O despertador tocou às seis da manhã.
Kira abriu os olhos e a primeira coisa que pensou foi: “Quero morrer.”
Levantou arrastando os pés, xingando cada objeto no caminho.
— Filho da puta... desgraça... por que caralhos a escola não pega fogo logo? — reclamava, chutando a mochila.
No espelho, prendeu o cabelo de qualquer jeito. Camiseta larga, calça jeans rasgada, tênis preto e nada de maquiagem. Naturalmente gostosa, naturalmente sem paciência.
Desceu pra cozinha e encontrou Luna sentada, já pronta, mordendo uma maçã.
— Sério que você acorda cedo pra comer fruta? — Kira a encarou com nojo. — Isso é coisa de gente feliz.
— Bom dia pra você também, sol da minha vida. — Luna revirou os olhos. — Acorda cedo porque ao contrário de você, eu não gosto de passar fome.
— Se não passar fome, como vai valorizar o miojo? — Kira abriu o armário e puxou uma barra de chocolate, mordendo sem dó.
Nesse momento, Rafael entrou, uniformizado, cabelo bagunçado de propósito. Jogou a mochila no sofá. — Vocês duas não cansam de gritar logo cedo?
— Vai tomar no cu, Rafa — responderam as duas juntas.
Ele ergueu as mãos em rendição. — Tá bom, já entendi que o humor matinal tá ótimo.
Na escola, a cena foi ainda melhor.
Kira entrou com os dois atrás, marchando como se fosse dona do corredor. Todos sabiam: mexeu com um, mexeu com os três.
Um grupinho de meninas começou a cochichar quando ela passou. Aquelas típicas que viviam postando foto com legenda “good vibes”, mas não perdiam a chance de soltar veneno.
— Olha lá, a maluca chegou. Aposto que já tá planejando explodir a escola.
Kira parou, se virou devagar e sorriu. — Relaxa, se eu explodir, vocês vão ser as primeiras a voar pelos ares.
As meninas se calaram na hora. Rafael e Luna riram, batendo continência atrás dela.
Na sala de aula, o professor de matemática entrou carrancudo.
— Abram os cadernos, vamos revisar funções.
Kira deitou na carteira, apoiando a cabeça nos braços. — Função? Minha função é dormir.
O professor suspirou. — Kira, já te falei que sua inteligência é desperdiçada com essa sua boca suja.
— E eu já te falei que você devia se aposentar antes que morra de estresse.
A sala inteira caiu na risada. Rafael bateu na mesa, gargalhando. Luna só balançava a cabeça, tentando não rir mas falhando miseravelmente.
O professor suspirou outra vez e escreveu no quadro, desistindo da briga.
No intervalo, os três estavam sentados no pátio, compartilhando um pacote de biscoito.
— Sabia que o professor te odeia, né? — disse Rafael, empurrando o biscoito pra ela.
— Se ele não me odiar, eu tô fazendo alguma coisa errada — respondeu Kira, enfiando três de uma vez na boca. — Mas relaxa, no fim do ano ele ainda vai ter que me dar parabéns quando eu passar sem estudar.
Luna riu. — Você é insuportável.
— Obrigada, amor. — Kira piscou.
No meio da tarde, uma cena inusitada aconteceu. Um dos valentões da escola, sempre implicando com todo mundo, decidiu jogar a mochila de um aluno menor no chão. O garoto ficou sem reação.
Kira, que estava passando, parou imediatamente.
— Ô, arrombado. — A voz dela ecoou.
O valentão virou, surpreso. — O que foi, maluca?
Ela caminhou até ele, devagar, com aquele sorriso perigoso. — Tá sem pau, é? Precisa descontar nos outros pra se sentir macho?
A roda se formou em segundos. Rafael e Luna já sabiam: ia dar merda.
O garoto tentou empurrar Kira, mas ela segurou o braço dele e girou rápido, derrubando-o no chão com um golpe simples de jiu-jitsu.
— Vai brincar com gente do teu tamanho, otário. — Ela cuspiu no chão, ao lado dele. — Ou quer que eu quebre sua cara de vez?
Silêncio total. O valentão não levantou. Os colegas recuaram.
Kira olhou para Rafael e Luna, e disse com naturalidade: — Bora, Falcão.
Eles entenderam na hora: hora de sair antes que a diretora aparecesse.
— Falcão! — repetiu Rafael, já rindo enquanto puxava Luna pelo braço.
Os três saíram correndo pelo corredor, deixando pra trás a cara de choque dos colegas e o valentão ainda no chão. Era sempre assim: um caos atrás do outro.
Mas a paz durou pouco. Logo a inspetora apareceu, bufando e gritando:
— Kira! Rafael! Luna! Diretoria, agora!
Eles se entreolharam. Kira ergueu os braços, como quem se entregava. — Caralho, parece que sou criminosa procurada no FBI.
— Você é pior, Kira — disse Luna, tentando não rir. — Se o FBI te pegasse, te devolvia rapidinho.
Na sala da diretora, os três ficaram sentados lado a lado. A diretora, uma mulher baixa e com cara de poucos amigos, olhava para eles como se fosse capaz de enxergar a alma.
— Vocês não têm jeito. Toda semana estão aqui.
— Não é culpa minha se a escola é um zoológico e eu sei domar os animais — respondeu Kira, sem piscar.
A diretora esfregou a testa. — Kira… um dia você vai acabar expulsa.
— E um dia a senhora vai se aposentar. A vida é assim. — Ela sorriu. — Mas até lá, a gente se atura, né?
Rafael engasgou de tanto segurar a risada. Luna socou de leve a perna dele para não piorar.
A diretora suspirou fundo, como se precisasse reunir forças. — Vocês três estão de castigo. Nada de intervalo fora da sala essa semana.
Kira fingiu estar chocada. — Nossa, que punição terrível. Vou até chorar.
— Pode sair! — gritou a diretora, já vermelha.
Eles saíram praticamente correndo, tentando não gargalhar alto no corredor.
— Você vai morrer de tanto sarcasmo, Kira — disse Luna, ainda rindo.
— Pelo menos vou morrer debochando. — Ela jogou o cabelo pro lado, teatral.
Naquela tarde, de volta pra casa, eles se jogaram no sofá da sala.
— Mano, sério, eu não sei como você aguenta brigar com todo mundo sem perder a paciência — disse Rafael. — Eu já teria explodido.
— Eu explodo por dentro, Rafa. — Kira apontou pro peito. — Só que meu “explodir” é saber quando falar e quando calar.
— Você calar? — Luna gargalhou. — Esse dia eu quero ver.
Kira pegou uma almofada e jogou nela. — Cala a boca, fígado.
Rafael ergueu o refrigerante que tinham comprado no dia anterior. — Brindemos ao fato de que a gente nunca perde a graça, mesmo ferrados na diretoria.
— X — disse Kira, erguendo a mão.
Os três bateram o punho no código secreto.
O resto da semana parecia prometer paz… mas Kira respirava, logo arrumava encrenca.
Na quarta-feira, estavam em sala durante a aula de biologia. O professor, um sujeito metódico, explicava sobre reprodução humana com seriedade.
— Então, como vocês sabem, o espermatozoide…
— Parece um girino com inveja da vida — interrompeu Kira.
A sala explodiu em risadas. O professor fechou os olhos, tentando manter a calma.
— Kira, por favor, contenha seus comentários.
— Tô só descrevendo, professor. E detalhe: nadam desesperados que nem eu indo atrás do último pedaço de chocolate.
Mais risadas. Luna se afundou na carteira de tanto rir, enquanto Rafael batia na mesa.
— Monteiro… quer dizer, Kira — o professor corrigiu rapidamente. — Se não respeitar a aula, vou precisar tomar providências.
— Ah, professor, relaxa. A vida é curta demais pra fingir que espermatozoide não parece girino.
O professor desistiu e voltou a escrever no quadro, ignorando as gargalhadas.
No dia seguinte, na aula de história, a confusão foi ainda melhor.
A professora fazia uma pergunta sobre a Revolução Francesa.
— Quem pode me dizer o que aconteceu em 1789?
Kira levantou a mão devagar, com cara de santa. — Fácil. 1789 foi o ano em que o Rafa perdeu a virgindade com a mão direita.
A sala veio abaixo. Rafael ficou vermelho.
— Vai tomar no seu cu, Kira! — ele gritou, jogando uma bolinha de papel nela.
— Pelo menos eu tenho duas mãos pra variar, otário! — respondeu ela, jogando de volta.
A professora bateu na mesa, furiosa. — Chega! Vocês três, fora da sala!
Eles se levantaram rindo, sem protestar.
No corredor, Luna ainda tentava recuperar o ar. — Mano, vocês são doentes.
— A gente é histórico — corrigiu Kira, orgulhosa.
Na sexta-feira, aconteceu o ápice. Durante uma apresentação de literatura, Kira já estava entediada. Alguém recitava um poema cheio de drama. Ela cochichou com os dois:
— Se eu ouvir mais uma rima ruim, eu peido.
Luna arregalou os olhos. — Você não tem coragem.
— Duvida? — Kira ergueu a sobrancelha.
E no meio do silêncio, no auditório cheio, soltou um peido tão estrondoso que ecoou como microfone mal regulado.
A plateia ficou muda. O apresentador travou.
E Kira, com a maior cara de pau do mundo, virou pra trás e sussurrou alto:
— Rafael, seu porco!
O auditório explodiu em gargalhadas. Rafael ficou indignado. — Eu não! Filha da…!
Mas já era tarde. A culpa tava colada nele.
Quando saíram correndo do auditório, Luna gargalhava tanto que quase caiu no chão. — Mano… você vai pro inferno, Kira.
— Ah, mas eu vou rindo — respondeu ela, limpando as lágrimas de tanto rir.
Mais tarde, os três estavam no terraço de novo, recuperando o fôlego da semana.
— Se a gente sobreviver até a formatura, já vai ser milagre — disse Rafael, olhando pro céu.
— Não é sobrevivência, Rafa. É resistência. — Kira piscou. — Somos a resistência contra o tédio e a babaquice.
Luna sorriu, deitando ao lado deles. — Fênix.
— Fênix — repetiram os dois.
O silêncio caiu de novo, mas dessa vez era confortável. Não importava quantas broncas levassem, quantos problemas arrumassem. No fim, eram eles três contra o mundo.
O fim de semana chegou, e como sempre, eles inventaram de se encontrar na casa da Kira. Os pais dela já não estavam mais vivos, e o apartamento ficava só pra ela. O lugar tinha cara de Kira: paredes cheias de pôsteres de filmes e bandas, um saco de pancada num canto, livros e armas falsas de treinamento largadas pela sala, e a cozinha lotada de miojo, lasanha congelada e chocolate.
Luna entrou primeiro. — Isso aqui parece mais a toca de um criminoso procurado do que uma casa normal.
— Obrigada — respondeu Kira, abrindo uma lata de refrigerante. — É o maior elogio que já recebi hoje.
Rafael largou a mochila no sofá. — Hoje. Como se você não tivesse recebido vários elogios… tipo quando o inspetor te chamou de “a pior praga que já passou naquela escola”.
— Inveja mata, Rafael. — Kira abriu um sorriso diabólico. — E eu sou imortal.
Madrugada caótica
Depois de umas horas de videogame, pizza e música alta, já passava das duas da manhã.
— Mano, tô de ressaca sem nem ter bebido — reclamou Luna, jogada no sofá.
— É porque você é fraca — provocou Kira. — Até o ventilador tem mais resistência que você.
Rafael, rindo, mexia no celular. — Bora sair, fazer alguma coisa.
— Tipo o quê? — perguntou Luna, ainda largada.
— Vamos pichar o muro da escola. — Kira sugeriu, séria.
Os dois a encararam.
— Você tá zoando. — Rafael arqueou a sobrancelha.
— Tô nada. — Kira pegou uma lata de spray da gaveta. — Eu escrevo “Vai tomar no cu, direção escolar” em letras gigantes.
Luna quase engasgou rindo. — Você vai presa!
— Ah, e daí? Presídio é igual escola, só que sem prova de matemática.
No fim, não foram pichar nada. Mas a ideia ficou rendendo piada pela madrugada inteira.
O desafio da varanda
Às três da manhã, os três estavam no terraço de novo, olhando a cidade iluminada.
— Aposto que você não tem coragem de gritar uma putaria agora — desafiou Rafael.
Kira ergueu a sobrancelha. — Você me conhece?
E sem pensar duas vezes, gritou:
— CHUPA MEU CU, BRASIL!
As luzes de alguns apartamentos se acenderam. Um cachorro latiu. Um cara gritou de volta:
— VAI TOMAR NO SEU, SUA LOUCA!
Os três caíram no chão de tanto rir.
— Eu amo esse país — disse Kira, limpando as lágrimas. — Só aqui que a gente recebe resposta em tempo real.
A invasão da cozinha
Quando voltaram pro apartamento, a fome bateu de novo. Kira abriu a geladeira.
— Miojo ou lasanha?
— Lasanha — respondeu Luna.
— Miojo — disse Rafael.
— Democracia é uma merda — decretou Kira. — Vamos fazer os dois.
Enquanto cozinhavam, Kira resolveu inventar moda. Pegou uma panela, colocou na cabeça e começou a marchar pela cozinha.
— Soldados, estamos em guerra contra a fome!
— Você é retardada — Rafael riu.
— Sou uma visionária. — Ela ergueu uma colher como espada. — E minha primeira ordem é: cala a boca, recruta pau pequeno.
Rafael quase deixou o molho cair de tanto rir. Luna se apoiava no balcão, chorando de tanto gargalhar.
Conversas sérias (do jeito deles)
Depois de comer, ficaram no chão da sala, deitados em cobertores improvisados. A risada foi cedendo, dando lugar a um silêncio confortável.
— Falando sério agora… — disse Luna, encarando o teto. — Vocês já pensaram no que vai ser da gente depois da escola?
— Vou dominar o mundo — respondeu Kira, sem hesitar.
— Sério, Kira.
Ela suspirou. — Não sei. Faculdade? Qualquer curso que eu passe só pra provar que sou melhor que todo mundo. Talvez polícia, talvez exército… ou talvez nada.
Rafael olhou pros dois. — Eu só quero que a gente continue junto.
Um silêncio se instalou. Kira quebrou com uma risadinha.
— Que gay, Rafael.
— Vai se foder, Kira. — Ele riu também, mas os olhos dele diziam que era verdade.
Kira puxou os dois pra perto e abraçou. — Foda-se o futuro. A gente é X, a gente é Fênix, a gente é Falcão. Não importa onde for, a gente vai ser sempre um trio.
Luna sorriu, fechando os olhos. — Sempre.
Enquanto a madrugada virava manhã, os três acabaram dormindo ali, juntos no chão da sala. O sol nasceu iluminando o apartamento bagunçado, embalando a promessa silenciosa que sempre os uniria: caos, amizade e lealdade.
Não sabiam ainda, mas aquela rotina estava prestes a acabar.
E nenhum deles imaginava o que o destino cruel reservava.
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Atualizado até capítulo 82
Comments
Janete Matos De Almeida
pelo amor de Deus autora,tô almoçando e lendo e comecei a rir que dou minha barriga
🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤭🤭
2025-10-14
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CHRISTOPHER ROSETE - REYES
Vou reler essa obra várias vezes. 👏
2025-10-04
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