Após organizar minhas roupas no armário, desci as escadas. Na sala, encontrei a menina que eu deveria cuidar. Tinha os cabelos castanhos, ondulados e encaracolados, e um rosto delicado, tão perfeito que parecia uma boneca de porcelana. Usava um vestido rosê que realçava sua graça natural. À primeira vista mostrou-se tímida, escondendo-se atrás do próprio olhar, mas aos poucos foi se soltando.
Entendemo-nos logo no primeiro dia. Talvez fosse a língua portuguesa que nos unia de forma tão íntima, ou talvez fosse simplesmente a atenção que eu lhe oferecia — coisa rara em sua curta vida. Nos três primeiros dias, já havíamos criado um laço forte o bastante para que a Sra. Allen decidisse que eu ficaria de vez. A partir do quinto dia, já vestia o uniforme: calça de alfaiataria azul-marinho, nem justa nem folgada, e uma blusa longa com fendas laterais. A cor, porém, trazia-me lembranças amargas — a do uniforme do internato.
Quanto ao meu patrão, eu não o vi nos primeiros dias. Parecia ocupado demais para cruzar meu caminho. Havia vezes em que apenas ouvia o som do carro chegando tarde da noite, outras vezes os passos pesados subindo as escadas. Não havia uma única fotografia na mansão que saciasse minha curiosidade. Mas logo eu me esquecia disso, ocupada com meus afazeres: acompanhar Amélie nas aulas, ajudá-la a se banhar, pentear seus cabelos, preparar suas roupas e sapatos, auxiliar nas lições e brincar nas horas vagas. Fazíamos tudo juntas, do acordar ao adormecer. Em pouco tempo, ela passou a ter por mim um apego quase desesperado — o que não me surpreendia. Era uma criança tão carente quanto um cão abandonado.
Um mês se passou.
Era fim de tarde de sexta-feira. Amélie estava em sua aula de balé — o único momento em que minha companhia não lhe era necessária. O inverno se despedia e a neve já rareava pelo chão. O dia era belo e sereno, embora o frio ainda mordesse a pele. Sentei-me em um banco de madeira no jardim, observando as nuvens se espalharem pelo céu, até que o tédio da rotina me fez levantar e perambular pelos arredores.
Caminhei devagar, saboreando a brisa fria que batia em meu rosto e parecia levar embora todas as minhas angústias. Notei a vegetação mudar a cada passo. Quando olhei para trás, percebi o quanto havia me afastado da mansão. O céu, antes azul, agora tingia-se de laranja e violeta, anunciando a noite. Apressei o passo de volta, mas, já perto do portão, ouvi o som de passos rápidos.
Estremeci.
— Quem seria, tão longe de tudo? — pensei.
O vento me confundia: ora os passos pareciam próximos, ora distantes. Virei-me e, num instante, senti o impacto que me lançou ao chão.
— Senhorita, se machucou? — perguntou um homem, alto, de ombros largos.
— Não, senhor.
Ele estendeu a mão firme.
— Então levante-se. O que faz parada numa trilha a essa hora?
— Eu... eu não o vi, senhor. Peço desculpas! — respondi, constrangida.
Não fazia ideia de quem era aquele homem. Talvez algum vizinho das terras próximas, que corria ao ar livre. Tinha um semblante austero, mas seu tom era mais de preocupação que de raiva.
— Por Deus, senhorita? Não sente medo de sair sozinha nesse horário? Está anoitecendo... não sabe o quanto é perigoso para uma mulher... — Olhou me de cima a baixo — ...De sua estatura perambular por aí sozinha?
— Tem razão... — Concordei — Eu trabalho na Fairchild House, senhor. Distrai-me e acabei me afastando mais do que devia.
— Trabalha na Fairchild House? — arqueou a sobrancelha curioso. — O que faz lá?
— Sou babá da filha do Sr. Fairchild.
— E conhece ele?
— Não, senhor. Fui contratada pela governanta... ainda não o vi.
— Entendo. Sugiro que volte logo à mansão... e tome cuidado para não se perder.— Disse com um tom cuidadoso e preocupado.
— Sim, senhor...
Corri até a Fairchild House com o coração disparado. Ao chegar ao jardim, já ofegante e ruborizada, percebi que fora a conversa mais longa que tivera com qualquer homem em toda a minha vida. Descansei por alguns minutos, recobrei o fôlego e subi ao quarto de Amélie. Dei-lhe banho, escolhemos juntas um vestido para o jantar, e então a Sra. Allen entrou.
— Oi, querida... onde estava? Procurei por você mais cedo e não a encontrei.
— Saí para espairecer, mas acabei me afastando demais da mansão. Peço desculpas.
— Não se preocupe, todos nós às vezes precisamos respirar longe dessas paredes — disse ela com um sorriso compreensivo. — Mas antes que eu me esqueça: o patrão pediu que você se junte a ele no jantar desta noite, junto com Amélie.
Estremeci.
— Não me diga isso, Sra. Allen...
— Fique tranquila. Será apenas um jantar formal. Amélie fala muito bem de você e ele, como pai e patrão, tem todo direito de conhecer a nova funcionária.
— Posso ir de uniforme?
— Coloque um vestido qualquer, o Sr. Fairchild não liga para formalidades. Agora vá... Amélie e eu estaremos esperando.
Diante do espelho, ajeitei os cabelos. Vestia um modelo bege, rodado, que caía um palmo abaixo dos joelhos, marcado na cintura. Nos pés, sapatos rosê de salto médio. Soltei os cabelos, discretos, mas soltos o bastante para suavizar meu rosto. Enquanto me olhava, não conseguia deixar de pensar: Como seria afinal o Sr. Fairchild? Como falava, como se comportava?
Sra. Allen dizia que ele era um homem exemplar. Eu, porém, não conseguia afastar de mim a desconfiança: como podia um homem de tão bom caráter negar atenção à própria filha?
Respirei fundo. Desci a escada. O coração acelerava a cada passo que me aproximava do salão de refeições, onde, finalmente, conheceria o homem que até então era apenas uma sombra em minha rotina.
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(Pessoal, assim que terminarem de ler cada capítulo deixem sua curtida e se puder um comentário. Isso ajuda na obra e da mais incentivo ao autor para a continuação.)
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Atualizado até capítulo 84
Comments
Iracy Abreu
bom dia estou gostando da história pós amo romance costumo lê sempre ❤️❤️❤️❤️🥰
2025-10-14
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Jô Ferrer
Fico muito feliz, minha querida!❤️❤️❤️
2025-10-15
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