O Círculo de Pedra

O sol ainda não havia nascido quando Luna deixou o chalé. O mapa desenhado no caderno preto parecia vibrar em suas mãos, como se a própria floresta estivesse chamando. Ela vestiu o casaco antigo — o mesmo que vira na foto de Clara — e seguiu pela trilha indicada.

A caminhada foi silenciosa. Nenhum pássaro cantava. Nenhum galho se movia. Era como se a natureza estivesse em suspenso, observando.

Depois de quase uma hora, Luna chegou ao ponto marcado: uma clareira circular, cercada por pedras altas e cobertas de musgo. No centro, havia uma marca no chão — o mesmo símbolo que aparecia nas cartas e no altar do porão.

Ela entrou no círculo. O ar parecia mais denso ali, como se o tempo estivesse dobrado. Ao tocar a marca no chão, uma onda de calor percorreu seu corpo. E então, as vozes começaram.

Não eram palavras. Eram memórias. Fragmentos de vidas que haviam passado por ali. Clara chorando. Uma criança rindo. Um homem gritando. E, por fim, uma voz que Luna reconheceu como sua — mas mais jovem, mais inocente:

> “Eu prometo que volto. Eu prometo que não vou esquecer.”

Luna caiu de joelhos. As lembranças vinham como relâmpagos: ela brincando na floresta, escondida entre as pedras, ouvindo histórias de Clara — que não era apenas uma estranha, mas sua tia. Uma mulher que havia desaparecido tentando proteger Luna de algo que vivia ali, entre os símbolos e os espelhos.

O círculo de pedra era um portal. Não para outro mundo, mas para o passado. E Luna, ao retornar, havia reativado tudo.

As pedras começaram a vibrar. A floresta sussurrava. E no centro do círculo, uma figura começou a se formar — feita de sombra e luz, com olhos que pareciam conhecer cada segredo de Luna.

> “Você voltou. Mas não está sozinha.”

Luna se levantou. Ela não sabia o que era aquela presença, mas sabia que não podia fugir. O círculo havia sido aberto. E agora, ela precisava entender o que havia sido esquecido — e o que ainda precisava ser lembrado.

Luna permaneceu no centro do círculo, sentindo o chão vibrar sob seus pés. As pedras ao redor pareciam emitir um som grave, quase imperceptível, como se estivessem despertando de um sono antigo. O ar ficou mais denso, e a luz do amanhecer foi engolida por uma névoa repentina.

A figura que surgira diante dela — feita de sombra e luz — começou a tomar forma. Era uma mulher, envolta em um manto escuro, com olhos que pareciam feitos de vidro quebrado. Ela não falava com palavras, mas Luna compreendia cada pensamento como se fossem memórias suas.

> “Você foi levada. Escondida. Protegida. Mas o pacto foi quebrado.”

Luna tentou responder, mas sua voz não saiu. As imagens vinham em ondas: Clara segurando Luna ainda criança, correndo pela floresta, escondendo-a dentro do chalé enquanto vozes gritavam do lado de fora. Um ritual interrompido. Um sacrifício não concluído.

A mulher estendeu a mão. Em sua palma, havia um medalhão antigo, com o mesmo símbolo do mapa. Luna o reconheceu. Já o havia visto em sonhos, pendurado no pescoço de Clara.

> “Você precisa lembrar. Só quem lembra pode libertar.”

Ao tocar o medalhão, Luna foi tomada por uma vertigem. Caiu de joelhos, e a floresta ao redor girou como um redemoinho. Quando abriu os olhos, estava em outro tempo — o mesmo círculo de pedra, mas agora cercado por pessoas encapuzadas, cantando em uma língua esquecida.

No centro, Clara. Jovem, determinada, segurando Luna nos braços. Ela gritava, implorava que parassem. Mas os rostos ao redor eram impassíveis. O ritual precisava acontecer. A criança era o elo.

Luna gritou. E, como se puxada por uma força invisível, voltou ao presente. Ofegante, com o medalhão ainda em mãos.

A figura havia desaparecido. As pedras estavam silenciosas. Mas Luna sabia: o círculo havia revelado a verdade. Ela não era apenas uma visitante. Era parte de uma história interrompida. E agora, precisava decidir se continuaria fugindo — ou se enfrentaria o que estava por vir.

Ao sair da clareira, a floresta parecia diferente. Mais viva. Mais consciente. E em algum lugar, entre as árvores, uma voz sussurrava:

> “A escuridão espera. Mas ela não perdoa.”

Luna caminhava de volta ao chalé com o medalhão apertado entre os dedos. A floresta parecia diferente agora — não apenas viva, mas consciente. Cada galho, cada pedra, cada sopro de vento parecia observar seus passos. Ela sentia que havia cruzado um limiar invisível, e que o mundo ao seu redor já não era o mesmo.

Ao chegar à varanda, encontrou algo que não estava ali antes: uma boneca antiga, de pano, sentada sobre o corrimão. Os olhos costurados com linha preta, o vestido desbotado, e uma pequena fita vermelha no pescoço. Luna reconheceu a boneca. Era dela. Ou melhor — havia sido dela, muitos anos atrás.

Ela a segurou com mãos trêmulas. Dentro da boneca, havia um bilhete dobrado com cuidado. A caligrafia era familiar:

> “Você prometeu que voltaria. A casa esperou. A floresta guardou. Agora, cumpra.”

Luna entrou no chalé. As luzes piscavam, e o caderno preto estava aberto em uma nova página. Desta vez, não havia palavras. Apenas um desenho: o círculo de pedra, o medalhão, e uma figura encapuzada com olhos em chamas.

Ela sabia que aquilo era um aviso. Ou uma convocação.

Naquela noite, Luna não dormiu. Sentou-se diante da lareira apagada, com a boneca ao lado e o medalhão pendurado no pescoço. O silêncio era absoluto, mas dentro dela, tudo gritava.

O passado não estava apenas voltando. Ele estava exigindo respostas.

E Luna, pela primeira vez, estava pronta para enfrentá-lo.

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