O corpo dele já não era mais que um farrapo pendurado, sustentado pelas correntes. Cada respiração era um esforço condenado ao fracasso, cada gemido parecia arrancado à força das entranhas.
Aproximei-me devagar, como um espectador que aprecia a última cena de uma peça que já sabe de cor. Segurei-lhe o rosto, erguendo-o. A pele estava fria e húmida de suor, e o sangue escorria em finos traços pelo queixo. Os olhos, quase fechados, ainda insistiam em fitar-me — mas já sem ódio, apenas com aquele desespero mudo que tanto me divertia.
Inclinei a cabeça.
— Vês? No fim, não és diferente de todos os outros. Primeiro gritam, depois imploram, e por fim… só resta este vazio.
Soltei-o e recuei um passo. Tirei da mesa uma lâmina estreita e pressionei-a contra o seu peito, não com pressa, mas com lentidão cruel. O aço afundou-se pouco a pouco, arrancando dele um arquejo sufocado. As correntes tilintaram, mas não havia força para se soltar. Apenas o som de vida a esvair-se.
Enquanto o fazia, percebi-me a sorrir. Não de prazer vulgar, mas daquela estranha satisfação de quem confirma uma teoria: no fim, todos cedem. Todos quebram.
Ele tentou falar, mas o sangue afogou-lhe as palavras. Inclinei-me mais perto para ouvir, como se realmente me importasse.
— Não é porque pedes… — sussurrei, empurrando a lâmina até ao limite. Os olhos dele estremeceram, a respiração engasgou-se.
— …é porque já me fartei de ti. — puxei a lâmina de um só golpe, e o corpo estremeceu em espasmos finais. — Não metes piada. Só nojo.
Afastei-me. A cabeça dele tombou para a frente, e um silêncio absoluto caiu sobre a sala. O som dos espasmos desapareceu, restando apenas o bater compassado do meu coração, calmo, constante.
Observei-o por alguns segundos, imóvel. Não senti culpa. Não senti arrependimento. Só aquele vazio familiar, como se tivesse limpado mais um obstáculo da minha existência. O mundo não entenderia. Mas eu sabia: esta era a minha ordem, o meu equilíbrio.
Mais um nome apagado. Mais uma prova de que sou o que eles temem — e o que nunca vão compreender.
Fiquei a observar o corpo inerte durante alguns minutos, deixando que o silêncio ocupasse cada recanto da sala. A lâmina ainda pingava no chão, marcando o compasso da morte em gotas vermelhas. Sentei-me na cadeira em frente, cruzei os braços e simplesmente… contemplei.
— Estranho, não é? — murmurei para o vazio. — Eles chamam-me de monstro… mas tu eras o verdadeiro. Alimentavas-te da dor dos outros. Eu só fiz aquilo que o mundo devia ter feito há muito tempo.
Passei a mão pelo rosto, sentindo o calor do sangue seco. Sorri sozinho, um sorriso torto, quase quebrado.
— Talvez eu seja o vilão da história. Talvez… mas ao menos sou o vilão certo.
Apaguei a luz, deixando que a escuridão engolisse a sala e a memória daquele que já não respirava.
[Salto de tempo – uma semana depois]
O noticiário da noite interrompeu a monotonia do meu apartamento. O rosto da jornalista estava carregado de gravidade:
"Foi encontrado hoje o corpo de Ricardo Santos em sua própria casa, em estado avançado de decomposição. A polícia acredita que o crime tenha sido premeditado e faz parte de uma série de assassinatos que têm chocado o país. As autoridades reforçam que o suspeito pode tratar-se de um serial killer perigoso, ainda em liberdade."
Deixei escapar uma gargalhada curta, quase infantil. O copo de vinho que segurava tremeu ligeiramente na minha mão.
— Serial killer… — repeti, saboreando as palavras. — Engraçado, não? Eles dizem como se fosse uma ofensa.
Levantei-me e caminhei pela sala, cada passo marcado pelo entusiasmo crescente.
— Não percebem nada… Eu não escolho inocentes. Nunca. Cada um deles… cada um merecia. — Apontei para a televisão como se a jornalista pudesse ouvir-me. — Eu não mato por acaso. Eu faço justiça.
Olhei o reflexo do meu rosto no vidro da janela, a cidade iluminada atrás de mim. O reflexo sorria de volta, sombrio, distorcido.
— Sim, talvez eu seja o vilão. Talvez o sangue nas minhas mãos nunca desapareça. — Toquei os dedos manchados contra o próprio peito. — Mas, por dentro… sinto-me limpo. Sinto-me vivo.
Dei um gole demorado no vinho, deixando que o sabor me aquecesse.
— O mundo chama-me assassino… eu chamo-me juiz. E cada vez que oiço o noticiário, sei que cumpri a minha parte. — Olhei novamente para a televisão, onde já passavam imagens da polícia na cena do crime. — O mais irónico? No fundo, até me agradecem. Não em voz alta, claro. Mas agradecem.
Sentei-me no sofá, reclinei a cabeça para trás e deixei escapar um suspiro satisfeito.
— Mais um predador apagado. Mais um fantasma a menos para assombrar inocentes. E eu? Eu fico com o peso… e com o prazer.
A música do telejornal anunciava o fim da reportagem. Sorri de novo, mas desta vez com calma, quase ternura.
— Que venham chamar-me o que quiserem. Monstro. Vilão. Serial killer… — fechei os olhos, saboreando a palavra como um mantra. — No fundo, só eu sei: cada morte é uma vitória.
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Atualizado até capítulo 21
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