Capítulo 3 – Sombras e Segredos
O primeiro despertar no castelo das sombras não foi como qualquer manhã que Amara já conhecera. A luz que atravessava os vitrais altos era negra, filtrando padrões que se moviam como se respirassem. O vento entrava por frestas invisíveis, carregando o perfume úmido da noite eterna. Nada ali se parecia com a vila, nem com o sol, nem com o cheiro de pão fresco da cozinha. Cada som era amplificado, cada sombra parecia viva, respirando junto com ela.
Amara se levantou devagar, sentindo o frio da pedra sob os pés descalços. Cada passo ecoava pelo corredor amplo, e o eco parecia sussurrar palavras incompreensíveis. Ela segurou o cristal negro com força; ele pulsava suavemente, guiando-a ou alertando-a.
— Bom dia — a voz de Ezryn soou atrás dela.
Amara virou-se. O guardião era alto, com olhos que pareciam absorver luz. Usava armadura negra leve adornada com símbolos antigos. Um sorriso discreto cruzou o rosto dele, mas havia cautela na postura, como se cada gesto de Amara fosse avaliado.
— Bom… bom dia — gaguejou ela. — Onde… onde estou exatamente?
— No coração do Reino das Sombras — disse Ezryn. — Cada pedra, cada corredor, cada sombra pertence a Kael. E agora, você também faz parte dele.
Amara engoliu em seco. — Eu… não entendo. Por que comigo?
— Porque você foi escolhida. — Ezryn desviou o olhar, como se a resposta fosse simples demais para explicar. — Não é hora de entender tudo. Observe e aprenda.
Eles caminharam pelo corredor até um grande salão de treino. Guardiões praticavam movimentos precisos, como sombras dançantes. Cada olhar se voltou para Amara. Ela sentiu-se avaliada, cada movimento medido por olhos atentos e silenciosos.
— Eles são seus protetores — explicou Ezryn. — E, ao mesmo tempo, observadores. Nada escapa ao olhar de Kael.
— Kael? — Amara perguntou, o nome saindo com reverência e medo. — Onde ele está?
— Ele aparece quando julgar necessário. — Ezryn estudou sua reação. — A presença dele é mais poderosa que qualquer armadura ou espada.
Amara engoliu novamente. Cada passo dentro do castelo reforçava que não estava mais em casa. As paredes eram adornadas com tapeçarias negras, que contavam batalhas antigas, reis e guerreiros esquecidos. Cada detalhe pulsava com energia sombria.
Kael apareceu pela porta do salão sem aviso, e o silêncio foi instantâneo. Todos os guardiões se afastaram, reverentes, como se uma onda de poder invisível tivesse passado pelo ambiente. Amara sentiu o chão tremer levemente sob seus pés, mas não havia movimento físico — era a presença dele que vibrava no ar.
— Você está viva — disse Kael, voz grave, carregada de autoridade e séculos de experiência. — E isso me agrada.
— Eu… eu não sei o que fazer — disse Amara, engolindo seco. — Eu nunca… nunca estive em um lugar assim.
Ele se aproximou lentamente, cada passo medido, calculado. — Não há nada que precise fazer agora. Apenas observe e sinta. O cristal é seu guia. Ele está ligado a você. — Ele indicou a pedra negra em sua mão. — E a você, apenas a você.
— Eu não sei como… — começou Amara, mas Kael interrompeu com um gesto sutil.
— Não tente entender agora. O tempo para explicações virá. Primeiro, você deve aprender a sobreviver aqui. A compreender. — Um sorriso quase imperceptível cruzou seu rosto. — E, eventualmente, aprender a escolher.
Nos dias seguintes, Ezryn guiou Amara pelo castelo. Cada corredor parecia maior do que o anterior, cada sala carregava símbolos que pulsavam com energia. Os guardiões se apresentaram: alguns eram silenciosos e vigilantes; outros tinham sorrisos calculados que escondiam segredos. Amara aprendeu que qualquer palavra ou gesto era observado.
— Cuidado com a sombra — advertiu um guardião, chamado Lorian, enquanto caminhavam pelo corredor principal. — Ela reage ao medo, à curiosidade e, principalmente, à mentira.
— A sombra? — Amara perguntou, curiosa e assustada. — Como assim?
— Você verá — disse Lorian, sorrindo de leve. — Cada sombra aqui tem consciência. Nem sempre são hostis… mas nem sempre são amigas.
A cada encontro com Kael, a tensão aumentava. Ele raramente falava, mas cada palavra era carregada de poder. Amara percebeu que ele não precisava gritar para ser ouvido; a própria presença dele dominava o ambiente.
— Você sente a pedra pulsando? — perguntou Kael certa noite, surgindo silencioso atrás dela.
— Sim… — respondeu Amara, segurando o cristal com força. — Mas não sei o que significa.
— Significa que está viva. — Ele se aproximou um passo. — E que está ligada a algo maior. Algo que você ainda não compreende.
— Eu nunca acreditei em magia… — murmurou ela. — Mas agora… eu sinto que não tenho escolha.
— E você não tem — disse ele, firme, mas não cruel. — Nem a desejar.
Amara percebeu que cada encontro com ele deixava seu coração em conflito: medo, fascínio, curiosidade, desejo. Ela se perguntava se era apenas a intensidade do príncipe ou o poder do castelo que a fazia sentir isso.
Certa noite, Kael a levou a uma biblioteca oculta, corredores estreitos com livros que pareciam absorver a luz. Ele não falou por alguns minutos, apenas observava enquanto ela tocava os volumes, sentindo a energia antiga em cada página.
— Tudo aqui contém conhecimento antigo — disse ele finalmente. — Poder, história, segredos de vidas que passaram antes de você. — Ele inclinou a cabeça. — Alguns são perigosos. Outros… essenciais.
— E eu posso ler qualquer um? — Amara perguntou.
— Pode. — Ele sorriu levemente, sério ao mesmo tempo. — Mas saiba que não são apenas palavras. Cada conhecimento aqui toca a sua essência. Cada segredo tem preço.
Ezryn e os outros guardiões observaram de longe, silenciosos. Amara sentiu que cada ação era estudada, cada emoção sentida. O castelo reagia à presença dela, ao estado de espírito dela. O cristal pulsava mais forte sempre que algo importante acontecia.
— Você está pronta para o treino? — perguntou Lorian certo dia, entregando-lhe uma espada leve, feita de metal negro que parecia absorver a luz.
— Treino? — Amara perguntou, segurando o objeto com mãos trêmulas.
— Aqui, até a mente e o corpo devem aprender a seguir a sombra. Sem isso, não sobreviverá. — Ele demonstrou movimentos básicos, suaves mas rápidos, e Amara tentou imitar. Cada gesto parecia conectado a algo maior, e ela percebeu que a espada não era apenas arma, mas extensão do próprio corpo.
Durante o treino, Kael apareceu silencioso, observando cada movimento. Quando terminou, aproximou-se.
— Bom — disse ele, a voz grave reverberando pelo hall. — Mas ainda há muito a aprender. — Ele estendeu a mão para o cristal. — Sinta. Ele é seu elo, mas também seu teste.
Amara segurou o cristal com força. A luz negra pulsou, e ela sentiu uma onda percorrer seu corpo. Era medo, fascínio e poder, tudo junto.
— Eu… ainda não sei se consigo — murmurou.
— Você conseguirá — respondeu Kael, sem suavidade, mas também sem crueldade. — Porque não há escolha. E porque, de alguma forma, você já pertence a este mundo.
Nas noites seguintes, Amara começou a compreender que o castelo não era apenas um espaço físico, mas um organismo vivo. As sombras se moviam com intenção, os guardiões reagiam à mínima hesitação, e Kael permanecia uma presença constante, observando e testando, silencioso, mas sempre presente.
E, no silêncio do castelo, ela começou a sentir algo novo: não apenas medo, mas pertencimento. Um laço invisível com Kael, com o reino, com o cristal. Uma certeza de que, apesar do terror, do desconhecido e do perigo, ela estava exatamente onde deveria estar.
— Um dia — disse Kael, aparecendo na sala de treino sem aviso — você entenderá o que significa realmente pertencer a algo maior. — Ele se aproximou, e Amara sentiu novamente a intensidade de sua presença. — Até lá, observe, aprenda, e cresça.
E enquanto Kael desaparecia na sombra, Amara percebeu que cada passo naquele castelo eterno seria um teste. Cada escolha, cada gesto, cada olhar, era um aprendizado. E que, de algum modo, o príncipe das sombras não estava apenas moldando seu corpo ou sua mente, mas também seu coração.
A eternidade de Kael, a força do cristal e o poder do castelo se entrelaçavam com a vida de Amara, e ela percebeu que, embora o medo permanecesse, algo maior crescia dentro dela: uma mistura de fascínio, respeito e uma estranha sensação de que finalmente havia encontrado o lugar ao qual realmente pertencia.
E naquela noite eterna, com o vento passando pelas torres, as sombras dançando pelas paredes e o cristal pulsando como um coração, Amara compreendeu pela primeira vez: ela não era mais apenas humana, mas parte de algo antigo, sombrio e inevitável.
O que ainda não sabia era que Kael observava cada movimento dela, cada reação, cada hesitação, e que ele começava a se perguntar se aquela humana poderia ser mais do que apenas uma peça em seu reino. Talvez pudesse ser algo que ele nunca imaginou: uma presença que mexeria com sua eternidade, com seu coração… e talvez, com o próprio destino do mundo das sombras.
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Atualizado até capítulo 61
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