– A Filha do Eclipse
Naquele tempo em que os céus se encontraram em sombra e fogo, quando o Sol e a Lua se tocaram em silêncio, nasceu uma criança marcada para jamais ser esquecida.
Na noite do Eclipse, o Clã Aeterion reunia-se em vigília. O firmamento sangrava em tons de carmesim e prata, e os anciãos entoavam cânticos antigos, pois sabiam: quando a Lua se vestisse de vermelho, uma nova era se abriria para os lobos do Sul.
A criança veio ao mundo em meio ao canto e ao temor. Sua mãe, Selindra, segurou-a ao peito enquanto as mulheres diziam que sua pele parecia brilhar com a luz da chama, e seus olhos refletiam a escuridão do céu. O Supremo Alfa Draelion, erguendo-se diante do povo, anunciou com voz grave:
— Esta é Talindra, filha da Lua Vermelha, filha do Sol que se ocultou para dar-lhe passagem. Guardem bem este nome, pois dela virá o equilíbrio, e dela nascerá a ruptura.
Desde aquela noite, Talindra carregava não apenas o peso do sangue do clã mais poderoso, mas também a expectativa de uma profecia que ecoava como trovão: “Do Eclipse surgirá a loba que nenhum clã poderá subjugar.”
Dezoito anos haviam se passado desde aquele presságio.
Talindra despertou naquela manhã com o coração acelerado. O sol mal nascera, e já se ouvia na fortaleza de Aeterion o movimento frenético dos preparativos. Hoje seria a sua noite: a primeira corrida da Noite da Lua. O rito que apresentava os filhos do Supremo Alfa ao mundo.
Ela caminhou até a sacada de pedra que se abria para os campos e respirou fundo. O vento frio da manhã trazia consigo os cheiros familiares de casa: o ferro dos guerreiros treinando ao longe, o doce da resina queimada em oferenda ao sol, e o perfume de flores lunares que sua mãe sempre espalhava ao redor da morada. Mas por trás de tudo havia uma sensação nova: expectativa.
“Dezoito invernos…” — pensou Talindra, passando os dedos pelo colar de prata que sempre trazia ao pescoço, presente de sua mãe no nascimento.
“Hoje deixo de ser apenas filha. Hoje me torno loba diante dos clãs.”
Selindra entrou em silêncio, observando-a com os olhos prateados que pareciam sempre enxergar além. Trouxe-lhe um véu leve para a noite que viria, e com ele, palavras suaves:
— Filha, lembra-te de quem és. Não apenas Talindra, mas a nascida do Eclipse. Muitos virão para observar, alguns para julgar. Nenhum, porém, poderá roubar-te a essência.
Talindra assentiu, mas dentro dela, uma inquietação queimava. Sua loba ainda não havia se manifestado plenamente. Apenas sussurros, apenas presságios em sonhos. Contudo, em seu íntimo, sabia que aquela noite mudaria tudo.
No salão dos Aeterion, os mensageiros se multiplicavam. Estandartes eram erguidos, mesas preparadas para receber os convidados. Draelion, imponente, observava de sua cadeira esculpida em pedra negra. Ao seu lado, o irmão mais velho de Talindra, Kaelith, já trajado para a corrida, ajustava a espada no cinto e lançava olhares protetores à irmã.
— Estás pronta? — perguntou-lhe, o tom mais de advertência do que de carinho. — Lembra-te que não é apenas tua honra que caminha esta noite, mas a do nosso clã.
— Sei disso — respondeu Talindra, com firmeza. — Mas também sei que meu destino não se curva ao medo.
Kaelith franziu o cenho, mas não contestou.
O pai deles ergueu-se e falou, sua voz grave ecoando pelo salão:
— Que entrem os convidados. Que cada clã ocupe o lugar que lhe cabe sob o sol e a lua. Hoje, minha filha Talindra será apresentada como herdeira do sangue Aeterion.
E assim, um a um, os clãs chegavam. Alguns traziam peles raras, outros carregavam estandartes bordados com símbolos antigos. O ar estava pesado de poder e rivalidade. Mas foi quando os lobos do Clã Silvanor atravessaram os portões que Talindra sentiu o coração parar por um instante.
Na frente deles, caminhava um jovem de porte ereto, olhos que refletiam o verde profundo das florestas, e uma aura de liderança que ainda se formava, mas já se impunha. Vandor.
O Alfa da Floresta.
Talindra não precisou de palavras. Não precisou de explicações.
Dentro dela, em um lugar onde a consciência não alcançava, sua loba despertou e sussurrou apenas uma palavra:
— Companheiro.
Ela estremeceu, segurando firme o colar em seu pescoço.
E soube, ali, antes mesmo da corrida começar, que sua vida jamais seria a mesma.
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Atualizado até capítulo 42
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