O confronto com Eduardo alterou a órbita de Cecília dentro da Geo-Solutions. Antes, ela era uma novata anônima, uma sombra exótica deslizando pelos corredores cinzentos. Agora, era uma anomalia. Quando caminhava pelo 34º andar, as conversas paralelas diminuíam, os olhares a seguiam. Havia uma mistura de curiosidade, medo e, em alguns poucos rostos, uma centelha de admiração. Ela se tornara a mulher que desafiou o Executor e sobreviveu para contar a história.
As vozes vinham em fragmentos, sussurros captados perto da máquina de café ou no silêncio do elevador.
— ...ela o chamou de suicida, na frente de todo mundo...
— ...dizem que o Bastos quase teve um infarto. Ninguém nunca fala com o Eduardo daquele jeito.
— ...ela é corajosa, ou completamente louca. Ainda não decidi.
— ...ele a fez reavaliar o projeto. Isso nunca aconteceu. Nunca.
Essas vozes eram o ecossistema da torre reagindo a um corpo estranho. Cecília aprendeu a ignorá-las, focando em sua vitória tática. Eduardo, fiel à sua palavra, havia de fato paralisado a mobilização em Carajás. Os engenheiros, agora com uma relutância respeitosa, a procuravam para validar rotas alternativas. Ela estava sobrecarregada, exausta, mas sentia pela primeira vez que sua presença ali fazia diferença. Ela havia enfiado uma alavanca na engrenagem da máquina.
Foi numa tarde de quinta-feira, enquanto almoçava sozinha no refeitório da empresa, remexendo uma salada sem gosto e lendo um relatório no tablet, que Ana, sua gerente, se aproximou com uma bandeja.
— Este lugar está vago? — perguntou Ana, com o mesmo sorriso genuíno do primeiro dia.
— Claro — respondeu Cecília, surpresa. Era a primeira vez que alguém se sentava com ela voluntariamente desde o "incidente".
Por alguns minutos, comeram em um silêncio confortável. Ana era uma presença calmante, uma mulher na casa dos cinquenta anos com olhos gentis e uma eficiência discreta que a tornava respeitada, embora não temida.
— Você sabe que virou uma espécie de lenda, não sabe? — disse Ana, finalmente, quebrando o silêncio.
Cecília deu um sorriso cansado.
— Lenda ou o próximo nome na lista de demissões?
Ana riu, um som agradável e raro naquele ambiente.
— Com Eduardo, nunca se sabe. Mas o que você fez... foi necessário. Muitos de nós pensamos as mesmas coisas que você disse, mas... bem, temos famílias, hipotecas. O medo é um bom gestor de carreiras — Ela suspirou, empurrando um pedaço de brócolis pelo prato — Mas obrigada. Por falar por nós.
A sinceridade de Ana desarmou Cecília.
— Eu não falei por ninguém, Ana. Falei porque não podia ficar calada.
— É por isso que funcionou — disse Ana, com convicção — Cecília, preciso que você entenda com quem está lidando. As 'vozes nos corredores' não contam a história toda. Por que acha que todos aqui têm tanto medo dele?
Cecília pousou o garfo, dando a Ana sua total atenção.
— Eu estou na Geo-Solutions há quinze anos — continuou Ana, em voz baixa — Eu vi Eduardo chegar. Ele entrou como trainee, um garoto brilhante e ambicioso recém-saído de Stanford. Ninguém lhe deu muita atenção no início. Mas ele subiu na hierarquia mais rápido do que qualquer pessoa que eu já vi. Ele não faz amigos, não participa de jogos políticos de escritório. Ele apenas... entrega resultados. Resultados assustadores.
Ana se inclinou para a frente.
— A alcunha 'O Executor' não surgiu à toa. O primeiro grande projeto dele foi na Indonésia. Uma mina de níquel que estava atolada em corrupção local e ineficiência. Ele foi enviado para lá com vinte e poucos anos. Em seis meses, ele demitiu metade da gestão, renegociou todos os contratos com o governo, esmagou a oposição de três ONGs e triplicou a produção. Ele foi impiedoso. Eficiente.
Ana fez uma pausa, os olhos fixos em Cecília.
— Depois veio a África. Um projeto hidrelétrico que estava anos atrasado. Ele não apenas terminou a obra antes do prazo, como redesenhou toda a cadeia de suprimentos da empresa no continente. Ele não corta custos, ele os oblitera. Ele não resolve problemas, ele os elimina. Ele não vê pessoas, Cecília. Ele vê ativos, passivos, variáveis num sistema complexo. E ele sempre, sempre vence.
O retrato que Ana pintava era de uma força da natureza corporativa.
— Ele tem a confiança cega do conselho porque nunca falhou. Nunca. Eles dão a ele os projetos impossíveis, e ele os torna não apenas possíveis, mas extremamente lucrativos. É por isso que todos dizem que ele é o sucessor natural para a presidência. Não por ser charmoso ou popular, mas por ser uma máquina de resultados.
— Então por que ele recuou? Por que mandou reavaliar o projeto Silex? — perguntou Cecília, a mente a mil.
— Essa é a pergunta de um milhão de dólares — admitiu Ana — E é por isso que você o assustou. Você não o atacou com emoção, como as ONGs que ele esmagou. Você o atacou com a própria lógica dele. Você mostrou a ele que a abordagem mais 'eficiente' dele era, na verdade, um risco. Você o forçou a recalcular. Ele não recuou por bondade; ele recuou porque você o superou em seu próprio jogo. E ele odeia, mais do que tudo, ser superado.
A admiração no olhar de Ana era inconfundível.
— Eu sou uma analista de dados, Cecília. Passo meus dias olhando para números, tentando encontrar padrões. E eu vejo um padrão em você. Você é uma variável que o sistema dele não previu — Ela se inclinou para mais perto — Eu não posso lutar nas reuniões como você, mas posso conseguir dados. Relatórios antigos, projeções financeiras, e-mails internos. Coisas que podem te ajudar a prever o próximo movimento dele. Considere-me sua aliada.
Pela primeira vez em semanas, Cecília não se sentiu completamente sozinha naquela selva de concreto. O temor que sentia por Eduardo agora tinha uma forma mais clara, a de um adversário genial e implacável, mas a ideia de enfrentá-lo já não era tão solitária. Ela tinha uma aliada. Alguém por dentro que via o mundo através dos mesmos olhos críticos.
— Por que, Ana? — perguntou Cecília, genuinamente — Por que se arriscar por mim?
Ana olhou para a janela do refeitório, para a cidade cinzenta lá fora.
— Eu tenho uma filha de dez anos. Outro dia, ela chegou da escola chorando porque aprendeu sobre o desmatamento na Amazônia. Ela me perguntou o que eu fazia para impedir isso — O olhar de Ana voltou para Cecília, e havia uma tristeza profunda em seus olhos — Eu não tive uma boa resposta para dar a ela. Mas talvez, ajudando você... eu comece a ter uma.
Elas terminaram o almoço, a aliança selada não com um aperto de mãos, mas com um entendimento mútuo. Ao voltar para sua mesa, Cecília olhou para a torre de aço e vidro com novos olhos. Seu inimigo era mais poderoso, mais perigoso do que ela imaginara. Mas ela não estava mais sozinha. As vozes nos corredores podiam continuar a sussurrar, mas agora, havia uma voz que falava a mesma língua que a dela. E isso, Cecília sabia, podia fazer toda a diferença.
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Atualizado até capítulo 51
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