Visão Joyce
Eu não sou de sair.
Não porque não goste, mas porque sempre foi mais seguro assim.
Menos olhares, menos riscos.
Mas naquele sábado, enquanto estava no sofá com meu pai assistindo TV, Adam e Lucas apareceram na sala com aquele sorriso que eu conhecia bem.
— Vamos com a gente, Joyce. — Adam jogou uma almofada no meu colo, rindo. — Vai ter festa na chácara do Rafa. Música boa, comida, gente nova…
— Gente nova não é exatamente meu tipo. — respondi, sem tirar os olhos da tela.
— Você nunca sai, mana. — Lucas se apoiou no braço do sofá. — Uma noite só, vai. Por milagre você tá sem nada pra fazer hoje.
Eu suspirei. Estavam certos. Não tinha nada na agenda. Nem desculpa para recusar.
— Tá… mas se for chato, eu volto antes.
Meu pai me olhou com aquele jeito de quem sabe que os filhos já cresceram, mas ainda quer protegê-los.
— Se cuida, minha filha. — disse, com um tom calmo, mas cheio de significado.
Subi para o quarto e, por algum motivo, quis me arrumar de verdade.
Abri o armário e meus dedos pararam num vestido que eu não usava há anos. Vermelho, longo, com uma fenda alta na coxa, costas nuas e um decote generoso.
Aquele tipo de roupa que fazia os olhares grudarem.
Talvez eu quisesse lembrar como era sentir isso.
Escolhi salto alto cor da pele, maquiagem elaborada: olhos pretos bem marcados com delineado afiado, batom vermelho como sangue fresco.
Soltei os cabelos, que caíram sobre os ombros como um manto escuro.
Quando me vi no espelho, tive que admitir: eu estava linda.
Linda de um jeito perigoso.
De um jeito que fazia meu coração bater mais rápido, porque eu sabia que chamar atenção sempre foi um presente envenenado.
Desci, beijei o rosto do meu pai e peguei as chaves do carro.
— Não volta tarde. — ele pediu.
— Prometo tentar.
Saí sozinha. Adam e Lucas tinham ido antes para ajudar na organização da festa.
O caminho era simples, mas no meio da estrada, o carro começou a dar sinais de que não estava nada bem.
Um estalo metálico, depois um suspiro do motor, e… morreu.
Encostei o carro no acostamento, praguejando baixinho.
Olhei em volta. Estrada quase vazia, só o som distante de grilos e o vento mexendo na grama alta.
Foi aí que vi.
Do outro lado da estrada, uma senhora muito velha, sentada atrás de um banquinho improvisado.
O tecido que cobria a mesinha estava gasto, mas em cima dele, joias reluziam como se fossem recém-polidas.
Pareciam deslocadas ali, como uma miragem.
Atravessei, mais por curiosidade do que necessidade.
— Boa noite. — disse, me aproximando. — A senhora saberia onde tem algum posto ou mecânico por aqui?
Ela me olhou com um sorriso lento, como se me conhecesse.
— Você… realmente está me vendo? — perguntou, com a voz rouca.
Franzi a testa. — Claro que estou.
— Engraçado… — ela murmurou. — Poucas pessoas podem.
Aquilo me deixou inquieta. — Como assim, “poucas pessoas”?
Ela não respondeu.
Em vez disso, inclinou o queixo na direção das joias.
Meus olhos pararam imediatamente em um colar.
Corrente de prata, pingente em forma de meia lua azul.
Mas não era só o brilho.
A pedra parecia… viva. Como se respirasse.
Um azul profundo, que mudava de tom quando eu me movia.
Me hipnotizou.
— Quanto custa? — perguntei.
A velha sorriu, lenta. — Não se vende o que já é seu. Se encontrou… é porque é seu destino.
Mas deve usá-lo com sabedoria.
Ri, meio desconfortável. — Destino? Tudo bem… mas não posso simplesmente pegar sem nada em troca.
Fui até o carro e voltei com algo que sempre carregava comigo: um chaveiro com asas negras brilhantes.
Um presente que nunca tinha dado a ninguém, mas que agora parecia certo.
— Aqui. — estendi o chaveiro. — Para a senhora.
Ela segurou, os dedos enrugados acariciando as asas.
Sorriu de um jeito que me fez sentir observada por dentro.
— Agora tenho certeza. — disse. — Esse pingente tinha que ser seu. Porque você saberá o lugar certo para ir.
— O lugar certo…? — comecei a perguntar.
Foi nesse momento que o barulho do meu carro soou atrás de mim.
O motor, que tinha morrido, estava ligado sozinho, como se alguém tivesse dado partida.
Virei para trás, confusa.
E quando olhei de volta…
Não havia mais nada.
Nem a senhora.
Nem o banquinho.
Nem as joias.
Meu coração martelou no peito.
Olhei ao redor, girando no mesmo lugar.
Nada.
Atravessei de volta para o carro. O pingente ainda estava na minha mão.
Frio. Pesado.
Coloquei no pescoço, sentindo um arrepio imediato, como se algo tivesse me reconhecido.
— O que diabos foi isso…? — murmurei, sozinha.
Liguei o carro, ainda tentando entender o que tinha acabado de acontecer.
O som do motor agora era perfeito, como se nada tivesse quebrado.
Pisei no acelerador e segui em direção à festa, mas não consegui parar de tocar no colar.
O metal parecia pulsar, como se tivesse um batimento próprio.
E, no fundo, uma sensação estranha crescia:
A de que, a partir daquele momento, minha vida nunca mais seria a mesma.
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Atualizado até capítulo 103
Comments
Simone Neiva Costa
essa história promete
2025-08-27
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