A noite caíra sobre Hanyang como um manto pesado. O ar tornara-se frio e seco, penetrando pelas frestas dos corredores do palácio, trazendo consigo o sussurro cortante do outono. As lanternas espalhadas pelos jardins e varandas ardiam em luz amarelada, projetando sombras longas sobre as paredes de madeira polida. Era uma noite que não convidava ao repouso; era uma noite que parecia esperar algo.
Kyun‐Seonk retirou-se cedo para seus aposentos. Ordenara que enchessem sua tina de madeira com água aquecida e pétalas de crisântemos secos — costume comum, mas para ele quase um ritual. Despiu-se em silêncio, com movimentos contidos, dobrando a túnica com cuidado antes de colocá-la sobre o biombo. A água fumegava diante dele, um espelho turvo de calor convidativo.
Ao mergulhar, o choque da temperatura o fez cerrar os olhos. O corpo relaxou, os músculos se desfazendo da tensão da conferência. Kyun-Seonk apoiou a cabeça na borda da tina e, por um instante, desejou que o vapor carregasse consigo os pensamentos do dia. Mas não conseguia afastar a lembrança do olhar de Dae-Hyun.
Três batidas secas na porta o arrancaram do devaneio.
— Kyun-Seonk. — A voz era grave, conhecida, carregada de firmeza e hesitação em simultâneo. — Deixa-me entrar.
O escriba abriu os olhos, surpreso. O coração acelerou de imediato. O que ele fazia ali, naquela hora? O instinto foi recusar, mas sua boca não encontrou força para dizer nada. Apenas um murmúrio escapou:
— Entra.
A porta deslizou, e Dae-Hyun surgiu no vão. A armadura havia sido deixada para trás; agora trajava apenas roupas leves de algodão escuro, próprias para o descanso. Os cabelos, ainda úmidos da lavagem após o treino, caíam soltos sobre a testa. Seus olhos, contudo, estavam fixos em Kyun-Seonk.
O silêncio entre os dois pesou mais que as palavras.
Dae-Hyun avançou lentamente pelo aposento, a madeira rangendo sob seus passos. Quando se aproximou da tina, Kyun-Seonk ergueu-se da água — nu, sem disfarçar o corpo, sem buscar o biombo. Apenas levantou-se com naturalidade, como se o gesto fosse banal.
Mas para Dae-Hyun não havia nada de banal.
A luz da lamparina desenhava no corpo de Kyun-Seonk um relevo de linhas suaves e firmes: os ombros estreitos mas bem definidos, o peito que subia e descia em respirações contidas, o abdômen marcado pela postura ereta de quem estudara a vida inteira. A água escorria em fios lentos, deslizando pela pele clara até se perderem na curva dos quadris.
O soldado sentiu o ar rarear em seus pulmões. Era como se o tempo tivesse parado. Os olhos não conseguiam desviar-se: percorriam cada detalhe, cada gota que se desprendia, cada sombra que o fogo projetava no corpo do irmão. E junto dessa contemplação, um calor desconhecido e avassalador lhe tomava o ventre, queimando como brasas escondidas sob a roupa.
Kyun-Seonk notou. Claro que notou. Sua expressão, no entanto, manteve-se impenetrável. Apenas caminhou até o biombo, tomou o roupão de algodão branco e o vestiu em silêncio, cobrindo-se. Ainda assim, o gesto não apagava a lembrança do instante em que estivera completamente exposto.
— Vem. — disse, secamente, como se quisesse quebrar o peso do momento. — Vamos até meus aposentos.
Dae-Hyun obedeceu, a voz ainda presa na garganta.
O quarto de Kyun-Seonk era simples, mas ordenado: uma mesa baixa com pergaminhos empilhados, pincéis alinhados com rigor, uma estante com rolos de bambu, e, no canto, o colchão dobrado para a noite. Sobre a mesa repousava uma pequena garrafa de cerâmica com soju.
Kyun-Seonk serviu duas taças, o líquido claro refletindo o tremular da lamparina. Sentou-se na beirada do colchão, estendendo uma taça a Dae-Hyun.
— Bebe. Talvez o calor do soju te devolva o juízo que parece ter deixado no salão hoje.
A ironia era fina, mas havia nela um fio de afeto. Dae-Hyun aceitou a taça, os dedos tocando de leve os de Kyun-Seonk. O contato foi rápido, mas suficiente para fazê-lo prender o ar.
Beberam em silêncio. O soju queimava suave, descendo pela garganta, aquecendo mais do que o corpo precisava. A atmosfera, antes pesada, ganhou um tom quase descontraído.
— Sempre tão rígido... — murmurou Dae-Hyun, observando o irmão. — Até mesmo quando bebes.
Kyun-Seonk ergueu uma sobrancelha.
— E tu, sempre tão impulsivo. Até quando olhas.
O olhar de ambos se cruzou — firme, sem desviar. Um silêncio espesso caiu entre eles, carregado de algo que nenhum ousava nomear.
Foi Dae-Hyun quem quebrou a distância. Deixou a taça sobre o chão e, num gesto súbito, inclinou-se para a frente. Sua mão segurou o queixo de Kyun-Seonk, erguendo-o levemente.
— Não consigo mais fingir, Kyun-Seonk. — disse, a voz rouca. — Não diante de ti.
E então, sem esperar resposta, seus lábios tocaram os dele.
O beijo foi breve no início, hesitante, quase um roçar. Mas Kyun-Seonk, como se fosse tragado por uma força maior que sua razão, correspondeu. O soju ainda tingia suas bocas, e o calor daquele contato fez seu corpo estremecer.
Por um instante, esqueceu-se da corte, do rei, do general, da palavra “irmão”. Esqueceu-se de tudo, exceto do calor do outro, da firmeza com que Dae-Hyun o prendia, da intensidade que parecia rasgar o silêncio da noite.
Mas a mente de Kyun-Seonk não se calava. Entre cada batida acelerada do coração, entre cada sopro quente de desejo, havia o sussurro cruel da consciência: não deve acontecer.
Ainda assim, não o afastou.
continua.....
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Atualizado até capítulo 29
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