rafael respondeu de boca cheia. — Você é a única lúcida e a mais louca ao mesmo tempo.
— Obrigada, querido. — Kira fez uma reverência falsa.
Tretas inevitáveis
À tarde, no treino de educação física, o professor pediu pra turma jogar vôlei. Kira odiava vôlei.
— Eu não vou jogar essa merda. — cruzou os braços.
— Kira, é obrigação. — disse o professor.
— Obrigar é crime. — respondeu, seca.
No fim, entrou no jogo. Mas, em vez de jogar sério, ela começou a narrar a partida como se fosse narrador de futebol:
— Lá vai o Rafael, erra de novo! Esse time tá mais perdido que cachorro em dia de mudança!
A turma inteira caiu na risada, menos o professor, que ficou vermelho.
— KIRA! — ele berrou. — Diretoria, agora!
Ela saiu caminhando de cabeça erguida. — Mais uma medalha pro meu currículo.
O esconderijo secreto
Depois da aula, os três não foram embora. Subiram no telhado da escola, lugar que só eles conheciam. Ficaram deitados, olhando o céu.
— Esse ano vai ser o último, né? — disse Luna. — Depois disso, cada um vai pra um canto.
Kira ficou em silêncio. O vento batia forte.
— A gente tem os códigos — disse Rafael, sério. — X. Fênix. Falcão. Ninguém vai separar a gente.
Kira sorriu de lado. — Vocês sabem que eu nunca deixaria isso acontecer, né?
Luna encostou a cabeça no ombro dela. — Eu sei.
E ali, por alguns minutos, o barulho do mundo lá embaixo desapareceu. Só restava o trio, unido por algo que ninguém conseguiria quebrar.
A vingança da diretoria
Na diretoria, Kira sentou-se como se estivesse numa sala de cinema.
— Vai me expulsar ou só vai ficar me olhando? — perguntou pro diretor, que já estava vermelho de raiva.
— Kira, você tem noção de quantas advertências já coleciona?
— Mais que figurinhas da Copa. — respondeu, cruzando as pernas.
O homem suspirou fundo. — O que eu faço com você?
— Me dá férias vitalícias. — ela sorriu.
Ele passou a mão na testa, derrotado.
— Só sai daqui. Mas da próxima vez, não tem conversa.
Kira se levantou, fez uma continência falsa e saiu andando. Do lado de fora, Rafael e Luna esperavam.
— E aí? — perguntou Rafael.
— Ganhei. — respondeu Kira, como se fosse óbvio.
A guerra do lanche
No dia seguinte, no intervalo, uma briga começou na cantina porque alguém furou a fila. Kira, claro, não podia perder a oportunidade.
— Ô, fila do caralho! — gritou. — Aqui é Brasil, respeita a ordem ou enfia o coxinha no cu!
Os alunos começaram a rir. O inspetor apareceu, mas quando viu que era Kira, só revirou os olhos.
— Essa menina ainda vai ser meu fim — murmurou ele.
Luna puxou a amiga pelo braço. — Vamos antes que você seja linchada.
— Linchada nada. — Kira ergueu o salgado como troféu. — Eu domino esse colégio.
A prova surpresa
Na aula de História, a professora anunciou:
— Surpresa! Prova de 10 questões.
A turma inteira reclamou. Kira levantou a mão.
— Professora, surpresa é ganhar presente, não sofrer tortura.
— Kira, cala a boca e faz a prova.
Ela suspirou, pegou a folha e respondeu tudo em menos de 10 minutos. Depois, deitou na mesa e começou a desenhar.
Quando a professora recolheu, olhou a prova dela com surpresa. — Kira… você acertou todas.
— Ué, achou que eu era só bonita? — Kira piscou.
A turma inteira explodiu em risada. A professora bufou.
Saída da escola
Na saída, os três caminharam pela rua, mochila nas costas.
— Mano, você não tem filtro nenhum. — disse Luna.
— Filtro é pra água, não pra boca. — respondeu Kira.
Rafael riu. — Um dia você ainda vai bater boca com a polícia.
— Que venham. — Kira abriu os braços. — Eu sou Kira, filha do caos, herdeira da zoeira, rainha da porra toda.
Eles gargalharam alto, chamando atenção de quem passava na rua. Mas não se importaram.
Noite no quarto da Kira
Mais tarde, estavam no quarto dela, jogados no chão, assistindo filme de terror.
— Isso não dá medo. — disse Kira, mastigando chocolate. — Quero ver espírito sair da tela e puxar meu pé.
De repente, uma cena assustadora passou. Luna deu um pulo.
— Caralho, quase caguei!
Kira gargalhou. — Se cagar, você vai limpar sozinha.
Rafael, sério, comentou: — Eu acho que se aparecesse um espírito de verdade, a Kira xingava ele até ir embora.
— Lógico. — ela ergueu o queixo. — “Volta pro inferno, seu filho da puta, aqui já tem caos suficiente!”
Eles riram tanto que tiveram que pausar o filme.
Quando a madrugada chegou, os três estavam deitados no chão, cobertos por um edredom velho. O riso foi dando lugar ao silêncio.
Kira olhou pros dois e pensou, sem falar em voz alta: Vocês são minha vida. Se um dia eu perder isso aqui, eu juro que o mundo vai pagar.
Adormeceu com esse pensamento, sem saber que, em breve, a promessa silenciosa seria testada de forma cruel.
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Atualizado até capítulo 82
Comments
ANGELBRODROIX
Não queria que o livro acabasse, queria que durasse para sempre.
2025-10-04
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