E a sentença é sempre a minha última palavra.
Quando eu falo, não existe recurso.
Quando eu executo, não existe perdão.
Por cinco anos, guardei a minha vingança. Cinco anos roendo o próprio silêncio, vivendo como estudante, como trabalhador, como o Galeguinho que ninguém levava a sério. Mas por dentro, cada respiração era contagem regressiva. Cada batida do meu coração era martelo de juiz.
Enquanto esperava o momento do chefão, fui limpando os becos. Eliminei os menores, os que rastejavam como baratas, os que repetiam a mesma covardia contra outras meninas. E cada vez que um deles caía, eu aperfeiçoava minha arte. Sim, porque matar é fácil. O que eu faço não é só matar. É expor. É transformar cada cadáver em um recado.
Mas para o dono do morro, eu preparei algo maior. Ele não teria uma morte qualquer. Ele teria uma obra-prima.
E assim foi.
A primeira patada atravessou o pescoço como lâmina. A cabeça voou do corpo antes mesmo que os olhos entendessem o que estava acontecendo. O som que fez… um estalo seco, seguido do silêncio que corta.
Mas eu não me contentei em arrancar. Não. A minha boca se fechou sobre a base da coluna, e com uma mordida, eu quebrei o osso que ainda ligava cabeça e corpo. Mastiguei o estalo como quem prova a vitória.
Depois, minhas patas se tornaram bisturis. Cortei sem pressa. Rasguei a pele, abri o peito, senti o calor do sangue espirrando como fonte profana. Enfiei a mão até o fundo e arranquei o coração. Pesado. Ainda pulsando. Coloquei-o na mão esquerda do morto, como se fosse presente.
Mas faltava o principal. O que ele fez com a minha irmã nunca poderia ficar sem resposta.
Ele a violentou. Ele a quebrou por dentro. Ele a jogou no abismo.
Então eu quebrei o que restava dele. Rasguei o baixo ventre, arranquei aquele pau miserável. Pena que era curto, desproporcional até pra sua arrogância. Segurei como troféu e o enfiei à força na boca aberta dele, calando de vez a mesma boca que um dia riu do choro do meu pai.
Quando terminei, deixei o quadro pronto:
— Na mão direita, a cabeça.
— Na mão esquerda, o coração.
— Entre os dentes, a humilhação.
Os outros? Esses não mereciam tanto esforço. Rasguei rápido, quebrei pescoços, deixei corpos caídos como bonecos de pano. Mas ele, o chefão, eu transformei em mensagem.
Terminada a minha obra de arte, ninguém viu nada.
Eles dormiam. Dormiam como porcos, inchados de bebida e pecado, sem perceber que a morte já tinha passado pela sala.
Eu saí como entrei: o lobinho. Só que agora encharcado de sangue, respingando vermelho em cada passo. Minha pelagem clara virou manto macabro. E foi nesse momento que os cães começaram a latir. Não de medo. Não de aviso. Latiram como se celebrassem. Como se dissessem: está feito.
Eu vinguei.
Vocês entendem o peso dessa palavra? Eu vinguei a Galeguinha.
Eu tinha nove anos quando ela foi arrancada da nossa casa, com apenas treze anos de idade. Treze! Uma criança levada por homens que se diziam donos do morro. Eu vi meu pai implorar, eu vi minha mãe se despedaçar por dentro. Eu vi minha irmã escolher o vazio do penhasco, porque o mundo aqui não deixava espaço pra pureza sobreviver.
Aos dezoito, veio minha primeira transformação. A fera que meu pai temia despertou. Ele chorava, dizia:
— Filho, não segue o caminho do teu avô.
Mas não havia volta. Não era maldição. Era destino.
E eu não fui fome. Fui sentença.
Depois dos dezoito, eu esperei mais cinco anos. Cinco anos afiando minhas garras, treinando meu corpo, aprendendo a matar com silêncio, aprendendo a desaparecer como fumaça. Eu me aperfeiçoei. E então, só então, eu estava pronto para o chefão.
Mas vocês acham que eu parei por aí? Não.
Enquanto o dia me escondia na pele de estudante, enquanto todos me chamavam de Galego, de Galeguinho, eu limpava os becos. Um por um. Aqueles que se achavam pequenos demais para a justiça dos homens, mas grandes o suficiente para estragar a vida de meninas, de meninos, de famílias inteiras.
Agora, vocês aí, com essa mania de escrever romance cor-de-rosa, acham que a vida no morro pode ter final feliz fácil? Estão ficando loucos.
Digam: que mãe consciente deixa uma filha se envolver com um vagabundo de fuzil? Que pai permite que o filho cresça com o dedo no gatilho? Isso não é futuro. Isso é condenação.
Pois é. Meus pais, eu tirei do morro. Carreguei nas costas, dei a eles outra chance, outro teto, outro ar. Mas eu fiquei. Fiquei porque eu sou a voz que eles nunca ouviriam em tribunal. Fiquei porque a justiça dos homens nunca sobe até aqui. Fiquei porque, quando a lei falha, sobra a justiça do lobo.
Eles não sabem, mas eu sou essa voz.
Eu sou o juiz que não erra.
Eu sou o carrasco que não perdoa.
Eu sou o Lobisomem no Morro.
E nessa noite… vocês sabem quantos caíram?
Oito. Oito com o chefe. Oito corpos, oito destinos riscados da face da terra.
Foi a noite em que eu me provei completo.
Foi a noite em que o morro inteiro aprendeu que há olhos maiores do que os deles na escuridão.
E eu estava pronto.
Pronto para muito mais.
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Atualizado até capítulo 32
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