A floresta era um borrão de sombras verdes e cinzentas. Kaelina corria sem ver, guiada apenas pelo pânico que latejava em suas veias em unisono com a marca em seu pulso. Cada batida de seu coração era um martelo de dor quente que subia pelo seu braço, uma sensação terrível e nova. Os uivos soavam mais altos agora, não mais à distância, mas perseguindo-a, ecoando entre as árvores antigas como sinos de um funeral. Eles não uivavam para a lua; uivavam por ela.
Seus pés tropeçaram em uma raiz oculta sob um tapete de musgo e folhas podres. Ela caiu de frente, o impacto arrancando o ar de seus pulmões. A adaga voou de sua mão, desaparecendo na escuridão. O mundo girou. O cheiro de terra úmida, de sua própria pele suada e do sangue que ainda escorria do corte raso em seu braço encheu suas narinas. Era um cheiro animal, de presa.
"...Não pode fugir do que você é..." sibilou a voz em sua mente, agora mais clara, quase íntima.
Ela se arrastou para trás, encostando-se no tronco maciço de um carvalho ancião. A névoa, por um capricho do vento ou de algo mais, dissipou-se momentaneamente em uma clareira adiante, permitindo que um único feixe de luz lunar prateada iluminasse o chão da floresta. E foi então que ela viu. Sua mão, a que pressionava o ferimento no braço, estava ensopada de sangue. Mas não era o vermelho escuro que ela esperava. Sob a luz pálida da lua, o sangue que escorria entre seus dedos brilhava com um tom prateado iridescente, como mercúrio líquido mesclado com rubi. Ele cintilava com uma luz fraca e interior, bela e grotesca ao mesmo tempo.
O horror que sentiu foi tão profundo que a paralisou mais do que a queda. Isso não era humano. Isso não era normal. Era a confirmação de todos os sussurros, de todos os olhares de desconfiança que a seguiram a vida toda. Martha estava certa. Seu sangue cantava uma canção diferente. Os uivos cessaram abruptamente.
O silêncio que se seguiu foi mais aterrorizante do que o ruído. Era o silêncio de uma armadilha prestes a se fechar. Kaelina ouviu o farfalhar suave de passos se aproximando, não mais a carga desesperada de criaturas em caçada, mas uma abordagem lenta, deliberada. Eles sabiam que ela estava encurralada. Dois pares de olhos vermelhos acenderam-se na orla da clareira. Depois, mais dois, de um dourado intenso. Eles se materializaram da escuridão, quatro lobisomens em sua forma bestial, mas contidos, formando um semicírculo ao seu redor. Seus focinhos se contraíam, farejando o ar carregado com o aroma metálico e doce de seu sangue prateado. A fome em seus olhos era palpável, mas contida por algo... ou por alguém.
O líder, aquele que havia falado, o que carregava a marca do olho, entrou na clareira. Ele havia se transformado. Não era mais a fera completa. Ele agora se erguia sobre duas pernas, uma forma híbrida e poderosa de homem e lobo, coberto por uma pelagem densa e escura, suas garras longas brilhando sob a lua. Seus olhos dourados fitavam-na com uma inteligência perturbadora.
— Você vê? — sua voz era mais clara agora, menos um rosnado e mais um sibilo grave, saindo de entre presas ainda impressionantes. — O sangue não mente. Ele anuncia sua chegada para todos nós.
Ele deu um passo à frente, e Kaelina se encolheu contra a árvore, seu corpo tremendo incontrolavelmente.
— Não... não me toque — ela sussurrou, sua voz um fio de terror.
O lobisomem riu, um som seco e sem humor. — Toque? Não entendemos, profetisa. Não estamos aqui para profanar. Estamos aqui para reivindicar. Você pertence aos filhos de Solvyr. Seu sangue é a chave para restaurar nosso poder, para acabar com séculos de opressão sob as garras dos sugadores de sombra.
Ele cuspiu a última palavra com ódio puro. Os outros lobisomens rosnaram em concordância, uma onda de fúria contida. Kaelina mal conseguia processar suas palavras. "Pertencer"? "Reivindicar"? Ela não era uma propriedade. O medo começou a ser substituído por uma centelha de raiva, quente e amarga.
— Eu não pertenço a ninguém! — ela gritou, surpresa com a força em sua própria voz.
O híbrido inclinou a cabeça, como se estudando um inseto interessante. — Todos pertencemos a algo, garota. Você pertence ao destino que seu sangue carrega. E nós o conduziremos a ele. Venha quietamente. A alcateia não será gentil se você resistir.
Ele esticou uma garra em sua direção, não para atacar, mas para agarrar. Foi o suficiente. O instinto de autopreservação, amplificado pelo pânico e pela raiva, explodiu dentro dela. Ela não pensou. Ela agiu.
Um calor excruciante, muito pior do que antes, explodiu em seu pulso. Era como se seu osso estivesse em chamas por dentro. Ela gritou, uma mistura de dor e desespero, e agarrou o braço com a outra mão. A atadura de linho, carbonizada por dentro, desfez-se em cinzas, revelando a pele abaixo. A marca não era mais apenas um conjunto de linhas prateadas sob a pele. Ela brilhava. Era uma intricada teia de luz prateada pulsante, como um astro caído e preso sob sua pele, centrado em um símbolo que lembrava um olho estilizado cercado por espirais. A luz era tão intensa que iluminava seu rosto pálido e aterrorizado.
O lobisomem líder recuou um passo, seus olhos dourados arregalados de surpresa genuína, e talvez... de medo.
— A Marca do Despertar... — ele sussurrou, mais para si mesmo.
A dor se transformou em poder. Uma energia crua e indomável percorreu o corpo de Kaelina, uma força que demandava libertação. Ela ergueu as mãos, não sabendo o que fazia, apenas sentindo. Desta vez, não foi apenas uma onda de força. Sombras.
As sombras ao redor da clareira, profundas e escuras, se contorceram e se esticaram como tentáculos vivos. Elas se enrolaram nas pernas dos lobisomens, prendendo-os no lugar com uma força surpreendente. Os lobos uivaram de raiva e surpresa, lutando contra as amarras de escuridão sólida. Kaelina ofegava, seus olhos bem abertos, espelhando a luz prateada de sua marca. Ela podia sentir as sombras, como uma extensão de seu próprio terror e fúria. Era aterrorizante. Era viciante. A visão do líder, ainda lutando contra as sombras que prendiam suas pernas, desfocou por um segundo. Por um breve instante, ela não viu mais a clareira. Viu...
...Uma sala de pedra escura, iluminada por tochas. Um símbolo grande do mesmo olho vertical de sua testa estava gravado no chão, pulsando com uma luz sombria. Uma figura alta e elegante, com capa negra, estava de costas para ela, seus longos dedos pálidos traçando o contorno do símbolo no ar...
"...Ezren..." uma voz sussurrou, não a dela, não a da criatura em sua mente, mas uma terceira voz, suave e cheia de uma idade imensurável. A visão desapareceu tão rápido quanto chegara, deixando-a tonta e nauseada. O lobisomem líder, com um urro de esforço, conseguiu romper as amarras de sombra com um golpe de suas garras. Seus olhos agora ardiam com uma raiva ferina, toda a pretensão de civilização desaparecida.
— Contenham-na! — ele rugiu para os outros. — Viva ou morta, mas tragam-na!
A magia que a inundara recuou tão subitamente quanto chegara, deixando-a vazia, trêmula e terrivelmente fraca. As sombras recuaram, libertando os lobos. A luz em sua marca diminuiu para um brilho fracasso e doloroso. Ela estava vulnerável. Exposta. O primeiro lobisomem saltou. Mas ele nunca a alcançou.
Uma forma escura e impossivelmente rápida caiu do dossel das árvores como um raio, aterrissando entre Kaelina e a fera com um impacto surdo que fez o chão tremer. Era um homem. Ou quase um homem. Ele se ergueu, sua silhueta alta e esguia cortando a luz da lua. Vestia roupas escuras e elegantes que pareciam absorver a luz ao seu redor. Seus movimentos eram fluidos, graciosos, mas carregados de uma potência latente que fazia o ar parecer vibrar. O lobisomem que saltara foi arremessado para trás como um brinquedo, golpeado por um movimento tão rápido que Kaelina mal conseguiu ver. O homem nem sequer parecera se virar completamente. Ele então se voltou lentamente, e Kaelina prendeu a respiração.
Seu rosto era de uma palidez fantasmagórica, esculpido em ângulos afiados e aristocráticos. Seus cabelos, negros como ébano, caíam sobre uma testa larga. E seus olhos... seus olhos não eram humanos. Eram de um âmbar profundo, com reflexos de vinho vermelho, e brilhavam com uma luz própria na penumbra da floresta. Eles fixaram-se nela, e não nos lobisomens, por um momento que pareceu durar uma eternidade. Havia uma curiosidade intensa neles, uma fome não por sangue, mas por respostas. Os lobisomens recuaram, rosnando de reconhecimento e ódio.
— Valek — o líder cuspiu o nome como se fosse um veneno. — A Corte Escarlate farejou a presa também, não foi? Sua mestra mandou você coletar o prêmio?
O homem — Ezren — ignorou-o completamente. Seus olhos âmbar ainda estavam presos em Kaelina, examinando-a, dissecando-a. Ele farejou o ar levemente, e um quase imperceptível arco de interesse levantou sua sobrancelha.
— O sangue de prata — ele murmurou, sua voz era suave, meliflua, mas carregada de uma autoridade que ecoava na clareira silenciosa. — E já desperta. Mais interessante do que relataram.
Seu olhar então pousou na marca ainda brilhando fracamente em seu pulso. Algo mudou em sua expressão. A curiosidade foi substituída por algo mais complexo... algo quase parecido com reverência. Ele finalmente se virou para enfrentar os lobisomens, colocando-se firmemente entre eles e Kaelina.
— A criança não vai com vocês hoje, filhotes de Solvyr — disse Ezren, sua voz ainda calma, mas agora com uma frieza de aço. — Corram de volta para sua floresta e digam ao seu Alfa que seu pedido foi negado.
O lobisomem líder soltou um rosnado de fúria impotente. Ele sabia, assim como todos na clareira, que estava em desvantagem. A presença de Ezren Valek mudara tudo.
— Isto não acabou, vampiro. — ele rosnou. — Ela é nossa por direito de sangue!
— Direitos — Ezren deu um sorriso frio, que não alcançou seus olhos, — são frequentemente disputados. E hoje, eu discuto o seu.
Sem mais palavras, ele fez um gesto quase negligente com a mão. A névoa ao redor da clareira pareceu se condensar, tornando-se espessa e opaca, engolindo os lobisomens em uma cortina de branco. Seus rosnados de raiva ficaram abafados e então se afastaram, até se perderem completamente no denso branco. A clareira ficou em silêncio novamente. Apenas Ezren Valek e Kaelina, tremendo e ensanguentada aos pés do carvalho.
Ele se virou novamente para ela, sua imponência silenciosa mais aterrorizante do que a fúria bestial dos lobos. Ele deu um passo à frente. Kaelina tentou se afastar, mas seu corpo não respondia. Tudo o que ela conseguia fazer era olhar para aqueles olhos âmbar, para aquele rosto pálido e perfeito que não pertencia àquele lugar. Ele se ajoelhou, ficando na altura dela. Seu movimento foi tão suave que quase não fez ruído. Ele estendeu a mão, não para tocá-la, mas para indicar seu braço ferido.
— Você está sangrando — disse ele, sua voz agora surpreendentemente suave, quase gentil. — E isso... é um problema. Atrai coisas piores do que lobisomens famintos.
Seus olhos se encontraram com os dela. Naquele olhar, Kaelina não viu ameaça imediata. Viu mistério. Viu perigo antigo. E viu, talvez, a única tábua de salvação em um mar de escuridão que de repente se abrira sob seus pés. O mundo dela havia terminado naquela clareira. Um novo, muito mais sombrio e complexo, começava agora. E ele tinha olhos da cor de âmbar e vinho.
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Atualizado até capítulo 21
Comments
Guillotine
Não aguento mais esperar pela continuação. Quando vai ser?
2025-09-08
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