Além Da Escuridão

Além Da Escuridão

A Chegada

A chuva caía fina, como se o céu estivesse apenas sussurrando sua tristeza. Luna observava pela janela do ônibus, os olhos fixos na estrada que serpenteava entre colinas cobertas por névoa. A cidade de Valedourado surgia lentamente, envolta por árvores antigas e um silêncio que parecia guardar segredos.

Ela carregava apenas uma mochila surrada e um envelope amassado com o endereço do chalé onde passaria os próximos meses. Não conhecia ninguém ali. Não queria conhecer. Fugir era mais fácil do que explicar.

O motorista parou diante de uma placa enferrujada: “Bem-vindo a Valedourado”. Luna desceu, sentindo o cheiro de terra molhada e madeira úmida. O chalé ficava a poucos minutos dali, segundo o mapa que ela desenhara às pressas. Cada passo era acompanhado por o som de folhas sendo pisadas e o eco distante de corvos.

Ao chegar, encontrou a casa como descrita: pequena, de madeira escura, com janelas empoeiradas e uma varanda que rangia com o vento. A chave estava sob o vaso de samambaia, exatamente como prometido. Ao girá-la na fechadura, sentiu um arrepio — não de frio, mas de algo mais profundo. Como se estivesse abrindo não apenas uma porta, mas um capítulo esquecido de si mesma.

Dentro, o chalé era simples, mas acolhedor. Uma lareira apagada, livros antigos empilhados em um canto, e um espelho oval que parecia observá-la. Luna largou a mochila no chão e se aproximou do espelho. Por um instante, jurou ver outra figura atrás de si. Mas quando se virou, não havia nada.

Naquela noite, o silêncio era absoluto. Exceto por um som distante — como se alguém estivesse sussurrando seu nome entre as árvores.

Luna acendeu uma vela sobre a mesa da cozinha. A eletricidade ainda não havia sido ligada, e o chalé parecia mais antigo do que ela imaginava. As sombras dançavam nas paredes, projetando formas estranhas que se moviam como se tivessem vontade própria.

Ela caminhou até o quarto, onde uma cama de ferro enferrujado esperava sob um cobertor de lã. Havia um cheiro de mofo e madeira envelhecida, mas também algo mais... algo doce, como flores secas. Sobre o criado-mudo, encontrou um pequeno caderno de capa preta. Sem título, sem dono. Apenas uma página escrita:

> “Nem tudo que dorme está em paz. Nem tudo que se cala está esquecido.”

Luna franziu o cenho. Aquilo não estava ali por acaso. Sentou-se na cama, o caderno ainda em mãos, e tentou lembrar por que escolhera Valedourado. A verdade é que não escolhera — fora atraída. Desde que recebera a carta anônima com o endereço do chalé, algo dentro dela dizia que precisava vir. Como se uma parte de sua história estivesse enterrada ali.

Do lado de fora, o vento aumentava. As árvores pareciam se curvar, como se cochichassem entre si. Luna se levantou e foi até a janela. Lá fora, entre os troncos retorcidos, viu uma figura parada. Alta, imóvel, envolta em sombras. Não podia distinguir o rosto, mas sentia o olhar.

Ela piscou. A figura desapareceu.

O coração batia acelerado. “É só cansaço”, murmurou para si mesma. Mas sabia que não era. Valedourado não era apenas uma cidade esquecida no mapa. Era um lugar que a esperava. Que a conhecia.

Naquela noite, Luna dormiu com o caderno ao lado da cama e a vela acesa. E, enquanto o sono a envolvia, uma voz sussurrava em sua mente:

> “Você voltou.”

O sono veio em ondas inquietas. Luna se revirava na cama, envolta por sonhos fragmentados — imagens de fogo, vozes distorcidas, uma criança chorando em meio à escuridão. Em um desses sonhos, ela caminhava por uma floresta onde as árvores tinham olhos. Cada galho parecia apontar para ela, acusando, chamando, lembrando.

Acordou com um sobressalto. A vela ainda ardia, quase no fim. O chalé estava silencioso, mas havia algo diferente. Um cheiro de fumaça. Não da vela — de madeira queimada.

Levantou-se e seguiu o cheiro até a sala. A lareira, que estivera apagada, agora crepitava com chamas vivas. Mas ela não a havia acendido.

Luna se aproximou, hesitante. Sobre a lareira, havia uma moldura com uma fotografia antiga. Mostrava uma família diante do chalé: um homem, uma mulher, e uma menina com olhos escuros e expressão séria. Luna sentiu um calafrio. A menina... era idêntica a ela.

Pegou a moldura e virou. No verso, uma inscrição desbotada:

> “Valedourado, 1995 — A casa sempre lembra.”

Ela recuou, o coração acelerado. Aquilo não fazia sentido. Ela nascera em 2001. Nunca estivera ali antes. Nunca vira aquela foto. Mas a sensação de déjà vu era esmagadora.

De repente, um estalo. A porta da frente se abriu sozinha, rangendo devagar. O vento entrou, espalhando papéis e apagando a vela. Luna correu para fechá-la, mas antes que pudesse, ouviu uma voz — baixa, rouca, quase imperceptível:

> “Você não devia ter voltado.”

Ela trancou a porta, encostou-se contra ela, tentando controlar a respiração. Lá fora, o silêncio voltava. Mas dentro dela, algo havia despertado.

Naquela primeira noite em Valedourado, Luna entendeu que não estava apenas fugindo de seu passado. Estava correndo direto para ele.

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