Grávida Do Mafioso

Grávida Do Mafioso

O Encontro

Nunca tive casa.

Só tive quartos — e quartos não abraçam.

Os do orfanato tinham camas duras demais, lençóis que cheiravam a sabão em pó barato e um silêncio que doía mais que gritos. Minha mãe morreu quando eu tinha seis anos. Lembro do cheiro do hospital: álcool, desespero e flores murchas. Lembro do vestido preto que me vestiram no enterro — apertado nos ombros, como se tivessem medido a ausência, não o meu corpo. E lembro, com uma clareza que ainda me corta, de ficar ali, sozinha, esperando alguém me puxar pra perto.

Ninguém veio.

Depois disso, fui “cuidada” por um sistema que só queria me esquecer. E quase conseguiu.

Por isso, quando aluguei aquele apartamento minúsculo — com taco rangendo a cada passo e um chuveiro que esquentava só quando tinha vontade — eu chorei. Não de tristeza. De alívio. Porque, pela primeira vez, eu podia fechar uma porta e dizer: isso aqui é meu.

Até hoje.

Hoje, me mandaram embora.

“Dispensável”, foi a palavra que usaram.

Cinco anos servindo café morno, sorrindo pra caras que nunca souberam meu nome, apagando incêndios invisíveis pra que o escritório funcionasse… e, no fim, fui descartada como um copo de papel amassado.

O aviso de despejo tá pregado na minha porta desde ontem.

Trinta dias.

Trinta dias até eu voltar pro que sempre foi minha verdade: não ter chão.

Foi por isso que entrei no bar.

Não pra beber.

Pra sentir o peso do meu corpo em algum lugar. Pra ouvir meu nome, mesmo que errado. Pra saber que ainda existo — mesmo que só por uma noite.

O lugar tava abarrotado de risadas falsas e música alta demais, luzes piscando como se tivessem medo do escuro. Me enfiei no canto mais sombrio — o mesmo instinto do orfanato: se ficar quieto, talvez não percebam que você tá ali.

Meu copo tava quase vazio. O gelo derreteu faz tempo.

O batom vermelho que usei de manhã — naquela entrevista idiota que achei que ia me salvar — agora tava borrado na borda do vidro, como um aviso: você tentou parecer normal. Falhou.

— Você não acha que já bebeu o suficiente? — Bia puxou uma cadeira ao meu lado. O olhar dela era cansado, mas não vazio. Ainda tinha alguma coisa lá dentro. Eu não.

— Só tô tentando esquecer que daqui a um mês vou dormir na rua — falei, rindo sem som. — De novo. Só que agora com contas no nome e um currículo que parece piada.

Ela suspirou, mexeu no drink com dois dedos.

— Queria te ajudar, mas… tô mal também.

— Eu sei. — Olhei pro espelho atrás do balcão. Vi uma mulher com olheiras fundas, cabelo sem brilho, rímel escorrendo. Mas, por trás disso, vi a menina de seis anos, de pé no cemitério, com um vestido preto apertado demais e ninguém pra segurar sua mão. — Hoje eu vou beber até não lembrar que não tenho pra onde voltar.

Foi aí que Bia apontou com o queixo.

— Amiga… tem um cara te olhando desde que você entrou. Sério. Não desviou os olhos nem uma vez.

Meu peito apertou.

Não era desejo. Era atenção. Alguém me vendo de verdade.

E eu, que passei a vida inteira tentando não ser invisível… não sabia o que fazer com aquilo.

Virei devagar.

Ele tava lá.

Alto. Terno escuro. Postura que não pedia espaço — tomava. Os olhos… não eram curiosos. Eram reconhecedores. Como se visse além do batom borrado, além do vestido surrado, além da fachada. Como se soubesse que, por dentro, eu tava vazia. Quebrada. À beira.

— Nossa… — soltei, sem querer.

— Vai lá falar com ele?

— Tô fora. — Mentira. Meus dedos já alisavam os lábios, como se se preparassem pra algo que eu nem merecia.

Bia foi embora cedo. Disse que tinha que trabalhar.

Quando sumiu, o bar ficou mais frio. Mais vazio. Mais como o dormitório do orfanato — só que agora eu era adulta, e a solidão doía mais.

Pedi outro drink.

Mas antes que eu tocasse no copo, uma mão quente e firme pousou no meu ombro.

— Você não é aquele cara que tava me encarando como se eu fosse um prato? — perguntei, tentando soar durona. Minha voz tremeu.

Ele sorriu. Um sorriso torto, quase triste.

— Lorenzo.

— E?

— E você não é comida. Você é… alguém que tá se afogando.

— E daí?

— Eu nado bem.

Não entendi. Mas ele já chamava o garçom:

— Dois uísques. Puro.

Conversamos pouco. Mas ele olhava. Não com luxúria. Com reconhecimento.

Como se tivesse visto aquela dor antes. Talvez na própria pele.

— Cadê sua amiga?

— Foi embora.

— E te deixou aqui sozinha?

— Eu tô acostumada.

— Desde quando?

— Desde que minha mãe morreu. Desde que o mundo decidiu que eu não precisava de ninguém.

Silêncio. Pesado. Verdadeiro.

— Então hoje você não tá sozinha.

Foi isso que me quebrou.

Quando ele me beijou, não foi só desejo.

Foi alívio. Foi a primeira vez, em anos, que alguém me tocou como se eu valesse alguma coisa.

Saímos do bar sem dizer muita coisa. Só o calor da mão dele na minha cintura, guiando-me pela calçada molhada, e o zumbido da cidade se apagando atrás da gente. O hotel era discreto, sem nome na fachada — só um número pintado à mão, como se existisse só pra quem já sabia que ele estava lá.

No quarto, ele me segurou como se eu fosse frágil. E talvez eu seja. Mas, pela primeira vez, não me senti fraca por isso.

Quando amanheceu, o lado da cama tava frio.

Ele já tinha ido embora.

Fiquei deitada por um bom tempo, ouvindo o silêncio do quarto estranho, sentindo o cheiro dele ainda no lençol. Por um instante, me permiti acreditar que aquilo tinha sido real. Que, por uma noite, eu não fui invisível.

Mas o sol entrando pela cortina fina me lembrou: o mundo não muda da noite pro dia.

E homens como ele… não ficam.

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Comments

Leitora compulsiva

Leitora compulsiva

bah coitada,que vida de merda 😢😥

2025-10-02

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