O Professor
Capítulo – Milena
O cheiro de café recém-passado sempre me lembrava da minha avó. Era como se cada aroma que subia da xícara trouxesse de volta sua presença, sua voz calma e seu jeito de me acolher. Foi ela quem me criou desde que nasci. Minha mãe partiu no meu primeiro dia de vida, e meu pai, Rafael, nunca me olhou como filha. Para ele, eu era apenas a lembrança viva de que o amor da sua vida tinha se perdido para sempre.
Durante a infância, vivi cercada pelo cuidado da minha avó e pela frieza dele. Minha avó era meu porto seguro, minha fortaleza. Ela me acordava cedo para a escola, preparava meu uniforme já passado, e me esperava na porta com um beijo na testa. Nos dias de frio, colocava uma manta sobre mim enquanto eu dormia, e quando o medo me visitava durante a noite, sua voz baixa e suas histórias antigas eram o remédio. “Você nasceu para ser forte, Milena”, ela dizia. E, embora eu não entendesse bem o que significava, aquelas palavras foram sementes plantadas em mim.
Mas aos quinze anos, tudo mudou. Meu avô adoeceu, e o câncer o levou em poucos meses. A casa nunca mais foi a mesma. O riso dele, que ecoava no quintal enquanto cuidava das plantas, desapareceu. E meu pai… ele desmoronou de vez. O homem que já era ausente se entregou a bares e cassinos como quem escolhe um abismo. As noites dele passaram a ser longas, cheias de copos e apostas, e os dias, feitos de ausência e silêncio.
Foi nesse período que descobri a maior das dores: o dinheiro que minha avó havia guardado para o meu futuro – para que eu pudesse estudar, sonhar, ter uma vida melhor – tinha sido gasto. Cada nota, cada centavo transformado em bebida, em fichas de jogo, em promessas que nunca voltaram. Quando abri a gaveta do armário dela e encontrei apenas papéis rasgados onde antes havia envelopes, chorei como nunca antes. Era como se minha avó tivesse morrido de novo, só que dessa vez em mim.
Sem escolha, comecei a trabalhar no mercado da vila. Era pequeno, mas tinha algo que minha casa não tinha: afeto. O senhor Fernando e a senhora Amanda, os donos, me receberam como filha. No começo, me davam tarefas simples — organizar prateleiras, repor frutas, limpar o balcão. Mas com o tempo, passei a ajudar no caixa, conversar com os clientes, e, sem perceber, criei ali uma segunda família. Eles sabiam exatamente o que eu enfrentava dentro de casa e, em silêncio, guardavam parte do meu salário em uma conta. Nunca me disseram nada, mas eu descobri anos depois. Eles acreditaram em mim quando eu mesma já duvidava.
Os anos passaram. Eu suportei insultos, noites de choro e o peso de carregar nas costas uma casa que nunca foi minha responsabilidade. Lavei roupas, cozinhei, limpei a bagunça de um pai que não se importava em ser chamado de pai. Aguentei quando ele voltava bêbado, me xingando por coisas que eu nem tinha feito. Aguentei porque não tinha escolha. Mas dentro de mim, algo resistia. Eu não desisti. Cada centavo guardado, cada manhã acordando antes do sol, cada lágrima engolida… tudo isso foi se transformando em um degrau, e um dia percebi que estava subindo, mesmo que devagar.
E agora… aqui estou.
Hoje, enquanto arrumo minha mala, ainda parece irreal dizer:
— Eu consegui. Vou estudar Direito… em Chicago.
A frase escapa da minha boca como um segredo finalmente revelado. A mala aberta aos meus pés não guarda apenas roupas e livros, mas também todas as cicatrizes que me trouxeram até esse momento. Entre as camadas de tecido, sinto que carrego também cada madrugada em que chorei baixinho, cada sorriso que precisei inventar para parecer forte, cada conselho da minha avó que ainda ecoa na memória.
Olho no espelho e não vejo aquela menina assustada, mas sim uma mulher com sonhos coragem, que se esforçar o máximo para ser a pessoa em que sua avó acreditava que ela se tornaria um dia
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Atualizado até capítulo 36
Comments
Marina lopes
vai vencer ,agora o pai vai ter que trabalhar
2025-08-27
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Francisco Andre de Araujo
o mds
2025-08-30
0