Capítulo 4

Por um instante, penso que meus ouvidos estão pregando uma peça. Será que ele disse mesmo “venha”? Uma palavra tão pequena, tão simples, e ainda assim parece ter o peso de uma sentença. Engulo em seco. Minha mente berra: corre, Helena, corre agora antes que seja tarde! Mas, claro, meu corpo não colabora. Estou plantada no chão como uma árvore enraizada, incapaz de mover um único músculo.

— Pra onde? — pergunto, quase num sussurro, sentindo a garganta seca.

Ele inclina o rosto, os olhos claros me observando como quem enxerga mais do que deveria. O leve arquejo de sua sobrancelha me diz que não está acostumado a ser questionado.

— Ali em frente — responde, apontando com um gesto sutil em direção a um café na esquina, do outro lado da avenida. — Só um café. Nada mais.

Meu primeiro impulso é negar. Eu deveria negar. Eu preciso negar. Mas, quando abro a boca para recusar, ele dá um meio sorriso, inclina o corpo para frente e lança um comentário que me desarma:

— Então vamos fazer assim… ou você aceita um café comigo, ou paga o meu celular.

Olho para o aparelho que ele segura firmemente na mão. O risco lateral brilha sob a luz, como uma cicatriz recente. Meu coração dá um salto no peito. Eu não conseguiria pagar nem se trabalhasse meses. A ironia é clara: ele sabe disso. Ainda assim, não há crueldade no tom, apenas um jeito peculiar de insistir.

— Isso é chantagem — murmuro, tentando recuperar algum controle.

— É só justiça — ele rebate, ainda com aquele meio sorriso que não alcança totalmente os olhos, mas os ilumina de forma perigosa. — Então?

Fecho os olhos por um segundo. Respiro fundo. Um café. É só isso. Não devo nada além disso.

— Vamos tomar um café — respondo, baixinho, quase contra minha vontade.

Ele assente, satisfeito, como se já soubesse minha resposta antes mesmo de eu pronunciá-la.

— Boa escolha.

E então, sem esperar mais nada, começa a andar em direção à saída. Seu passo é firme, seguro, como se cada movimento fosse ensaiado. Eu o sigo, um pouco hesitante, tentando me convencer de que é apenas um café, que não há risco em aceitar.

Enquanto atravessamos a rua, sinto a estranha presença dele ao meu lado. Ele não fala nada, mas sua postura diz tudo: é o tipo de homem que atrai olhares sem precisar de esforço. As pessoas abrem espaço, não por medo, mas por uma espécie de respeito instintivo. E eu, pequena e desalinhada ao seu lado, me sinto invisível e exposta ao mesmo tempo.

Entramos no café. O sino na porta toca suave, anunciando nossa chegada. O aroma de café fresco e pão de queijo recém-saído do forno me envolve como um abraço inesperado. O contraste entre a simplicidade do ambiente e a imponência dele é quase surreal.

O garçom se apressa em nos atender, como se reconhecesse no homem uma presença que merece prioridade.

— Mesa para dois — ele diz, com uma naturalidade que quase soa como ordem.

Seguimos até uma mesa próxima à janela. Ele puxa a cadeira para mim. Um gesto simples, mas que me pega de surpresa. Sento-me devagar, tentando disfarçar a confusão interna que me consome.

Ele ocupa a cadeira em frente, ajeita o paletó com elegância e apoia os cotovelos na mesa, entrelaçando os dedos. O olhar fixo em mim é intenso demais, quase incômodo.

— O que vai querer? — pergunta, sem desviar os olhos.

— Um café simples, por favor — respondo rápido, evitando qualquer luxo que possa parecer abuso.

Ele chama o garçom com um gesto discreto.

— Dois expressos. E uma fatia de bolo de chocolate. — Depois olha para mim, como se explicasse: — Você precisa de açúcar.

Fico sem palavras. Quem ele pensa que é para dizer o que eu preciso? Mas, estranhamente, há algo reconfortante no tom. Como se, por alguns minutos, alguém estivesse prestando atenção em mim de verdade.

O silêncio que se segue não é desconfortável. É tenso, carregado de perguntas não ditas. Eu desvio o olhar para a rua, tentando me distrair com as pessoas que passam apressadas. Mas é inútil. Sinto os olhos dele sobre mim, atentos, perscrutando cada detalhe.

Quando o café chega, ele agradece com um aceno breve e espera que eu dê o primeiro gole. Seguro a xícara com as mãos trêmulas, trazendo-a aos lábios. O líquido quente escorre pela garganta, e sinto a vida voltar lentamente para dentro de mim.

— Está melhor? — ele pergunta, a voz grave quebrando o silêncio.

— Por que se importa? — rebato, um pouco mais ríspida do que pretendia.

Ele se inclina para frente, apoiando o queixo nos dedos entrelaçados.

— Porque você está chorando, atravessou a rua sem olhar, quase derrubou meu celular, e mesmo assim ainda tem coragem de fingir que está bem.

Engulo em seco. A curiosidade dele me desarma.

— Eu… eu só estou cansada.

— Não. — A negação dele é firme, quase imediata. — Você está machucada.

A palavra ecoa dentro de mim como um segredo revelado. Ele não sabe da minha história, mas ainda assim a vê. Como?

— E o que você tem a ver com isso? — pergunto, com a voz embargada, tentando não deixar as lágrimas voltarem.

Ele me observa em silêncio por alguns segundos longos, intensos. Então solta a resposta:

— Nada. Mas talvez eu queira ter.

O bolo de chocolate chega à mesa, o cheiro doce preenche o ar, mas eu não sinto fome. Só consigo olhar para ele, tentando decifrar se há sinceridade ou apenas mais um jogo perigoso.

Quem é esse homem que surge do nada, derruba minhas defesas e me oferece um café como se fosse um pacto?

Ele parte um pedaço do bolo com o garfo e empurra o prato levemente em minha direção.

— Coma um pouco. Vai te fazer bem. — diz, com uma calma que me irrita e me intriga ao mesmo tempo.

— Você sempre aborda mulheres chorando com bolo? — arqueio a sobrancelha, tentando disfarçar o nervosismo. — Isso é um tipo novo de tática de sedução?

Ele dá um meio sorriso, daqueles que parecem esconder segredos.

— Não. É só que você está com uma cara péssima, e o bolo é melhor que qualquer sermão.

Quero recusar, manter o orgulho intacto, mas meu corpo me trai. Levo um pedaço à boca. O açúcar derrete na língua como um bálsamo, e eu odeio admitir que ele tem razão.

— Ótimo. Agora, além de estranha, eu sou previsível. — murmuro, fingindo indignação.

— Não estranha. — ele corrige, ainda sorrindo. — Só… humana. E faminta.

Ele me observa em silêncio, mas não há julgamento em seu olhar. Apenas presença. E isso me desconcerta mais do que qualquer cantada.

É nesse instante que percebo o quanto estou exausta. Não só hoje, mas há anos. E, diante desse estranho, com um café e um bolo entre nós, sinto algo que não sei explicar: uma trégua.

Mas junto dela vem o medo. Porque tréguas nunca duram.

Respiro fundo, tentando reorganizar os pensamentos, mas uma certeza já pulsa dentro de mim: minha vida acabou de mudar.

E eu nem sei o nome dele.

Continua...

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Comments

Irene Saez Lage

Irene Saez Lage

Quando a gente pensa que na vida está tudo acabado vem uma luz pra clareia e fazer uma pessoa a nós ajudar nem que seja um homem atencioso com as atitudes calmas dele porque nem todos são iguais

2025-10-04

2

Fátima Ribeiro

Fátima Ribeiro

Nada melhor que um bom estranho te estender a mão, num momento que você pensa que até a morte seria melhor do que estar vivendo isso ,sozinho sem ninguém de verdade pra ao menos te ouvir.
já passei por isso ...

2025-10-06

0

Luciana

Luciana

estou amando gente tadinha dela mas tenho certeza que de ela dará aa volta por cima. não tem nada melhor do que um dia após o outro.

2025-10-05

1

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