Sou o Vilão
O vidro frio do espelho devolve-me uma imagem que já não reconheço. Ou talvez reconheça demasiado bem. É curioso… a maioria de vocês olha para o reflexo e encontra apenas falhas, rugas, imperfeições. Eu encontro algo pior. Eu encontro a verdade.
Provavelmente vais odiar-me.
Aliás… não, vamos ser francos. Vais odiar-me. É inevitável. Todos me odeiam.
Mesmo aqueles que não sabem o meu nome, que nunca me viram, que apenas ouviram ecos, histórias torcidas, versões manipuladas… até esses já me odeiam. Faz parte da minha natureza. Eu sou o vilão.
Todos nós temos um Joker dentro de nós, não é? A diferença é que vocês fingem que não o ouvem. Silenciam-no, abafam o riso louco dentro da mente. Eu não. Eu deixei que o meu riso ecoasse. Eu deixei que ele falasse por mim. E, no fundo, acho que é isso que me torna livre. Livre… e condenado.
Vilão.
Gosto de como a palavra soa. Traz um certo peso, uma certa melodia amarga que me assenta bem. Mas não te enganes: esse não é o meu nome. Nunca foi. Tenho muitos nomes, mas nenhum deles me pertence. Sou o vulto que recebe rótulos, apelidos, insultos. O verdadeiro eu… esse permanece enterrado. E talvez seja melhor assim.
Olho-me no espelho e vejo dois. Eu e ele. O reflexo e o que habita por trás dos olhos. Chamem-lhe sombra, chamem-lhe loucura, chamem-lhe “Joker” — como tantos gostam de o apelidar. Não me importa. A verdade é simples: todos vocês têm um dentro de si. Todos.
A diferença é que vocês o abafam. Colocam-lhe uma mordaça. Fingem que o riso distorcido que ecoa no fundo da vossa mente não existe. Vivem a enganar-se.
Eu não.
Eu deixei o meu falar. Dei-lhe espaço, dei-lhe vida. E agora já não sei se fui eu que o libertei, ou se ele sempre esteve no comando, à espera que eu me cansasse de resistir.
Queres mesmo saber quem eu sou? Eu digo-te. Mas prepara-te: não há redenção nesta história. Não encontrarás um herói escondido por trás do monstro. Não encontrarás uma vítima que só precisava de um abraço. Não. Vais encontrar apenas o que sempre tentaste evitar — a verdade crua de que o bem é uma máscara tão podre quanto a minha.
As pessoas amam acreditar em heróis. São obcecadas com essa ideia. É reconfortante imaginar que existe alguém pronto a salvar o dia, a curar feridas, a erguer bandeiras e promessas. Mas é mentira. Os heróis são apenas vilões com um palco melhor iluminado. O que nos separa não é a moral, é a narrativa.
E eu… eu fui condenado ao papel que ninguém quer assumir. Aquele que todos detestam, mas secretamente necessitam.
Porque o mundo precisa de vilões.
Alguém tem de carregar o peso da verdade, a sujeira, o sangue. Alguém tem de ser a cicatriz que lembra os outros de que não existe pureza.
Esse alguém… sou eu.
Mas não penses que isto é um lamento. Não. Nunca confundas sinceridade com arrependimento.
Eu não peço desculpa por ser quem sou.
Eu não imploro por perdão.
Eu não clamo redenção.
Eu apenas existo — e a minha existência é a lembrança de que o mundo não é feito de luz.
Talvez perguntes: “E o que te tornou assim?”
E eu rio-me. Ah, como eu rio.
Sempre procuram a origem. Como se fosse uma equação simples: dor + perda \= vilão. Acham que há um momento-chave, um trauma único, um empurrão inevitável. Mas não é tão fácil.
Eu não nasci mau. Eu não escolhi ser o vilão.
Eu apenas escolhi não mentir a mim mesmo.
Os outros vivem na ilusão de que são bons. Que cumprem leis, que rezam, que amam de forma pura. Mas basta arranharem a superfície e revelam-se piores do que eu. A diferença é que eu nunca precisei de fingir.
Eu mostro o que sou.
E por isso… odeiam-me.
O espelho devolve-me agora um sorriso. Não sei se é o meu ou o dele. Mas gosto dele. É um sorriso que não pede permissão. Que não precisa de justificações.
É o sorriso de alguém que já não teme cair, porque já vive no fundo.
Chama-me vilão. Chama-me monstro. Chama-me louco.
Eu aceitarei todos os nomes.
Porque, no fim, todos eles são verdadeiros. E nenhum é meu.
Mas nunca te esqueças disto:
O herói que veneras hoje… amanhã será o meu reflexo.
E quando esse dia chegar, talvez compreendas.
Ou talvez continues a odiar-me, como todos os outros.
Odeia-me, se precisares.
No fundo, é disso que me alimento.
E sabes o que é mais engraçado? É que, no fundo, todos vocês invejam essa liberdade. Sim, tu também. Negas, disfarças, apontas o dedo, mas quando a noite cai e os pensamentos se tornam demasiado ruidosos, o Joker dentro de ti sussurra. Ele diz-te aquilo que nunca ousarias confessar em voz alta. Eu apenas fui o único louco — ou talvez o único honesto — a escutar.
Enquanto vocês se escondem atrás das vossas máscaras de bondade, eu arranquei a minha sem medo de mostrar a carne crua. Não porque seja mais forte, mas porque já não tinha nada a perder. E quando já não tens nada, descobres o que realmente és.
Olho para este reflexo e vejo-me despido de ilusões. Vejo o vilão que todos vocês sempre quiseram apontar, para que não precisassem olhar para os próprios pecados. É confortável, não é? Ter alguém para odiar, alguém para culpar, alguém para atirar à fogueira e assim manter o vosso teatro moral intacto.
Pois bem… aqui estou eu. O teu inimigo. O teu pesadelo. O monstro que nunca dorme.
Mas lembra-te: o que me torna vilão não é o que fiz… é o que ouso mostrar.
Um estalo metálico ecoa pelo quarto. Frio, seco. O som quebra o silêncio como uma lâmina atravessando carne. Eu sorrio para o espelho, como se tivesse ensaiado este momento mil vezes. E então, devagar, viro-me.
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Atualizado até capítulo 21
Comments
Max 💗💜💙
é já começou com uma reflexão bem interessante
2025-08-22
2
Deyvid Oliveira Avila
Será que ele é mal mesmo? ou só é muito sincero, e isso pode soar como arrogância, e os outros vêem ele como um vilão, e por fim ele também se vê assim.
2025-08-22
2
Kelly Bianca
fiquei curiosa sobre o verdadeiro nome dele
2025-08-21
2