O silêncio entre Lucca e Victor parecia esmagador. O ar na sala era pesado, carregado de uma tensão que fazia o coração de Lucca disparar. Ele nunca tinha se sentido tão pequeno e tão exposto ao mesmo tempo. A figura do homem à sua frente era imponente; cada gesto, cada linha de seu rosto e postura, transmitia poder absoluto. O ar-condicionado da sala fazia o leve tilintar de objetos e papéis ressoarem, mas nada conseguia abafar a sensação de que aquele momento definiria não apenas seu futuro imediato, mas a forma como ele viveria naquele mundo completamente desconhecido.
Victor observava Lucca com atenção quase cirúrgica, suas mãos cruzadas sobre a mesa de madeira escura, veias salientes e unhas impecáveis, a postura reta e a expressão serena. No fundo, porém, ele tinha um plano. Desde o início, Victor suspeitava que este candidato em questão havia passado pela estranha e cansativa entrevista não estava ali pela vaga em si, mas apenas para ter a oportunidade de vê-lo. Ele já havia conhecido muitas fêmeas, todas ansiosas para conquistar um pouco de sua atenção, e muitas delas não escondiam suas intenções. Mas Lucca… algo nele era diferente. Havia uma sinceridade, uma alegria, e uma determinação que não se encontrava facilmente. Victor, curioso, decidiu testar essa autenticidade.
— Então, Lucca — começou Victor, sua voz firme, mas com uma cadência que permitia que cada palavra se destacasse —. Quero entender como você pensa e como reage em situações práticas. Não me interesso apenas pelas palavras bonitas; quero ver o raciocínio por trás delas.
Lucca engoliu em seco, sentindo o peso da responsabilidade e, ao mesmo tempo, um impulso de confiança. Apesar do choque inicial de reconhecer Victor e de todo o desconforto que sentira com a estranheza do mundo, ele sabia que, se quisesse realmente conseguir aquele trabalho, precisava ser mais do que ele mesmo. Precisava mostrar não apenas sua capacidade de cuidar de crianças, mas também equilíbrio emocional, lógica e criatividade.
Victor continuou, mantendo o olhar fixo, avaliando cada microexpressão de Lucca, cada hesitação, cada sinal de dúvida ou insegurança.
— Imagine que uma criança precisa terminar a lição de casa em 30 minutos, mas a tarefa normalmente leva 45 minutos para ser concluída. Como você reorganizaria as atividades ou recursos para cumprir o prazo? — perguntou, com uma frieza que não escondia o desafio.
Lucca piscou algumas vezes, processando rapidamente a situação. Ele imaginou a criança à sua frente, ansiosa, talvez frustrada com o relógio e com o limite de tempo imposto. Pensou em cada detalhe: como manteria a calma da criança, como dividiria o tempo e quais recursos poderia utilizar para otimizar o aprendizado.
— Eu… — começou Lucca, respirando fundo —. Eu priorizaria entender quais partes da lição são mais importantes e quais exigem mais atenção. Se houver atividades que podem ser feitas paralelamente com supervisão mínima, eu distribuiria o tempo para que, enquanto uma criança faz a tarefa de escrita, a outra possa realizar exercícios mais automáticos. Se necessário, dividiria o trabalho em blocos menores, intercalando momentos de pausa para manter a concentração e diminuir a ansiedade. Dessa forma, mesmo que não terminássemos exatamente em 30 minutos, a criança sentiria progresso, organização e apoio.
Victor o estudou atentamente, inclinando levemente a cabeça. Ele não esperava que Lucca raciocinasse com tanta clareza e maturidade. Cada detalhe da resposta, o equilíbrio entre eficiência e cuidado emocional, indicava que aquele não era apenas um candidato comum.
— Muito bem — respondeu Victor, com a voz firme, mas um leve assentir com a cabeça. — Agora, me diga: se durante o banho duas crianças precisam ser atendidas ao mesmo tempo, como você agiria para manter eficiência e segurança?
Lucca sorriu discretamente. Essa pergunta era mais prática e exigia que ele demonstrasse controle físico e mental, assim como senso de prioridade.
— Eu primeiro avaliaria se há risco imediato — começou, imaginando a banheira, o sabonete escorregadio e as crianças agitadas —. Se ambas estiverem em segurança, começaria por aquela que necessita de supervisão mais intensa, garantindo que a segunda possa se entreter de forma segura enquanto é aguardada. Se necessário, buscaria apoio, talvez utilizando brinquedos seguros para distrair temporariamente uma das crianças enquanto dou atenção à outra. Sempre mantendo contato visual e comunicação constante, para que ambas sintam-se incluídas e seguras.
Victor permaneceu em silêncio por alguns segundos, permitindo que cada palavra fizesse efeito. Ele estava impressionado. Aquela resposta não era apenas técnica, mas também demonstrava empatia e consciência do ambiente — exatamente o tipo de profissional que ele desejava para cuidar de seus filhos.
— E se um imprevisto acontecer — continuou Victor, agora em tom mais desafiador —, como uma atividade externa ser cancelada, como você ajustaria o cronograma do dia sem prejudicar outros compromissos?
Lucca pensou rapidamente. O mundo em que ele estava podia ser estranho e diferente, mas a lógica e a organização seguiam princípios universais. Ele podia adaptar soluções, improvisar, sem perder a compostura ou o foco.
— Eu avaliaria primeiro a reação das crianças — disse Lucca —. Se houver frustração ou decepção, ofereceria alternativas que transformassem a situação em algo divertido ou educativo, para não gerar conflito. Depois, reorganizaria as atividades restantes, priorizando tarefas essenciais e encaixando outras em momentos adequados. Se possível, criaria pequenas competições ou jogos que permitam que a criança aprenda enquanto se diverte. O importante é manter a rotina e o bem-estar, sem criar pressão ou sensação de falha.
Victor permaneceu imóvel, mas o brilho de aprovação em seus olhos era perceptível. Ele percebeu que Lucca não estava ali apenas para impressioná-lo ou para tentar algum tipo de favor; ele estava ali porque queria realmente desempenhar aquela função com competência e seriedade.
— Interessante — disse Victor, inclinando-se ligeiramente para frente —. Você parece compreender bem o equilíbrio entre lógica, eficiência e cuidado emocional.
Lucca, aliviado, sentiu um pequeno sorriso escapar, sem perceber que isso suavizava sua aparência e, talvez, aumentava sua empatia aos olhos de Victor.
— Sim — respondeu, firme —. Acredito que qualquer criança merece atenção, paciência e respeito. Se estou aqui, quero dar o meu melhor, independentemente das circunstâncias.
Victor deixou escapar um leve sorriso. Era raro vê-lo tão receptivo, mas algo em Lucca, sua sinceridade, sua postura e sua capacidade de pensar rápido, o impressionara profundamente. Ele já não via apenas uma fêmea; via alguém com potencial real de responsabilidade, alguém que poderia, com certeza, lidar com desafios complexos sem perder a calma ou a empatia.
— Muito bem, Lucca — continuou Victor, cruzando novamente as mãos sobre a mesa —. Baseado nas suas respostas, posso ver que você não está aqui apenas por interesse pessoal ou por tentar me impressionar. Você veio para trabalhar. — Pausou, avaliando cada detalhe do rosto de Lucca. — A honestidade, a clareza e a maturidade que você demonstrou são exatamente o que procuro.
Lucca sentiu um alívio enorme, misturado com uma pontada de incredulidade. Ele ainda estava em choque, tanto pelo fato de estar no mundo do livro quanto por estar diante do vilão que havia lido meses atrás. E agora, esse mesmo homem parecia reconhecê-lo, respeitá-lo e até confiar nele — mesmo sem realmente conhecê-lo.
Victor se inclinou para trás, observando Lucca com atenção. Havia algo mais que ele precisava saber, algo além da habilidade prática. Ele precisava ter certeza de que Lucca não apenas sabia cuidar de crianças, mas também que sua mente era estratégica, lógica e confiável.
— Antes de concluirmos — disse Victor, erguendo um tablet e mostrando algumas situações hipotéticas —. Vamos testar seu pensamento lógico e capacidade de gerenciamento. Não estou interessado em teorias abstratas, apenas em soluções que funcionem na prática.
Ele começou com situações complexas envolvendo múltiplas crianças, recursos limitados e horários restritos. Cada pergunta era mais desafiadora que a anterior, exigindo de Lucca que raciocinasse rápido, identificasse prioridades e aplicasse soluções criativas e seguras.
Lucca, com a respiração controlada, respondeu de forma detalhada e estruturada, sempre considerando não apenas a eficiência, mas também o bem-estar emocional das crianças. Ele falava com naturalidade, explicando seu raciocínio passo a passo, mostrando como reagiria a imprevistos e como adaptaria atividades para atender diferentes necessidades.
Victor escutava em silêncio, apenas assentindo ou franzindo levemente a testa quando uma resposta parecia mais imaginativa do que prática. Mas, em cada situação, Lucca conseguia equilibrar criatividade com responsabilidade, o que fez Victor finalmente relaxar, mostrando um pequeno sorriso de aprovação.
— Muito bem, Lucca — disse Victor, finalmente, deixando o tablet de lado —. Suas respostas demonstram clareza de raciocínio, capacidade de adaptação e, mais importante, responsabilidade e cuidado genuíno.
Lucca mal podia acreditar no que ouvia. Depois de toda aquela tensão, de testes físicos e lógicos, de jogos e exercícios, ele realmente tinha conquistado a aprovação de Victor.
— Você está… aceito — concluiu Victor. — Para trabalhar para mim, cuidando e acompanhando meus filhos.
Um misto de alívio, felicidade e incredulidade tomou conta de Lucca. Ele mal conseguia conter o sorriso e o coração disparado. Todo o esforço, toda a confusão, todo o choque de estar em um mundo estranho — e diante de Victor, um vilão do livro — parecia ter valido a pena.
Ele respirou fundo, sentindo que, finalmente, um fio de estabilidade surgia em sua vida naquele mundo desconhecido. Tinha provado, principalmente para si mesmo, que podia se adaptar, enfrentar desafios e se tornar uma presença confiável para aqueles que precisavam de cuidado e atenção.
Lucca olhou novamente para Victor, e pela primeira vez, não viu o vilão de sua memória. Viu um homem poderoso, sério, mas justo, alguém que reconhecia o esforço e a habilidade. E, naquele momento, Lucca percebeu que, talvez, aquele trabalho fosse o ponto de partida para algo muito maior, algo que lhe daria propósito, segurança e a possibilidade de construir um vínculo com aquela família — algo que, de certa forma, ele já começava a valorizar.
Victor fez um breve gesto para que Lucca o acompanhasse. Eles subiram juntos a escadaria larga, com corrimões polidos que refletiam a luz suave das arandelas. O silêncio da casa só era interrompido pelo eco dos passos de ambos. Victor caminhava com a postura impecável de quem estava acostumado a comandar e ser obedecido, mas havia uma discreta nota de observação em seus olhos — como se ainda estivesse avaliando cada movimento de Lucca, mesmo após a decisão de contratá-lo.
— Você trabalhará quatro dias por semana e descansará três — começou Victor, sem rodeios, a voz grave ecoando no corredor. — Seu quarto já está preparado e os empregados vão orientá-lo até lá.
Lucca assentiu, ouvindo com atenção.
— Não precisará cozinhar ou vestir meu filho. Há pessoas designadas para isso — continuou Victor. — Sua função é única: divertir, entreter e fazer companhia ao Hélinor. Nada além disso.
Chegaram ao segundo andar, onde o ar parecia mais calmo, como se a energia da casa se concentrasse em um ambiente pensado para crianças. Victor abriu uma porta dupla e revelou um cômodo amplo e iluminado, repleto de brinquedos bem organizados em prateleiras e caixas coloridas. No centro, um tapete macio, onde um pequeno ser se ocupava com blocos de montar.
— Antes, quero apresentá-lo a outros funcionários — disse Victor, conduzindo Lucca até uma sala lateral. Lá estavam quatro homens-fera, de aparência robusta, postura impecável e olhares atentos.
Eles eram claramente veteranos no serviço. O primeiro, de cabelos pretos presos em um coque baixo, tinha olhar calmo, quase paternal. O segundo, loiro, possuía ombros largos e um sorriso contido, mas curioso. O terceiro era mais baixo, musculoso e com expressão séria. O quarto, de pele morena e olhos âmbar, mantinha uma aura silenciosa de observação.
Todos pareceram ligeiramente surpresos ao ver Lucca. Um deles arqueou uma sobrancelha, outro cruzou os braços, mas nenhum disse nada fora de protocolo. Ainda assim, era perceptível que queriam saber mais sobre a “fêmea” que trabalharia com eles. Apesar disso, sua postura profissional não vacilou — estavam ali para cumprir suas funções.
— Estes são os companheiros de trabalho de longa data do Hélinor — explicou Victor. — Trabalhem juntos e mantenham o foco.
Os homens-fera inclinaram levemente a cabeça em respeito, e Lucca devolveu o gesto com um sorriso educado, embora sentisse um leve peso da atenção coletiva sobre si.
Voltaram então ao quarto infantil. Victor entrou primeiro e anunciou:
— Hélinor, venha cá. Quero que conheça alguém.
O pequeno levantou a cabeça e, por um instante, parecia que o tempo havia suavizado ao redor. Hélinor tinha cabelos loiros claros e lisos, caindo em mechas finas sobre a testa e as orelhas delicadas. Seus olhos eram de um verde suave, quase translúcido, como se refletissem um pedaço de floresta sob luz suave. As bochechas levemente coradas lhe davam um ar irresistivelmente fofo, e a boca pequena se curvou em um sorriso tímido ao ver Lucca. Vestia um macacão azul-claro com detalhes bordados de nuvens e segurava um bloco de madeira na mão.
— Esse é o Lucca. Ele vai brincar com você e te fazer companhia — disse Victor.
Hélinor piscou algumas vezes, como processando a informação, e depois acenou com a mão minúscula, um gesto hesitante mas cheio de curiosidade.
Antes que Lucca pudesse responder, o som de uma porta se abrindo chamou sua atenção. No corredor, um garoto mais velho surgiu. Era Gabriel, o filho mais velho de Victor, com seus 12 anos. Ele tinha cabelos castanho-escuros, um pouco desalinhados, que caíam sobre a testa. Sua pele era clara, mas o olhar… o olhar carregava algo mais pesado, quase melancólico. Os olhos, de um castanho profundo, observavam Lucca com intensidade, e a sobrancelha franzida acrescentava um toque de desafio — como se tentasse medir quem estava diante dele.
Havia em Gabriel uma postura que não combinava com a idade; parecia mais velho do que era, como se tivesse aprendido cedo demais a guardar pensamentos e emoções para si.
O silêncio se estendeu por alguns segundos, até que Victor lançou um olhar firme para o filho. Sem dizer nada, Gabriel desviou o rosto e desceu as escadas, desaparecendo no andar de baixo.
— Não se preocupe com ele — disse Victor, voltando-se para Lucca. — Gabriel sabe cuidar de si mesmo.
Lucca apenas assentiu, mas sentiu uma estranha tensão no ar.
— Agora vou deixá-lo com o Hélinor. Tenho muito trabalho a fazer — concluiu Victor, com o tom de quem encerrava a conversa.
Victor saiu, fechando a porta suavemente atrás de si.
Restaram no cômodo apenas Lucca e o pequeno Hélinor, que já segurava um carrinho de brinquedo e o empurrava pelo tapete, olhando de vez em quando para o novo companheiro com um sorriso curioso. Lucca se ajoelhou no tapete, deixando a formalidade de lado, e começou a observar o pequeno, sentindo que, talvez, aquele trabalho pudesse ser mais significativo do que imaginara.
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Atualizado até capítulo 50
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