Capítulo - 3

Fiquei em silêncio diante do espelho, observando o reflexo que se multiplicava na superfície rachada. Atrás de mim, o homem preso arfava como um animal encurralado. O som era quase irritante, um zumbido constante que me lembrava que ainda não tinha acabado.

Suspirei fundo, encostando as mãos à madeira gasta da mesa. Passei os dedos pelo pó e depois virei-me lentamente. Os olhos dele estavam fixos em mim, vermelhos, lacrimejantes, suplicantes.

— Sabes o que mais me fascina em ti? — perguntei, andando à volta dele em círculos lentos. — É essa tua insistência em repetir que és inocente. Como se a palavra, dita vezes suficientes, pudesse apagar o que realmente fizeste.

Ele balançou a cabeça, a voz embargada.

— Eu juro… eu nunca toquei em nenhuma criança…

Sorri, quase divertido.

— Ah, mas é aqui que entra a beleza da dúvida. Vês, tu podes gritar a tua inocência até sangrares a garganta. Mas lá fora… quem acreditaria em ti? Quem se daria ao trabalho de confirmar?

Aproximei-me do ouvido dele e baixei o tom para um sussurro carregado de veneno:

— E se eu já tiver contado ao mundo? E se a tua família, os teus vizinhos, já acreditarem que és um monstro?

Ele estremeceu como se lhe tivesse atravessado a espinha com uma lâmina invisível. Puxou as correntes de novo, mas a força já não era de raiva — era de desespero.

— Mentes… — sussurrou. — Tu só mentes…

Inclinei a cabeça, fingindo reflexão.

— Talvez. Ou talvez eu apenas revele verdades que preferias manter enterradas.

Ajoelhei-me diante dele, forçando-o a encarar-me.

— Vamos fazer um jogo. Eu digo algo… e tu dizes se é verdade ou não. Está preparado?

Ele abanou a cabeça com violência, lágrimas escorrendo-lhe pelo rosto.

— Não… não…

— Claro que estás — interrompi, com frieza. — Vamos lá. Primeira pergunta: lembras-te da tua vizinha? Aquela rapariga de tranças? O sorriso dela quando te via no portão?

Ele arregalou os olhos, o corpo a tremer de repente. A reação era tudo o que eu precisava. Não importava a resposta. A verdade já estava exposta.

— Ah… vejo que lembras. — bati palmas suavemente, como quem aplaude um espetáculo. — É incrível como a culpa se revela no reflexo dos olhos antes mesmo das palavras.

Ele gritou, a voz dilacerada:

— NÃO! Eu nunca lhe toquei! Nunca!

Inclinei-me mais perto, até as nossas testas quase se tocarem.

— Vês como é fácil fazer-te confessar sem confessar? A tua negação soa mais alta que qualquer prova. E eu nem precisei de inventar nada.

O homem chorava agora, soluçando, esmagado entre a raiva e o medo. A cada lágrima, a cada palavra sufocada, o Joker dentro de mim ria, e ria alto.

Levantei-me devagar, olhando de novo para o espelho. Lá estava o reflexo: eu, o vilão, e ele, a vítima que talvez nunca tivesse sido inocente.

— É assim que funciona, meu caro — declarei, a voz firme, quase solene. — Não importa o que és. Importa apenas o que os outros acreditam que és.

Voltei-me uma última vez, aproximando-me dele com passos lentos. A minha sombra cobriu-lhe o rosto.

— E pelo que consta… lá fora, já és tão vilão quanto eu.

— Vamos ver… — murmurei, aproximando-me devagar. — Até onde chega a tua resistência?

Ele tremeu, e eu pude ouvir o coração dele batendo descompassado. Agarrei o seu queixo, forçando-o a olhar para mim. O olhar dele implorava por clemência, mas eu não ofereceria nenhuma.

Peguei nas correntes e estiquei-as com um estalo metálico. Ele recuou, mas não havia para onde ir. Cada pequeno puxão, cada movimento limitado, fazia o medo crescer, como se o ar à volta dele se tornasse mais denso.

— Já percebeste — disse, a voz baixa e firme — que a tua inocência não te protege aqui? Cada gesto, cada suspiro teu… tudo revela mais do que querias mostrar.

Ele engoliu em seco, e a tensão no corpo dele era quase tangível. Eu dei um passo atrás, deixando que a sua mente imaginasse o que poderia vir a seguir. Um minuto de silêncio, só para que o medo se acumulasse, depois incline-me novamente, tão perto que podia sentir o cheiro dele.

— Não porque estás a pedir — disse finalmente, com um sorriso cruel. — Mas porque já me fartei de ti.

Ele tentou reagir, mas engoliu as palavras. Eu deixei um silêncio pairar, pesado e sufocante, apenas o tilintar das correntes a marcar cada segundo.

— Não metes piada… — continuei, os meus dedos a brincar com uma das correntes. — Só nojo. Só isso.

O homem estremeceu. Cada palavra era uma lâmina que cortava sem deixar marca física, mas rasgava a mente dele. Ele estava exausto, derrotado, e a sugestão do que poderia acontecer a seguir fazia com que cada músculo se contraísse de terror.

Eu dei um passo para o lado, mantendo o rosto visível, os olhos a fitar cada reação. A tensão atingia o limite. Cada respiração dele parecia um grito contido. Ele sabia que qualquer movimento em falso poderia ser castigado, mesmo sem que eu precisasse de tocar nele.

A sala mergulhou num silêncio absoluto, exceto pelo eco metálico das correntes a arrastarem-se levemente. O homem já não chorava; apenas respirava de forma irregular, os olhos fixos em mim, procurando qualquer faísca de misericórdia.

— Agora… – Vamos Brincar?

Um arrepio percorreu-lhe a espinha. A ideia do que poderia vir a seguir era suficiente para quebrar qualquer tentativa de resistência. O medo tornou-se palpável, quase sólido, e eu sorri ao ver a mente dele ceder sob o peso do terror, sem que tivesse sido preciso recorrer a nada além do ambiente, das palavras e da sugestão.

— Sentes o que é estar à mercê de algo que não podes controlar? — murmurei, encostando-lhe a mão de leve no ombro, apenas para lembrar-lhe do limite que não podia ultrapassar. — É curioso… o medo torna tudo mais… real...

— É curioso… — sussurrei. — A dor física é só a porta de entrada. O verdadeiro castigo… é perceberes que já não és dono de ti.

Ele fechou os olhos, como se assim pudesse escapar, mas não havia fuga. As correntes prenderam-lhe mais que o corpo — prenderam-lhe a alma.

Deixei o silêncio prolongar-se, até o medo e a dor se misturarem.

O primeiro impacto fez ecoar um som seco na sala. O corpo dele estremeceu, preso às correntes, incapaz de se defender. A pele já mostrava marcas da pressão metálica, avermelhada onde o ferro lhe mordia a carne.

Ele gritou, um grito rouco, mais de frustração do que de dor — mas isso só me deu vontade de continuar. Aproximei-me com calma, segurei-lhe o rosto entre os dedos e pressionei com força, obrigando-o a encarar-me.

— Vês? — murmurei, esmagando-lhe a mandíbula até os dentes rangerem. — O corpo trai sempre a boca.

Soltei-o de repente, e a cabeça dele caiu para o lado, pesada. O som das correntes a arrastar pelo chão misturava-se com a respiração irregular, arfante. A cada puxão meu, os elos cerravam-se ainda mais contra a pele, arrancando-lhe gemidos que tentava engolir em silêncio.

Peguei num dos elos soltos da corrente e torci-o devagar contra o braço dele. O metal frio deixou a pele marcada em segundos. Ele contorceu-se, tentando fugir, mas a dor fê-lo bater as costas contra a parede, arrancando-lhe outro gemido involuntário.

— Grita mais alto… — ironizei, inclinando-me junto ao ouvido dele. — Aqui ninguém vai ouvir.

Ele soltou um rugido raivoso, mas a raiva já soava misturada com o medo. Cada movimento custava-lhe caro, cada músculo parecia implorar por trégua.

Deixei-o ali, pendurado nas próprias forças, e caminhei em círculos, saboreando o espetáculo. O corpo dele tremia, os olhos ainda cheios de ódio.

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