visão da Joyce
Fantasia sempre foi meu refúgio.
Meus dedos já conheciam de cor o toque áspero das páginas de um livro e o deslizar suave da capa dura contra minha pele.
Era ali, entre mundos inventados e heróis inalcançáveis, que eu conseguia respirar.
E, claro, sempre fui atraída pelos mesmos tipos: homens de olhos perigosos, silêncio carregado de segredos, a presença que invade sem pedir permissão.
O tipo que a maioria chamaria de problema… mas que, para mim, sempre foi promessa.
Azriel, de ACOTAR, sempre foi o meu número.
Moreno, calado, misterioso.
Um homem que você nunca sabe se vai te beijar ou te matar, e que provavelmente sabe fazer os dois com a mesma precisão.
Mas Azriel era papel e tinta.
A vida real nunca me deu nada parecido — ou talvez tenha dado, só que do jeito errado.
Minha vida sempre foi feita de rotinas: estudo, trabalho, casa.
Não havia espaço para aventuras, muito menos para perigos que valessem a pena.
Moro com meu pai, Eduardo, e meus irmãos gêmeos, Adam e Lucas.
Eles são a minha fortaleza.
Eu, a mais nova, prestes a fazer trinta anos.
Um metro e setenta, cabelos negros que caem até a metade das costas, franja cortando a testa como moldura.
Olhos cor de mel, boca carnuda, curvas que sempre atraíram olhares — às vezes bons, às vezes perigosos.
Seios fartos, cintura fina, pernas grossas.
Pele clara como se o sol tivesse medo de me tocar.
E foi exatamente isso — chamar atenção demais — que me trouxe mais dor do que prazer.
Casei cedo, aos vinte anos, com um homem que no começo parecia ser tudo que eu precisava.
Era atencioso, protetor… até que proteção virou prisão.
Primeiro foram perguntas. Depois ordens.
E quando eu comecei a me opor, vieram os golpes.
Os primeiros, leves. Quase como se ele quisesse me convencer de que não era nada.
Depois, marcas que eu escondia com maquiagem, roupas longas e mentiras bem ensaiadas.
Ele não queria que eu trabalhasse.
Não queria que eu estudasse.
Não queria que eu lesse.
O que ele queria era que eu fosse uma sombra na própria vida.
Mas eu nunca soube ser sombra.
Lembro da noite em que decidi fugir.
O som dos meus próprios passos no corredor parecia gritar que eu estava traindo alguma lei invisível.
Levei apenas o necessário: documentos, um pouco de dinheiro, e o livro que eu lia na época — um pedaço do meu refúgio.
O resto… ficou para trás.
Incluindo a vida que eu conhecia.
Fui para outro estado.
Lutei com papeladas, audiências, burocracias.
Consegui o divórcio, uma medida protetiva.
E, por um tempo, pensei que estava livre.
Mas o medo… o medo é um tipo de prisão que não se dissolve com tinta e carimbos.
Sabe aquela sensação de estar sendo observada?
De precisar olhar para trás a cada poucos passos?
De mudar o caminho de casa para o trabalho, só para ter certeza?
Esse era o meu cotidiano.
Eu não precisava vê-lo para sentir.
O fantasma dele andava comigo, mesmo quando eu sabia que ele estava longe.
Eu tentava me distrair.
Trabalho.
Livros.
Ajudar meu pai e meus irmãos em casa.
Mas, à noite, no silêncio do meu quarto, o passado encontrava um jeito de escorrer pelas frestas e se deitar ao meu lado.
Às vezes, o medo vinha em forma de pesadelo.
Às vezes, vinha na lembrança do toque dele — aquele toque que um dia me fez tremer de desejo e depois só me fez tremer de pavor.
E é aí que mora o perigo: eu ainda sabia o que era sentir meu corpo aceso.
O problema era que, na vida real, isso sempre vinha acompanhado de dor.
Talvez seja por isso que eu me agarrei tanto à fantasia.
Nos livros, homens perigosos eram perigosos pelo motivo certo.
O mistério não escondia violência gratuita, mas profundidade.
O toque não vinha para ferir, mas para incendiar.
E, mesmo que houvesse morte, havia sempre propósito.
Na vida real, não há propósito para a crueldade.
Hoje, aos vinte e nove anos, ainda não sei se acredito que minha história pode mudar.
Às vezes me vejo no espelho e penso:
"Você ainda é bonita. Ainda chama atenção. Talvez isso seja uma maldição, não um dom."
Mas, ao mesmo tempo… há algo dentro de mim que se recusa a se apagar.
Uma faísca.
Um sussurro.
Algo que me diz que minha história não acabou.
Que talvez exista um tipo de perigo que valha a pena enfrentar.
Eu só não sabia… que ele estava mais perto do que imaginava.
E que, quando chegasse, não viria bater na porta.
Ele viria como a sombra atrás de mim — aquela que eu sempre temi — mas dessa vez, com um motivo que eu ainda não estava pronta para entender.
Se quiser, posso continuar a narrativa para o próximo capítulo, ainda na visão da Joyce, já introduzindo o primeiro acontecimento estranho que vai ligar o mundo real dela ao mundo da lenda dos pingentes.
Quer que eu siga nessa linha?
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Atualizado até capítulo 103
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