Três dias.
Foram necessários apenas três dias para que eu arrumasse toda a minha vida em duas malas e algumas caixas. Vinte e sete anos de existência cabiam surpreendentemente em muito pouco espaço. Talvez isso dissesse algo sobre mim que eu preferia não analisar muito profundamente.
O apartamento de Sebastian ficava no Upper East Side, em um dos prédios mais exclusivos de Manhattan. Quando o porteiro me cumprimentou pelo nome - Sebastian já havia me cadastrado como "residente" - senti um frio no estômago. Aquilo estava se tornando real demais, rápido demais.
O elevador privativo subiu silenciosamente até o último andar. Quando as portas se abriram diretamente na sala de estar do apartamento, tive que segurar a respiração.
Era... deslumbrante. Janelas do chão ao teto ofereciam uma vista panorâmica da cidade, móveis de design que provavelmente custavam mais que meu salário anual, e uma decoração em tons de cinza e branco que gritava sofisticação. Tudo impecavelmente organizado, tudo caro, tudo muito... Sebastian.
"Conseguiu se instalar bem?"
Me virei. Sebastian estava saindo de um dos corredores, vestindo uma camiseta branca simples e calças de moletom cinza. Era a primeira vez que eu o via sem terno, e por um momento esqueci como respirar. Ele parecia mais jovem assim, mais... acessível.
"Sim", consegui responder. "Obrigado por... por tudo isso."
Ele acenou com a cabeça, caminhando até a cozinha americana. "Café?"
"Por favor."
Observei-o preparar duas xícaras com movimentos precisos e eficientes. Até fazendo café ele era elegante.
"Precisamos conversar sobre algumas coisas", disse ele, me entregando uma xícara de porcelana fina. "Sobre como isso vai funcionar."
Meu estômago se contraiu. "Claro."
Nos sentamos no sofá - ele em uma extremidade, eu na outra, mantendo uma distância respeitosa.
"Primeiro", começou Sebastian, segurando a xícara com as duas mãos, "este apartamento tem três quartos. O master é meu. O segundo quarto é seu agora - já coloquei algumas coisas básicas lá. O terceiro é um escritório."
Eu assenti, tentando não demonstrar o alívio que senti. Quartos separados. Obviamente.
"Segundo, em público, manteremos as aparências necessárias. Em casa..." ele fez uma pausa, "somos dois adultos dividindo um espaço. Civilizadamente."
"Entendi."
"Terceiro, e mais importante", seus olhos escuros me fixaram com intensidade, "no escritório, eu sou seu chefe e você é meu secretário. Nada mais, nada menos. Não pode haver confusão entre nossa vida... pessoal e profissional."
A palavra "pessoal" soou estranha vinda dele, como se ele não tivesse certeza de como classificar nossa situação.
"Sebastian, eu nunca..."
"Sei que não", ele me interrompeu gentilmente. "Mas é importante estabelecer isso desde o início. Esta... situação não pode afetar nosso trabalho."
Ficamos em silêncio por alguns minutos, bebendo nossos cafés. A tensão no ar era quase palpável.
"Quanto tempo?", perguntei finalmente.
"Como assim?"
"Quanto tempo vamos manter isso? O casamento, eu digo."
Sebastian colocou a xícara na mesa de centro, pensativo. "Tempo suficiente para que não pareça suspeito quando nos separarmos. Um ano, talvez dois."
Um ano. Ou dois. Vivendo essa farsa, fingindo ser algo que não éramos.
"Certo", murmurei.
***
A manhã seguinte foi... estranha.
Acordei cedo, como sempre, mas o apartamento era silencioso de uma forma diferente da casa dos meus pais. Aqui, o silêncio era caro, isolado do mundo por vidros duplos e paredes grossas.
Quando cheguei à cozinha, Sebastian já estava lá, impecável em seu terno azul marinho, lendo algo no tablet enquanto bebia café.
"Bom dia", disse ele sem levantar os olhos.
"Bom dia."
Preparei minha própria xícara de café, consciente de cada movimento. Tudo parecia amplificado - o barulho da colher mexendo o açúcar, o som da geladeira quando peguei o leite, minha própria respiração.
"Vamos sair em quinze minutos", Sebastian anunciou, ainda focado na tela.
"Claro."
Tomamos o café em silêncio. Eu tentava ler as expressões do seu rosto, mas ele mantinha aquela máscara profissional que eu conhecia tão bem. Era como se os últimos dias não tivessem acontecido, como se nada tivesse mudado.
Mas tudo havia mudado.
***
A viagem de carro até o escritório foi igualmente silenciosa. Sebastian dirigia com a mesma precisão com que fazia tudo - focado, controlado. Eu ficava olhando pela janela, tentando processar o fato de que agora íamos e voltávamos do trabalho juntos. Como um casal de verdade.
Quando chegamos ao prédio da Blackwood Industries, senti meu estômago se revirar. Como as pessoas iam reagir? O que elas iam pensar?
"Lembra-se do que conversamos", Sebastian disse baixinho quando entramos no elevador. "Profissionalismo."
Assenti, mas já podia sentir os olhares curiosos dos outros funcionários que dividiram o elevador conosco. Sussurros discretos, olhadas de esguelha. Meu coração começou a acelerar.
Quando chegamos ao nosso andar - o último, onde ficavam os escritórios executivos - as coisas pioraram.
Sarah, a recepcionista, me cumprimentou com um sorriso que não chegou aos olhos: "Bom dia, Sr. Miller. Ou devo dizer... Sr. Blackwood agora?"
Senti meu rosto esquentar. "Miller está ótimo."
Sebastian passou direto por nós rumo ao seu escritório, como fazia todas as manhãs. Nenhum reconhecimento especial, nenhum olhar carinhoso. Profissionalismo total.
Sentei-me na minha mesa, tentando focar nas tarefas do dia. Mas era impossível ignorar os sussurros que vinham de outras mesas.
"...casou com o chefe..."
"...sempre soube que ele era interesseiro..."
"...obviamente está atrás do dinheiro..."
"...que coincidência, né? O secretário se casando com o CEO..."
Cada palavra era como um soco no estômago. Minha respiração começou a ficar mais curta, o peito apertado. As mãos tremiam levemente enquanto eu tentava digitar um e-mail.
Interesseiro. Oportunista. Gold digger.
Era isso que eles pensavam de mim.
O telefone tocou, me fazendo pular.
"Escritório do Sr. Blackwood", atendi, tentando manter a voz firme.
"Miller", era a voz de Sebastian pelo interfone, "preciso que você venha aqui."
Levantei-me com pernas bambas e caminhei até o escritório dele. Quando fechei a porta atrás de mim, Sebastian estava de pé perto da janela, de costas para mim.
"Sente-se", disse ele sem se virar.
Obedeci, sentando-me numa das cadeiras em frente à mesa.
Ele se virou e me estudou com aqueles olhos penetrantes. "Você está bem?"
"Estou."
"Oliver."
Havia algo no tom da minha voz que me fez olhar para ele diretamente. "Estou bem, Sebastian. Por quê?"
"Porque você parece estar prestes a ter um ataque de pânico."
A observação me pegou desprevenido. Será que era tão óbvio assim?
"Eu... estou só um pouco cansado."
"Está sendo difícil? Os comentários?"
Então ele havia ouvido também. Claro que havia ouvido.
"Não é nada que eu não possa lidar", menti.
Sebastian suspirou e se aproximou, se apoiando na beirada da mesa. "Oliver, você precisa entender uma coisa. As pessoas sempre vão falar. Sempre vão especular. Faz parte de estar em uma posição como a minha... nossa."
"Eu sei."
"Não", ele balançou a cabeça. "Não acho que você sabe. E tudo bem - você não deveria ter que saber. Mas agora precisa aprender."
Senti minha garganta apertar. "Estou tentando."
"Sei que está. Mas você precisa separar as coisas. Aqui dentro deste escritório, quando estivermos trabalhando, você é meu secretário. Ponto final. As pessoas podem pensar o que quiserem sobre nossa vida pessoal, mas isso não pode afetar seu trabalho."
Ele estava certo, é claro. Sempre estava.
"Você consegue fazer isso?", perguntou ele, sua voz mais gentil agora.
"Consigo", respondi, tentando soar mais confiante do que me sentia.
"Bem." Sebastian voltou para trás da mesa. "Preciso que você remarque minha reunião das três para as quatro. E que peça para o pessoal do financeiro enviar os relatórios trimestrais até o fim do dia."
"Claro."
Levantei-me para sair, mas sua voz me parou na porta.
"Oliver?"
"Sim?"
"Isso vai ficar mais fácil. Com o tempo."
Não tive certeza se ele estava falando sobre o trabalho ou sobre nossa situação como um todo. Mas assenti mesmo assim.
***
O resto do dia passou numa névoa de telefonemas, e-mails e tentativas de ignorar os olhares curiosos. Mantive-me ocupado, focado, profissional. Levei café para Sebastian na hora certa, organizei seus compromissos, atendi suas ligações.
Por fora, estava funcionando perfeitamente. Por dentro, sentia como se estivesse se despedaçando lentamente.
Quando Sebastian saiu para sua última reunião do dia, finalmente permiti que minha fachada caísse um pouco. Apoiei o rosto nas mãos e tentei respirar fundo.
"Com licença?"
Levantei a cabeça. Emma, uma das secretárias do departamento de marketing, estava de pé ao lado da minha mesa com um sorriso falso.
"Oi, Emma."
"Então... é verdade? Você e o Sr. Blackwood?"
Meu estômago se revirou. "É verdade o quê?"
"Vocês se casaram mesmo? Ou é só mais um rumor?"
Senti o ar ficando mais pesado ao meu redor. "Emma, eu..."
"Porque, sabe", ela continuou, se inclinando mais perto, "algumas pessoas estão dizendo que é meio suspeito. Um secretário se casando com o CEO assim... do nada."
"Não foi do nada", consegui dizer, minha voz saindo mais fraca do que eu gostaria.
"Claro que não", ela sorriu, mas havia malícia em seus olhos. "Tenho certeza de que vocês se amam muito."
A ironia em sua voz era inegável. Senti meu peito apertar, a respiração ficando irregular. As palavras começaram a se embaralhar na minha mente.
"Eu... preciso..."
"Emma."
A voz fria de Sebastian cortou o ar como uma lâmina. Ela se endireitou imediatamente, o sorriso falso desaparecendo do rosto.
"Sr. Blackwood. Eu estava apenas..."
"Conversando com meu secretário quando ele claramente tem trabalho a fazer", ele terminou por ela. "Sugiro que você volte para sua própria mesa."
Emma saiu rapidamente, murmurando desculpas. Sebastian me olhou por um longo momento.
"Meu escritório. Agora."
Levantei-me com pernas trêmulas e o segui. Quando ele fechou a porta, senti como se o ar tivesse sido sugado da sala.
"Sente-se", disse ele gentilmente.
Desabei na cadeira, tentando controlar a respiração que estava ficando cada vez mais rápida e superficial.
"Oliver, olhe para mim."
Levantei os olhos com dificuldade.
"Respire comigo. Devagar. Inspire... expire..."
Seguindo suas instruções, lentamente consegui regularizar a respiração. A sensação de sufocamento diminuiu, mas o tremor nas mãos permaneceu.
"Melhor?"
Assenti, incapaz de confiar na minha voz.
Sebastian se ajoelhou ao lado da cadeira, ficando na minha altura. "Isso vai parar. Os comentários, as provocações. As pessoas vão se acostumar e encontrar outra coisa para fofocar."
"E se não pararem?", sussurrei.
"Então eu me certificarei de que parem", ele disse, e havia uma dureza em sua voz que me fez acreditar que ele realmente faria isso.
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Lentamente, senti meu corpo relaxar.
"Vamos para casa", Sebastian disse finalmente, se levantando. "Você já fez o suficiente por hoje."
Casa. A palavra soou estranha vinda dele, mas também... reconfortante.
Enquanto ele desligava o computador e organizava alguns papéis, tentei me recompor. Profissionalismo. Era isso que ele queria, era isso que eu tinha que dar.
Mas enquanto saíamos do escritório juntos, uma coisa ficou clara: fingir ser casado com Sebastian Blackwood estava cobrando um preço muito mais alto do que eu havia imaginado.
E nós ainda estávamos apenas no começo.
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**Continua no Capítulo 3...**
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Atualizado até capítulo 32
Comments
Fathi Raihan
Que história mais emocionante
2025-08-25
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