Tranquei a porta atrás de mim. O clique do trinco ecoa pela sala vazia como um disparo em um silêncio sufocante. Aquele som seco reverbera em mim como se fosse a confirmação final de tudo que eu já temia: estou sozinha. Mais uma vez.
Meus joelhos cedem e escorrego lentamente pela parede fria, deixando meu corpo colapsar no chão duro. O frio do azulejo atravessa o tecido da calça e me arrepia até a espinha, mas não consigo me mover. As lágrimas caem sem permissão, grossas, quentes, carregando consigo pedaços de uma dor que não encontra fim dentro de mim.
— Meu Deus… será que eu nunca vou ser feliz? — minha voz é apenas um sussurro rouco, mas dentro de mim ela soa como um grito dilacerante, ecoando contra todas as paredes internas do meu coração.
Eu não sou nenhuma coitada. Nunca fui. Tenho saúde, tenho força, tenho vontade de vencer. Mas às vezes, carregar o mundo nas costas sozinha pesa tanto que parece impossível continuar. Às vezes, só às vezes, eu me sinto esmagada pelo fardo.
Talvez você, que agora lê essas linhas invisíveis do meu desabafo, não entenda. Talvez se pergunte como eu cheguei até aqui, sentada no chão da minha casa, chorando como se tivesse perdido tudo. Pois bem… deixa eu te contar a minha história.
Pegue um lenço, um copo de água, café, suco, vinho… o que preferir. Você vai precisar.
...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...
Meu nome é Helena Aguilera. Tenho vinte anos. Fui expulsa de casa aos dezesseis e, desde então, só tive a mim mesma. Nunca tive ninguém de verdade.
Quer dizer, eu acreditava que tinha. Me iludi muitas vezes pensando que havia pessoas que se importavam comigo. Mas a vida sempre se encarregou de arrancar a venda dos meus olhos e me mostrar que, no fim, estou só.
Nunca conheci meu pai. Minha mãe me fez carregar o peso do desaparecimento dele como se fosse culpa minha. Durante quatorze longos anos, ouvi que eu tinha destruído os sonhos dela. Eu, uma criança, sendo acusada de arruinar a vida de uma mulher amarga. Minha própria Mãe.
As coisas pioraram quando ela se casou novamente. O novo marido trouxe consigo um sorriso dissimulado e um olhar que me gelava. Desde o início, percebi que havia algo errado. E com o tempo, os olhares se transformaram em toques, os toques em insinuações, e as insinuações em tentativas nojentas.
Eu contei para minha mãe. Eu gritei. Eu implorei. Mas ela preferiu me culpar. Dizia que eu provocava, que minhas roupas chamavam atenção, que eu me exibia. Eu, ainda menina, acreditava. Me senti suja, culpada. Passei a usar roupas largas, discretas, tentando desaparecer dentro de mim mesma. Mas nada adiantou.
Aos dezesseis anos, meu corpo mudou, e com ele a ousadia dele. Até que uma noite, acordei com aquele homem em cima de mim, fedendo a álcool, tentando roubar o que eu tinha de mais precioso: minha dignidade.
Gritei. Gritei como nunca. Minha mãe entrou, viu a cena, e ao invés de me defender, me bateu. Me bateu tanto que o corpo não doeu mais do que a minha alma. Me chamou de vadia, me jogou na rua e mandou eu sumir.
E eu sumi. Fui embora com o coração despedaçado. O que mais doía não era a rejeição, mas deixar minha irmãzinha para trás. Ela era a única luz naquela casa sombria. Jurei a mim mesma que um dia voltaria para buscá-la.
Os primeiros dias foram difíceis. Uma vizinha piedosa me acolheu. Me arranjou pequenos trabalhos. Eu me agarrei a eles como quem se agarra a uma boia em alto-mar. Terminei o ensino médio com sacrifício, aluguei um cantinho simples, mas meu. Teve noites em que a fome me arrancava o sono, mas sobrevivi.
Sou eternamente grata àquela senhora. Ela se mudou e nunca mais a vi, mas se algum dia puder retribuir, farei com prazer.
Hoje, vivo com dignidade. Sem luxo, sem conforto, mas segura. Trabalho numa lanchonete dentro de uma faculdade há mais de um ano. O salário paga aluguel, contas e, às vezes, sobra para comida. Quando não sobra, a dona da lanchonete, Luzia, me deixa comer por lá. Ela me salvou tantas vezes sem nem perceber.
Foi nesse lugar que conheci Raul. Agora, meu ex. Ficamos juntos por um ano. Eu pensava que era amor. Que ele me via. Mas a verdade é que eu fui apenas um passatempo.
Ele nunca teve paciência com minhas feridas. Me chamava de “fresca”, de “difícil”, quando eu me afastava do toque dele. Eu queria provar a mim mesma que podia confiar nele. Planejei uma noite especial, com a ajuda da Duda, sua melhor “amiga”. Preparei um jantar,flores, velas, música… mas, ao chegar, encontrei Raul e Duda juntos.
No sofá. Como se tudo tivesse sido preparado para me destruir.
O mundo caiu. Raul tentou inverter a culpa, disse que eu não queria “dar o que ele precisava”. Disse que nunca me assumiria. Que eu era uma ilusão. Que ele nunca namorou comigo.
As palavras dele cortaram mais do que qualquer tapa. Saí de lá em pedaços, correndo pelas ruas como quem foge de um alguém te persegue. Chorei até desmaiar de exaustão.
E como se a dor não fosse suficiente, hoje cedo perdi meu emprego. Luzia me chamou e disse que pediram meu desligamento. O motivo? A família Gusmão. A família de Raul. Ele usou a influência para arrancar de mim o pouco que ainda me restava.
No caminho de saída, encontrei Duda. Ela sorriu, satisfeita, como quem saboreia minha ruína. Disse que Raul estava na empresa.
E é por isso que estou aqui, agora, parada diante de um prédio imenso no centro da cidade. O coração martelando no peito.
O prédio é de vidro espelhado, moderno e imponente. Ele se ergue como um monumento à arrogância e ao poder. Claro que seria ali que Raul trabalharia. Um palácio de mármore, onde pessoas como eu não pertencem.
Respiro fundo, seguro firme a bolsa, e entro. O saguão é luxuoso, com recepcionistas impecáveis. Me sinto invisível.
Uma moça simpática pensa que estou ali para uma entrevista. Eu confirmo, por impulso, e consigo um crachá. Entro no elevador com outras mulheres elegantes. Eu, com meu jeans velho e tênis gasto, pareço uma sombra.
No 23.º andar, finjo esperar pela entrevista, mas me afasto. Pergunto discretamente a uma funcionária sobre Raul. Ela hesita, mas me informa: “último andar.”
Meus pés parecem chumbo, mas sigo até lá. Cada passo dentro daquele prédio me lembra que não pertenço a esse mundo.
Chego à recepção do andar. A atendente me pergunta se tenho horário. Respondo:
— Diz pra ele que é a Helena. Helena Aguilera.
Ela faz uma ligação, depois me olha.
— Ele vai recebê-la. Pode entrar.
O coração dispara. Meus dedos tremem. A porta se abre.
E lá está ele.
Raul.
Atrás de uma mesa luxuosa, como se fosse dono do mundo.
E eu, pequena, ferida, mas de pé.
Pronta para enfrentá-lo.
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Atualizado até capítulo 32
Comments
Luciana
comecei a ler e estou amando coitadada mas essa moça sofre tadinha e que mãe. isso lá e mãe oque, pra mim ela pessoa sem noção preferi osafado do marido e jogar à filha fora não tem perdão mas infelizmente existe pessoas assim
2025-10-05
2
Irene Saez Lage
Gente se fosse eu sumia e não queria nem ver a cara desse escroto que dirá saber que ele existe chega de se humilhar
2025-10-04
1
Fátima Ribeiro
o que ainda foi fazer lá?
se humilhar ainda mais...
2025-10-06
0