Ele morreu.
E sabem quando?
Exatamente no mesmo dia em que ele mandou arrombar a porta do nosso barraco e arrancou a minha irmã de dentro da nossa casa.
Vocês conseguem entender o peso disso? Eu não precisei escolher a data. O tempo escolheu por mim. O destino apontou o dedo. Foi como se a Lua, a terra e o sangue tivessem se alinhado para que a sentença fosse cumprida no mesmo calendário.
Eu tinha nove anos quando a vi ser levada. Nove anos quando meu pai caiu de joelhos, quando minha mãe me apertou contra o peito tentando me calar, quando os risos deles encheram o barraco de escárnio.
Nove anos.
Aos dezoito, eu me transformei pela primeira vez. A fera abriu caminho.
Mas eu não me apressei. Eu não desperdicei a fúria. Eu esperei.
Foram nove anos ruminando a dor, guardando cada lembrança como faca na carne.
Depois, mais cinco anos afiando minhas garras, treinando meu corpo, aprendendo a matar sem testemunha.
Catorze anos.
Catorze anos esperando.
E quando a hora chegou, quando a casa inteira se calou no sono, quando o relógio marcou duas da manhã e os cães começaram a gemer baixo… eu cumpri.
Matei o dono do morro no mesmo dia em que ele destruiu a minha família.
Matei como juiz, como carrasco, como memória viva da Galeguinha.
Ah, mas valeu a pena.
Valeu cada segundo.
Valeu cada lágrima engolida, cada noite sem sono, cada raiva guardada na boca do estômago.
Ele morreu como devia.
Ele morreu no mesmo dia que ela morreu por dentro.
E eu não me arrependo.
Se me perguntarem mil vezes, eu vou responder: eu faria tudo de novo.
Porque a sentença, uma vez dada, não se volta atrás.
Vocês pensam que eu me arrependi?
Não.
Nem ontem, nem hoje, nem amanhã.
Eu continuo vingando.
E não adianta tapar os ouvidos, porque a minha voz não é feita de palavras. É feita de uivo. E uivo atravessa parede, corta a noite, entra no ouvido de quem tem medo de dormir.
Então se preparem.
O que eu estou contando pra vocês não é bonito.
Não é história de conto de fadas.
Mas, sejamos sinceros, vocês já se acostumaram com coisa feia.
Quantos aí não batem palma pra romance em que filha de família se envolve com traficante e, como mágica, ele vira mocinho? Quantos não suspiram lendo mentira de favela cor-de-rosa, onde criminoso é pintado como herói, e herói de verdade vira criminoso?
Pois bem. Eu não escrevo.
Eu não invento.
Eu mostro.
E se vocês querem saber o que eu faço com os heróis de vocês, prestem atenção: eu os desmonto, pedaço por pedaço.
Cada vez que uma cabeça rola, cada vez que o pescoço estala, eu sinto que estou limpando a lama que vocês tentam enfeitar com glitter.
Nem todos eu trato do mesmo jeito.
Não pensem que eu repito. Não.
Eu faço questão de variar, de transformar cada sentença numa assinatura.
O chefão do morro… ah, esse merecia a desonra completa. Tinha uma coisa tão miserável, tão vergonhosa, tão ridícula entre as pernas, que eu arranquei e enfiei na boca dele. Fiz questão que o mundo visse que até naquilo ele era menor do que fingia.
Agora, aqueles que nasceram com mais carne, com mais orgulho entre as pernas? Esses eu não deixo a boca provar. Não. Esses eu viro do avesso. Enfio no rabo deles, empurro fundo, até o grito morrer engasgado em sangue.
É assim que eu trabalho.
É assim que eu mostro que poder não é fuzil, não é dinheiro, não é medo.
Poder é fazer da morte uma escultura.
Vocês acham grotesco?
Pois deviam.
Mas grotesco mesmo é ver mãe aplaudindo filha se esfregando em bandido, achar bonito filho com fuzil no ombro. Isso sim é grotesco. Eu, não. Eu só cobro a conta.
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Atualizado até capítulo 32
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