-Lamento, mas ela não resistiu.
Congelei, coloquei a mão no peito, como se não pudesse respirar, aquelas palavras ecoaram na minha cabeça como lâminas cortando meu cérebro.
-O que você disse? (Meu avô perguntou)
-Lamento, chegamos tarde, o pulso já estava fraco, fiz tudo que podia. (O paramédico respondeu)
Meu avô senta no chão e coloca a cabeça nos joelhos, apenas chorando e eu ainda paralisada, como isto pode acontecer ela está tão bem.
-Sabe o que aconteceu? (Gaguejei)
-Parece ter sido uma parada cardíaca, é normal na idade dela. Mas para ter certeza apenas com uma autópsia. Vocês querem que façamos?
-Isso não vai trazer minha esposa de volta, não há abram, não quero que ela sofra mais.
-Como seguimos agora?(Falei)
-Vamos levar sua avó ao hospital, para lidar com os papéis, agora entrem em contato com uma funerária e seguimos daí.
-Obrigado, vou fazer. (Respondi)
Momentos se passaram, fiquei abraçada em meu avô enquanto víamos eles removerem o corpo esguio e sem vida da minha avó. Sem dúvida é de cortar o coração, mas estou tão anestesiada que nem consigo derramar sequer uma lágrima. Mesmo que o impacto seja grande, a lembrança do Mambo atirando em meu pai ainda me assombra.
Um silêncio ensurdecedor paira pela casa, meu avô finalmente parou de chorar, vou ao quarto deles e no velho roupeiro escolho a roupa para minha avó. Não pude fazer isso pelos meus pais e irmão, mas posso fazer por ela.
Como era uma cidade pequena, todos se conheciam, o velório foi na pequena igreja no centro, inúmeras pessoas foram se despedir, compartilham memórias de quando minha avó era jovem, do seu casamento, do nascimento da minha mãe, meu avô está tão cansado, mas é um momento especial para ele, até escovou seus velhos cabelos brancos. Fico sentada na escadaria da igreja quando um velho padre senta ao meu lado.
-Sua avó falava muito de você. Poderia dizer que é um prazer lhe conhecer, mas nessas circunstâncias.
-Padre, por que Deus é tão ruim pra mim?
-Ele não é ruim, apenas chegou a hora da sua avó, ela viveu bastante, teve muitas alegrias, muitas vitórias e ela tinha muito orgulho de você.
-Não é a primeira pessoa que ele leva de mim.
-Acredito que todos vão no momento certo, e tudo é um aprendizado, sei que não pensa assim agora, que está com raiva e pensando que podia fazer algo para evitar, mas não podia, você fez tudo que pode e precisa seguir em frente, por você e pelo seu avô Francisco.
-Obrigado padre.
-Quer falar algo?
-Na frente de todos? Melhor não, já falei tudo que precisava para ela.
-Não é para ela, mas para aqueles que sentem falta dela.
-Neste caso conte comigo.
Ele se levantou e entrou na igreja, meu avô está sentado próximo ao caixão em prantos, vou até ele e boto minha mão em seu ombro, mostrando que está tudo bem, que estou aqui para ele. Eles sempre estiveram presentes pra mim, mesmo sem saber o que aconteceu comigo para procurá-los, agora é meu momento de retribuir. O padre me chama ao púlpito para falar algumas palavras para os presentes, um frio na barriga sobe enquanto caminho em direção, minhas mãos estão suadas.
-É difícil falar neste momento, minha avó sempre soube me pegar de surpresa, me ensinou a ser forte e a lutar, éramos unha e carne, me lembro quando cheguei sem nada apenas meu nome, ela me acolheu sem questionar o motivo de eu ter vindo pra cá sem avisar, nunca me julgou por gostar tanto de praticar artes marciais, enquantos muitos diziam que era coisa de garota, ela estava presente em cada luta. Este momento de despedida será breve, mas as lembranças dos bons momentos serão eternas, seu sorriso e sua alegria contagiava a todos ao seu redor e sua ausência deixa um vazio imenso em nossos corações. Vou sentir saudades dos bolos e dos pães que costumava fazer todos os dias, sentirei falta dos sermões e exemplos, até mesmo de pequenas brigas, sobre onde fica melhor um quadro, ou como é melhor mexer a panela. Costumávamos dar sustos uma na outra sempre que possível, teve uma vez que ela se escondeu dentro de um fardo de feno, até os cavalos se assustaram, espero que assim como eu vocês também tenham lembranças divertidas dela.
Fiquei olhando por um momento enquanto respirava para não chorar, não consigo dizer mais nada, fico paralisada, meu avô vem em minha direção e pega minha mão me levando para uma cadeira próxima a ele. O restante do funeral foi marcado por lágrimas e lembranças agradáveis, depois que tudo acabou restou apenas um silêncio, meu avô apenas parado dentro do carro olhando para o horizonte.
-Vô, se importa de eu dirigir.
-Tudo bem, vou dar a volta.
Entramos no carro e seguimos viagem, chegamos a fazenda e quando entramos em casa ainda dava para sentir o cheiro do bolo recém saído do forno, como se nada tivesse acontecido.
-Quer um café? (Perguntei baixinho)
-Quero sim querida.
Não demorou muito, levei um café com um prato de bolo para nós dois.
-Ela ainda nos deixou um bolo. (Ele falou baixinho)
-Ela sempre pensava em nós.
Comemos em silêncio por um tempo, apenas o barulho do galinheiro próximo a casa era possível escutar, até que finalmente meu avô quebrou o silêncio.
-O que você vai fazer agora?
-A mesma coisa, por que?
-Seja sincera, sei que planeja algo a anos, você se dedica demais para apenas ficar na velha fazenda.
-Por hora vou apenas ficar aqui e terminar minha faculdade, depois vejo como seguir, por que quer me expulsar?
-Jamais te expulsaria, somos família, mas sei que não se dedicou por nada e também sei o que sei pai fazia para sobreviver e isto me dá uma ideia do que aconteceu.
-Vovô, isto. (Ele me interrompeu)
-Imagino que tenha sido horrível para você, se quiser se abrir estou aqui.
Ele passou a mão em meu cabelo e me abraçou.
-Vovô, você já quis se vingar de alguém?
-Seja o que for, confio que vai conseguir.
-O senhor não quer saber?
-Confio em você, sei que nunca nos contou nada, mas não precisa.
-Quero contar, mas é difícil.
-Conte quando se sentir pronta.
-Nunca estarei, ainda sinto o cheiro do sangue deles em minha mãos, ver aquilo e não poder fazer nada, foi terrível.
-Querida, você não podia fazer nada, era muito pequena.
-Mas mesmo assim, já sabia atirar, fui ensinada desde os cinco anos, meu pai me treinava para seguir seus passos, mas na hora que ele pediu para eu me esconder, apenas fiquei quieta.
-Isso lhe salvou e a culpa não foi sua. Seus pesadelos, não sua culpa.
-Confesso que por anos pensei em voltar e acabar com eles, mas viver com vocês é tão bom.
-Se vingança é o que precisa, se vingue.
-Não posso deixar o senhor sozinho agora.
-Não se preocupe comigo, sei me cuidar e tenho vizinhos para me ajudar e se ficar muito difícil posso contratar alguém para me ajudar.
-Neste caso, preciso de uns dias, mas vou partir em busca de vingança, assim como Mambo matou toda a minha família, irei matar toda a família dele, deixarei ele sem poder fazer nada além de assistir seu império ruir.
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Atualizado até capítulo 42
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