Cheguei em Chicago por volta das nove da noite. O ar frio da cidade me envolveu como um abraço inesperado, quase sufocante, mas ao mesmo tempo revigorante. O céu já estava escuro, iluminado apenas pelas luzes vibrantes dos prédios e letreiros que anunciavam o ritmo acelerado daquela metrópole. Eu carregava comigo apenas uma mala de roupas e alguns poucos pertences, mas, dentro dela, parecia estar toda a minha vida — ou, talvez, apenas o recomeço dela.
Enquanto caminhava pelas ruas em direção ao táxi que me levaria ao apartamento, observei o movimento ao meu redor. Pessoas iam e vinham com pressa, cada uma carregando suas próprias histórias, preocupações e sonhos. Eu era apenas mais uma desconhecida naquela multidão, mas isso, ao invés de me assustar, trouxe um certo conforto. Pela primeira vez em muito tempo, senti que tinha a chance de começar do zero, sem os olhares julgadores ou as lembranças pesadas do meu passado.
O endereço que digitava no celular pertencia ao apartamento da senhora Teresa e do seu Joaquim. Eles haviam me oferecido aquele lugar com uma generosidade que eu jamais conseguiria agradecer o suficiente. Já não o ocupavam há algum tempo, e acharam que seria o espaço perfeito para mim nessa nova fase. Mais do que um teto, aquele apartamento representava uma oportunidade de reconstruir minha vida.
Além disso, o cuidado deles sempre ultrapassou gestos simples. Desde cedo, se preocuparam em guardar parte do meu salário numa conta poupança em meu nome, algo que meu pai jamais faria por mim. Eles sabiam da maneira como ele era — ausente, irresponsável, sempre mais interessado em bares e cassinos do que em mim. Graças a esse cuidado silencioso, eu agora tinha uma reserva financeira suficiente para me manter em Chicago por um bom tempo sem precisar me preocupar imediatamente com trabalho. Ainda assim, eu sabia que não queria viver apenas desse dinheiro. Eu queria conquistar minha independência de verdade, sentir que era capaz de sustentar meus próprios passos, mesmo em uma cidade que ainda me parecia gigantesca e desconhecida.
Quando finalmente cheguei ao prédio, respirei fundo antes de entrar. O hall de entrada tinha um perfume leve de lavanda, misturado ao cheiro de madeira polida. O porteiro me cumprimentou com um sorriso cordial, e eu senti uma pontada de alívio ao perceber que, mesmo em um lugar tão distante de tudo o que eu conhecia, ainda havia gestos de gentileza.
Subi até o andar indicado e, quando abri a porta do apartamento, fui recebida por um espaço acolhedor, muito mais do que eu esperava. O ambiente já estava completamente mobiliado: uma sala com sofá macio e uma mesa de centro, uma cozinha pequena, mas prática, um quarto aconchegante com cama de casal e lençóis claros, além de cortinas que deixavam a luz da rua entrar de forma suave. Parecia um lar pronto, apenas esperando por alguém que lhe desse vida novamente.
A primeira coisa que fiz foi largar a mala no canto da sala e caminhar devagar por cada cômodo. Toquei as paredes, abri os armários, olhei pela janela que revelava uma vista da rua iluminada. Cada detalhe parecia me dizer: “Este é o seu lugar agora.” E, pela primeira vez em muitos anos, eu senti um certo pertencimento.
Mesmo cansada da viagem, decidi que precisava ir ao mercado naquela mesma noite. Queria encher a geladeira, preparar um café da manhã decente no dia seguinte e, de alguma forma, tornar aquele espaço mais meu. Caminhei até um mercado próximo e comprei apenas o essencial: pão, leite, café, frutas, alguns enlatados e macarrão. Nada sofisticado, apenas o suficiente para começar. O simples ato de carregar as sacolas de volta já me fez sentir mais adulta, mais responsável pela vida que estava tentando construir.
De volta ao apartamento, organizei as compras na pequena cozinha. Enquanto colocava cada item no lugar, uma mistura de sentimentos tomou conta de mim. De um lado, havia alívio: eu estava longe de tudo o que me machucava, longe das lembranças amargas de uma casa que nunca foi lar. Do outro, havia uma ansiedade inevitável: como seria minha vida daqui em diante? Conseguiria me adaptar a Chicago, a uma rotina nova, a pessoas que ainda não conhecia?
Sentei-me no sofá e deixei o silêncio do apartamento me envolver. Lá fora, o som distante do trânsito me lembrava de que a cidade não dormia, mas ali dentro havia apenas o barulho do meu coração acelerado. Peguei o celular e comecei a anotar mentalmente uma lista de coisas que precisava resolver: procurar um emprego, organizar meus horários, talvez me matricular em algum curso extra. Eu sabia que não podia desperdiçar aquela oportunidade.
Antes de dormir, abri a janela do quarto e deixei o vento frio entrar. Olhei para as luzes da cidade e senti uma ponta de esperança. Pela primeira vez em muito tempo, eu estava livre. Livre do peso de meu pai, livre das amarras que me prendiam a um passado cheio de dor. Agora, só dependia de mim escrever uma nova história.
Deitei-me na cama com os lençóis limpos e macios e, enquanto fechava os olhos, prometi a mim mesma que faria de tudo para honrar o presente que a senhora Teresa e o seu Joaquim haviam me dado. Não apenas o apartamento ou o dinheiro guardado, mas a confiança de que eu poderia recomeçar.
Naquela noite, adormeci acreditando que, mesmo em meio a tantas incertezas, havia um caminho brilhando para mim em Chicago. Um caminho que eu estava pronta para seguir, passo a passo.
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Atualizado até capítulo 36
Comments
khun :3
Não consigo mais parar de pensar nessa história...
2025-08-23
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