Três semanas de casamento falso haviam me ensinado que Sebastian Blackwood era um homem de rotinas.
Todas as manhãs, ele acordava às 5h30. Café preto, sem açúcar. Jornal financeiro no tablet. Terno impecavelmente passado. Saímos de casa às 7h15 em ponto, e ele me deixou no meu andar antes de subir para o escritório executivo.
Três semanas, eu ainda me sentia como um intruso na vida dele.
Naquela quinta-feira, porém, algo mudou.
"Oliver", Sebastian apareceu na minha mesa por volta do meio-dia, com as mãos nos bolsos do paletó cinza. "Vamos almoçar."
Não era uma pergunta. Era uma declaração, dita em tom baixo o suficiente para que apenas eu ouvisse. Mas não baixo o suficiente para que Sarah, da recepção, e mais duas secretárias não percebessem.
"Claro", respondi, tentando soar profissional. "Onde o senhor gostaria que eu fizesse a reserva?"
"Já está feito. Le Bernardin."
Le Bernardin. O restaurante mais caro de Manhattan. Lugar onde Sebastian almoçava quando queria impressionar clientes importantes.
Senti todos os olhares se voltarem para nós quando nos dirigimos ao elevador. Os sussurros começaram antes mesmo das portas se fecharem.
"...almoçando juntos..."
"...Le Bernardin, imagina só..."
"...óbvio que é mais que trabalho..."
Quando as portas do elevador se fecharam, deixando-nos sozinhos, o silêncio ficou pesado. Sebastian olhava fixamente para os números que mudavam no display, enquanto eu tentava controlar a ansiedade crescente.
"Por que Le Bernardin?", perguntei finalmente.
"Porque preciso que você se acostume", ele respondeu sem me olhar. "Com este tipo de ambiente. Com essas pessoas."
Não entendi o que ele quis dizer, mas não tive coragem de perguntar.
***
Le Bernardin era exatamente o tipo de lugar que me intimidava. Garçons de smoking, mesas com toalhas de linho, uma carta de vinhos maior que alguns livros. O tipo de estabelecimento onde eu checava os preços duas vezes antes de pedir qualquer coisa.
"Mr. Blackwood!" Um homem de sessenta anos, elegantemente vestido, se aproximou da nossa mesa com um sorriso caloroso. "Que prazer vê-lo novamente."
"Marcel", Sebastian se levantou para cumprimentá-lo. "Como vai?"
"Muito bem, muito bem. E este deve ser..." Marcel se virou para mim com olhos curiosos.
"Oliver", Sebastian disse, colocando a mão no meu ombro de forma possessiva. "Meu marido."
A palavra ainda me causava arrepios.
"Ah!" Marcel praticamente irradiava satisfação. "O famoso marido! Richard me contou sobre o casamento. Que felicidade para a família."
Levantei-me desajeitadamente para cumprimentá-lo, tentando ignorar como minha mão tremia ligeiramente.
"Muito prazer, Sr...?"
"Marcel Dubois. Sou dono deste pequeno estabelecimento", ele disse com modéstia falsa. Le Bernardin não tinha nada de pequeno. "Conheço a família Blackwood há anos. Praticamente vi Sebastian crescer."
"Oliver não está acostumado com tanta atenção", Sebastian disse, sua mão ainda no meu ombro. "Ele é mais... reservado."
Reservado. Uma forma educada de dizer tímido e inadequado para este mundo.
"Claro, claro", Marcel assentiu compreensivamente. "Bem-vindo à família, Oliver. Se precisarem de qualquer coisa, é só chamar."
Quando Marcel se afastou, nos sentamos em silêncio. Eu podia sentir os olhares curiosos de outros clientes, provavelmente reconhecendo Sebastian e se perguntando quem era eu.
"Você está bem?", Sebastian perguntou, estudando meu rosto.
"Estou", menti.
"Oliver."
Havia algo no tom da sua voz que me fez olhar diretamente para ele. Seus olhos escuros me analisavam com aquela intensidade familiar.
"Eu sei que isso é... difícil para você", ele disse baixo. "Mas você precisa aprender a lidar com essas situações. Elas vão acontecer com frequência."
Assenti, tentando parecer mais confiante do que me sentia.
O garçom veio anotar nosso pedido, e Sebastian escolheu por nós dois - algo que eu deveria ter achado presunçoso, mas que na verdade me aliviou. Uma decisão a menos para eu estragar.
Durante a espera pela comida, tentei relaxar. Este era Sebastian, afinal. Meu chefe, sim, mas também... meu marido, pelo menos no papel. Talvez eu devesse agir mais naturalmente.
Quando ele estava contando algo sobre um novo contrato, estendi a mão e toquei a dele sobre a mesa. Era um gesto simples, casal faz isso o tempo todo.
Sebastian parou de falar imediatamente.
Seus olhos desceram para nossas mãos e depois voltaram para meu rosto. Havia algo em sua expressão que eu não consegui decifrar - surpresa, talvez. Ou desconforto.
Retirei a mão rapidamente, sentindo meu rosto esquentar.
"Desculpe, eu..."
"Não", ele disse baixo, mas havia uma tensão em sua voz. "Está tudo bem. É... natural."
Mas não parecia natural para ele. Parecia forçado.
O restante do almoço passou numa atmosfera estranha. Sebastian voltou a ser educado, mas distante. Eu voltei a ser desajeitado e inseguro.
Quando saíamos do restaurante, Marcel veio se despedir novamente, e eu, tentando ser um "bom marido", me aproximei de Sebastian e toquei seu braço enquanto conversávamos.
Senti-o enrijecer sob meu toque.
"Conversamos em casa", ele disse baixo, apenas para mim ouvir, enquanto sorria para Marcel.
Meu estômago despencou.
***
O caminho de volta para a empresa foi silencioso. Sebastian dirigia com a mandíbula tensa, e eu ficava olhando pela janela, tentando descobrir o que havia feito de errado.
De volta ao escritório, mergulhei no trabalho, tentando ignorar a sensação de que havia desapontado Sebastian de alguma forma. Por volta das três da tarde, meu telefone tocou.
"Ollie, querido!"
A voz aguda da minha mãe me fez franzir o rosto involuntariamente.
"Oi, mãe."
"Como estão as coisas? Como está a vida de casado?"
"Está... bem."
"Só bem? Oliver, você se casou com um dos homens mais poderosos de Nova York! Deveria estar nas nuvens!"
Olhei na direção do escritório de Sebastian, onde podia vê-lo ao telefone, completamente focado no trabalho.
"Estou feliz, mãe."
"Que bom! Escute, seu pai e eu queremos comemorar o casamento de vocês adequadamente. Que tal um jantar? Hoje à noite?"
Meu coração disparou. "Hoje? Mãe, eu não sei se Sebastian..."
"Nonsense. Já fiz a reserva no Le Coucou. Oito horas. Não aceito não como resposta."
A ligação foi encerrada antes que eu pudesse protestar.
***
Le Coucou era outro restaurante chique, embora menos intimidador que Le Bernardin. Quando Sebastian e eu chegamos, meus pais já estavam esperando do lado de fora, vestidos como se fossem para uma gala.
"Meu filho!", minha mãe exclamou, me abraçando dramaticamente antes de se virar para Sebastian. "E meu genro favorito!"
Sem aviso, ela o beijou nas duas bochechas. Sebastian se manteve educado, mas eu podia ver a tensão em seus ombros.
Quando chegou minha vez de cumprimentar meu pai, não sei o que me deu. Talvez fosse o nervosismo, talvez fosse a necessidade de parecer um marido apaixonado na frente dos meus pais. Mas quando me afastei do abraço do meu pai, virei para Sebastian e o beijei rapidamente nos lábios.
Foi um beijo casto, inocente, mas Sebastian ficou completamente imóvel por um segundo antes de corresponder minimamente.
"Que lindo!", suspirou minha mãe. "O amor de vocês é tão óbvio!"
Se ela soubesse...
***
O jantar foi uma tortura de duas horas. Meus pais fizeram perguntas sobre nossos "planos para o futuro", se queríamos filhos, como estava sendo "se ajustar à vida de casados". Sebastian respondeu a tudo com diplomacia perfeita, mas eu podia sentir sua crescente irritação a cada pergunta invasiva.
Quando finalmente conseguimos escapar, o silêncio no carro era ensurdecedor.
Sebastian dirigia com os nós dos dedos brancos no volante, olhando fixamente para a estrada. Eu ficava me mexendo no banco do passageiro, tentando descobrir como quebrar a tensão.
"Sebastian...", tentei.
"Em casa", ele disse secamente. "Conversamos em casa."
***
O apartamento nunca havia parecido tão silencioso. Sebastian foi direto para a sala de estar e se serviu de um whisky, algo que eu nunca o havia visto fazer antes.
"Sente-se", disse ele, ainda de costas para mim.
Obedeci, sentando-me na beirada do sofá.
Quando Sebastian se virou para me encarar, seus olhos estavam mais frios do que eu já havia visto.
"Precisamos estabelecer algumas regras", começou ele, sua voz baixa mas firme.
"Sebastian, se é sobre hoje..."
"É sobre muito mais que hoje, Oliver." Ele se aproximou, parando de pé na minha frente. "É sobre as últimas três semanas. É sobre você não parecer entender os limites desta... situação."
Senti meu peito apertar. "Eu não entendo."
"Os toques", disse ele, sua voz ficando mais dura. "As mãos, os braços, os beijos. Você não pode simplesmente... me tocar quando acha que deve parecer natural."
"Mas somos casados", protestei fracamente. "As pessoas esperam..."
"As pessoas esperam que mantenhamos as aparências em público quando necessário", ele me interrompeu. "Não que você me toque sempre que fica nervoso."
Suas palavras foram como um tapa na cara.
"Eu não... eu só estava tentando..."
"Tentando o quê, Oliver?" Havia algo perigoso em sua voz agora. "Tornar isso real?"
O silêncio que se seguiu foi mortal.
"Porque preciso que você entenda uma coisa", Sebastian continuou, se aproximando mais. "Isto não é real. Este casamento, esta situação - nada disso é real. É preciso saber se você consegue lidar com isso."
Senti lágrimas picarem meus olhos, mas me forcei a não deixá-las cair.
"Eu posso lidar", sussurrei.
"Pode?" Ele se ajoelhou na minha frente, ficando na minha altura. "Porque você não me perguntou, Oliver. Quando criou esta mentira, quando me arrastou para dentro dela - você não me perguntou se eu queria estar aqui. Não me perguntou se eu... se eu gosto de homens. Só assumiu que eu entraria no seu jogo."
Cada palavra era como uma facada.
"Sebastian, eu sinto muito..."
"Não quero suas desculpas", ele disse, se levantando novamente. "Quero que você entenda que eu não gosto de ser tocado sem permissão. Não gosto de intimidade física forçada, mesmo que seja para manter as aparências."
"Mas então como vamos..."
"Faremos o mínimo necessário", ele disse friamente. "E apenas quando for absolutamente indispensável."
Fiquei olhando para minhas mãos, sentindo-me menor do que nunca.
"Eu nunca quis que você se sentisse... forçado", murmurei.
"Mas é exatamente assim que me sinto", disse Sebastian. "Forçado. Preso. E você continua tornando tudo pior com esses gestos... íntimos."
A palavra íntimos soou como um palavrão vindo dele.
"Você pode fazer isso?", perguntou ele. "Pode manter distância? Pode parar de tentar transformar esta farsa em algo que ela não é?"
Levantei os olhos para encontrar os dele. Havia algo ali que poderia ser dor, mas também determinação.
"Posso", disse eu, minha voz mal audível.
"Bem."
Sebastian terminou seu whisky de uma vez e colocou o copo na mesa.
"Vou dormir", anunciou ele. "Amanhã é outro dia, e precisamos voltar à normalidade."
Normalidade. Como se alguma coisa sobre nossa situação fosse normal.
Depois que ouvi a porta do quarto dele se fechar, permaneci sentado na sala por mais uma hora, processando a conversa.
Sebastian não queria meus toques. Não queria minha proximidade. E provavelmente não queria estar nesta situação de forma alguma.
Eu havia criado esta mentira para impressionar meus pais, e no processo havia prendido o homem que amava numa farsa que o fazia se sentir desconfortável.
Talvez minha mãe tivesse razão sobre uma coisa - eu realmente não pensava nas consequências das minhas ações.
Mas agora era tarde demais para voltar atrás. Tudo que eu podia fazer era seguir as regras que Sebastian havia estabelecido e torcer para que um dia, talvez, ele pudesse me perdoar por ter colocado os dois nesta situação.
Enquanto isso, eu teria que aprender a amar alguém de longe.
Novamente.
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**Continua no Capítulo 4...**
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Atualizado até capítulo 32
Comments
𝐿𝑢𝑎
história maravilhosa 😌
2025-09-04
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