Um estalo metálico ecoa pela sala. Frio, seco. O som quebra o silêncio como uma lâmina atravessando carne. Eu sorrio para o espelho, como se tivesse ensaiado este momento mil vezes. E então, devagar, viro-me.
As correntes tilintam de novo, mais fortes desta vez. O homem puxa os pulsos, luta contra o ferro que o prende à parede húmida e escura. A sua respiração ofegante denuncia o pânico. Os olhos dele — arregalados, suados, vermelhos de desespero — encontram os meus.
Ele engole em seco. E depois, num fio de voz que treme, diz:
— João…?
Ah… o doce reconhecimento. A palavra cai no ar como uma sentença maldita. João. Será esse o meu nome? Ou apenas mais uma etiqueta entre tantas outras? Inclino a cabeça, teatral, saboreando o medo dele como se fosse música.
— João… — repito, quase a rir. — Engraçado. Será esse o meu verdadeiro nome? Talvez sim. Talvez não. Que importa, se até tu tremes ao pronunciá-lo?
O homem cerra os dentes e cospe as palavras como veneno:
— Maldito… filho da puta… vou acabar contigo!
A gargalhada escapa-me antes que consiga contê-la. Ecoa pelo quarto, misturando-se com o arranhar metálico das correntes. Depois abaixo o tom, cínico, quase sussurrando:
— Ah, que curioso. Quem está preso és tu… não eu.
Dou um passo em frente, a sombra alonga-se sobre o chão húmido e alcança os pés descalços do homem. Ele recua instintivamente, mas não há para onde ir. O ferro não perdoa.
— E sabes o que é mais engraçado? — continuo, aproximando-me devagar, cada palavra carregada de ironia. — Pelo que consta… és tão vilão quanto eu.
Faço uma pausa, sorrio de canto.
— A diferença é que ninguém vai dar pela tua falta. Só os polícias, claro. Mas eu poupei-lhes o trabalho.
— EU SOU INOCENTE! — grita ele, a voz esganiçada de raiva e medo. — NÃO FIZ NADA!
Eu inclino-me sobre ele, tão perto que sinto o hálito azedo de pavor que lhe escapa da boca. Baixo o tom até quase um sussurro, carregado de veneno:
— Inocente? abusar de quem não consegue se defender não é inocência.
Os olhos dele arregalam-se ainda mais, uma súplica muda que tenta negar. Eu não me movo. Só deixo as palavras queimarem o ar.
— Eu posso ser tudo o que quiseres chamar… sociopata, psicopata, monstro. — aproximo os lábios do ouvido dele, como se fosse uma confidência íntima. — Mas há linhas que nem eu atravesso. Eu não toco em crianças.
Afasto-me ligeiramente, deixando a tensão pesar entre nós. O homem tenta falar, mas a garganta dele seca antes que as palavras saiam.
E é então que sorrio — aquele sorriso que o espelho conhece bem, o sorriso que não pede perdão.
— Agora… — digo, quase com ternura. — Que a tortura comece.
As correntes vibram com o grito dele. E o quarto, outrora silencioso, enche-se de um terror cru e inevitável.
As correntes vibram com o grito dele. Ecoa pelo quarto, rouco, desesperado, como se cada sílaba fosse uma tentativa inútil de escapar ao destino. Eu fico em silêncio, apenas a observá-lo. A respiração dele acelera, o suor escorre, e o olhar vacila entre ódio e puro terror.
— Grita, grita quanto quiseres — murmuro, como se fosse um conselho amigo. — Ninguém vai ouvir-te. Este lugar já foi esquecido pelo mundo… tal como tu.
Ele debate-se, as algemas marcam a pele. Eu inclino-me outra vez, sem pressa, aproveitando cada segundo da sua agonia.
— O que é a dor, senão a forma mais pura de verdade? — pergunto, sem esperar resposta. — Vês, enquanto todos mentem, a dor nunca engana. Ela arranca a máscara, expõe o que realmente és.
Ele tenta desviar o olhar, mas eu seguro-lhe o rosto com firmeza, obrigando-o a encarar-me. Os olhos dele estão marejados, e nesse reflexo vejo não só medo… mas também culpa.
— A tua inocência… — sorrio de forma irónica — é mais frágil que estas correntes.
Solto-o e afasto-me um passo, deixando que a tensão se alongue. O silêncio pesa como chumbo. Ele pensa que acabou, que me cansei, que talvez tenha uma saída. Mas eu deixo o vazio engolir-lhe a esperança.
E então, em voz baixa, quase carinhosa:
— Eu não preciso de monstros para me definir. Só preciso de espelhos. E tu, meu caro, és um espelho perfeito.
Um arrepio percorre-lhe o corpo. Ele sabe que não vai sair daqui inteiro. Talvez nem saia.
O som metálico do ferro a arrastar no chão acompanha as minhas palavras. O quarto mergulha numa escuridão ainda mais densa. Ele grita de novo, e o eco mistura-se com o tilintar das correntes, criando uma melodia dissonante, quase bela.
Para mim, o espetáculo apenas começara.
O silêncio voltou, espesso como fumo. Só se ouvia o gotejar constante de água algures no fundo da sala, misturado com a respiração entrecortada do homem. Eu não me apressei. A pressa é um vício dos fracos. O verdadeiro poder está no compasso das pausas.
Aproximei-me devagar de uma mesa de madeira gasta no canto do quarto. As velas acesas tremeluziram quando passei, projectando sombras que dançavam nas paredes húmidas. Sobre a mesa, repousavam alguns objetos. Nada de especial… pelo menos, para quem não estivesse amarrado a correntes.
Eu deixei os meus dedos correrem lentamente sobre cada um, sem escolher nada em particular. O som suave, quase inocente, de metal contra madeira ecoou até ele. Não precisei dizer nada. Bastou o ruído para que ele estremecesse.
— O curioso da mente humana — comecei, a minha voz calma, quase pedagógica — é que ela sofre mais com a antecipação do que com a dor em si. A dor é imediata, concreta. Mas a expectativa… ah, essa é infinita.
Peguei num pequeno objeto e deixei-o cair de volta à mesa. O som seco do impacto ecoou como um disparo. O homem cerrou os olhos, o corpo inteiro encolhido à espera de um golpe que nunca veio. Sorri.
— Vês? — perguntei, aproximando-me. — Nem sequer te toquei, e já estás a tremer.
Inclinei-me até o meu rosto ficar a centímetros do dele. O cheiro a medo é inconfundível, uma mistura de suor frio e respiração descompassada.
— Sabes qual é o pior castigo? — continuei. — Não é a dor. É a dúvida. A dúvida se hoje sobrevives… ou se amanhã acordas ainda neste buraco. É pensar se cada som é o último que vais ouvir.
Ele tentou falar, mas a voz falhou. Finalmente, entre soluços, forçou as palavras:
— Por favor… eu não… eu não fiz nada…
Afastei-me um passo, deixando a sombra cobrir-lhe o rosto.
— Nada? — repeti, num tom teatral. — Nada… é uma palavra perigosa. Tu fizeste algo, sim. Talvez não queiras admitir, talvez até acredites na tua mentira. Mas o mundo já tem demasiados inocentes que não o são.
Parei um instante, como se estivesse a considerar um detalhe esquecido. Depois, voltei a sorrir.
— E sabes o que é mais delicioso? É que neste lugar não importa se és culpado ou inocente. O único veredito que existe… sou eu.
Ele puxou as correntes com força, os elos metálicos a rasgarem a própria pele, mas o som não passava de um choro desesperado.
— Vais pagar por isto, maldito! — gritou, a garganta a arranhar.
Olhei-o com uma calma quase paternal.
— Ah… mas não percebes? Já estás a pagar. Cada segundo que respiras neste sítio é uma moeda. Cada batida do teu coração, uma dívida. E eu sou o cobrador.
Deixei as palavras afundarem-se nele como ferrugem. Depois virei costas e fui até ao espelho outra vez. Olhei o reflexo e, no vidro, vi dois: eu… e ele, acorrentado atrás de mim.
— O Joker em mim está satisfeito — murmurei, quase para mim. — Mas ele ainda não riu o suficiente.
O homem começou a soluçar, finalmente quebrado. E naquele som rouco, miserável, percebi que a verdadeira tortura já tinha começado, sem que uma única gota de sangue fosse derramada.
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Atualizado até capítulo 21
Comments
João Dos santos
amei ler esse terror a autora conseguiu entregar mistério suspense medo ação tudo quer um livro de terror precisa
2025-08-22
2
João Dos santos
estou juntando forças para continuar a leitura cada palavra me dar medo
2025-08-22
1
João Dos santos
O famoso sorriso de Diabólic😇
2025-08-22
3