O sol daquela manhã parecia mais brilhante do que de costume. Talvez fosse só a minha imaginação, ou talvez o mundo realmente tivesse decidido iluminar um pouco mais aquele dia, para que ficasse gravado em minha memória. O cheiro de pão fresco, vindo da padaria ao lado, misturava-se ao aroma do café que eu havia tomado antes de sair de casa. O coração batia acelerado. Eu sabia que aquele momento chegaria, mas nunca imaginei que doeria tanto. Era dia de me despedir do mercado, e principalmente, de seus donos, pessoas que me acolheram como se eu fosse da família.
Desde os quinze anos, aquele lugar tinha sido meu refúgio. Entre as prateleiras abarrotadas de arroz, feijão e massas, eu aprendi a trabalhar, a ser responsável, a lidar com gente de todo tipo. Mas mais do que isso, foi ali que aprendi a acreditar que ainda existiam pessoas boas no mundo. Dona Teresa e seu marido, o senhor Joaquim, eram como segundos avós para mim. Eles sempre me trataram com carinho, compreensão e respeito. Quando meu pai chegava bêbado em casa, descontando em mim suas frustrações, eu encontrava no mercado um abrigo silencioso. Um sorriso da Dona Teresa ou uma conversa calma com o senhor Joaquim eram capazes de me devolver a esperança.
Naquela manhã, eu vesti minha blusa azul favorita, ajeitei os cabelos com cuidado e respirei fundo antes de atravessar a rua que me levava até o mercado. A fachada simples, com a pintura descascando nas bordas, parecia ainda mais bonita do que de costume. Era como se cada detalhe gritasse lembranças. O sino preso à porta tilintou quando entrei, e o som trouxe de volta uma enxurrada de memórias: o meu primeiro dia ali, nervosa e sem saber nem como usar a máquina registradora; as vezes em que derrubei caixas inteiras de mercadorias e achei que seria demitida, mas recebi apenas risadas; as conversas durante o café da tarde nos fundos, onde falávamos de sonhos e de medos. Tudo estava guardado naquele espaço.
— Bom dia, minha filha! — exclamou Dona Teresa, saindo de trás do balcão com o avental já manchado de farinha. — Pensei que você fosse se atrasar hoje, de propósito, só pra adiar esse momento.
Sorri, embora meus olhos já ardessem. — Se dependesse de mim, eu nunca sairia daqui.
Ela abriu os braços e me envolveu num abraço apertado, quente, que cheirava a bolo de fubá. Fiquei ali por alguns segundos, sentindo o coração se apertar ainda mais. Quando nos soltamos, vi o senhor Joaquim aproximar-se devagar, apoiado em sua bengala. Seus cabelos brancos brilhavam sob a luz do mercado, e seu olhar sereno sempre me transmitiu confiança.
— Você cresceu aqui dentro, menina — disse ele, com a voz rouca mas firme. — Agora chegou a hora de voar. Mas não se esqueça: o ninho sempre estará aberto.
Mordi os lábios para segurar as lágrimas. A frase dele foi como uma faca e um afago ao mesmo tempo. Eu queria seguir em frente, ir para a faculdade, construir uma vida diferente. Mas também queria permanecer ali, naquele cantinho de mundo que tinha sido meu lar.
Passamos a manhã entre clientes que entravam e saíam, muitos cumprimentando-me com afeto, já que todos do bairro sabiam que eu estava partindo. Cada “boa sorte” que recebia parecia reforçar o peso da despedida. Organizei as prateleiras, passei os produtos no caixa, ajudei uma senhora a carregar suas sacolas. Fiz tudo como sempre, mas com a consciência de que era a última vez.
No intervalo, sentamos nos fundos, como sempre fazíamos. Dona Teresa trouxe bolo e café, e o senhor Joaquim começou a contar histórias de quando abriram o mercado, há tantos anos. Eu já conhecia todas, mas ouvi de novo, sorrindo e tentando memorizar cada detalhe: o jeito como ele batia na mesa ao rir, o modo como ela gesticulava com as mãos enquanto falava. Tudo aquilo era parte da minha história também.
— Você vai ser uma grande advogada, Milena — disse Dona Teresa, segurando minhas mãos. — Nós acreditamos em você desde o primeiro dia. Lembra quando entrou aqui, tímida, com medo de não dar conta? Pois veja só até onde chegou.
— Se não fosse por vocês, eu não teria conseguido — respondi, a voz embargada. — Vocês foram os únicos que acreditaram em mim, quando nem eu mesma acreditava.
O silêncio que se seguiu foi quebrado apenas pelo barulho do relógio de parede. Engoli em seco e continuei: — Prometo voltar sempre que puder. Não vou esquecer nada do que aprendi aqui.
Eles sorriram, e percebi que também estavam emocionados. Não era só eu que me despedia; eles também estavam despedindo-se de uma parte de suas próprias vidas.
Quando o expediente terminou, o sol já se punha. As ruas estavam tingidas de laranja e dourado, como se o próprio céu quisesse pintar um quadro especial para aquele momento. Caminhei devagar pelo mercado, passando a mão pelas prateleiras, pelo balcão, pelo caixa. Cada canto guardava uma lembrança.
Na porta, os dois me esperavam. Respirei fundo, tentando encontrar forças para dizer a última palavra.
— Obrigada por tudo. De verdade. Eu nunca vou esquecer vocês.
— Vá, minha filha — disse o senhor Joaquim. — O mundo é grande demais pra você se limitar a estas quatro paredes. Mas leve este lugar no coração, porque ele sempre será seu.
Abraçamo-nos os três, e dessa vez não consegui segurar as lágrimas. Chorei como não chorava há muito tempo, deixando que a dor da despedida se misturasse à gratidão. Foi um choro de saudade antecipada, mas também de esperança.
Saí do mercado com o coração pesado, mas com a certeza de que aquele não era um fim, e sim um recomeço. Atrás de mim, ouvi o sino da porta tilintar mais uma vez, marcando o encerramento de um capítulo importante da minha vida.
E assim, entre lágrimas e sorrisos, despedi-me dos donos do mercado, levando comigo não apenas lembranças, mas também a certeza de que o amor e a bondade existem nos lugares mais simples.
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Atualizado até capítulo 36
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