O som veio como um estalo seco, rápido, mecânico — metal contra metal, girando por dentro da fechadura.
Lucca ainda estava sentado no chão, os pensamentos embaralhados pela avalanche de revelações que a TV acabara de jogar sobre ele. O coração disparou. Alguém estava abrindo a porta.
Os segundos seguintes pareciam alongados, como se o tempo fosse feito de mel e cada gota escorresse lentamente. A maçaneta desceu.
E, então, a porta se abriu.
Lucca arregalou os olhos.
— Pai? — A palavra saiu como um sopro, meio incredulidade, meio desespero.
Ali, em pé, perfeitamente saudável, sem a sombra de doença que carregou até os últimos dias de vida, estava Mart. Não o Mart curvado pela dor, com a pele pálida e os olhos fundos que Lucca tinha visto no hospital. Mas um Mart ereto, ombros largos, olhar firme, como na juventude.
Lucca sentiu o peito explodir.
Ele se levantou tão rápido que quase tropeçou no próprio pé. E, antes de pensar, correu.
— Pai! — A voz falhou, afogada pelo nó na garganta.
Se atirou nos braços dele, o rosto se enterrando no ombro largo. As lágrimas vieram sem pedir licença, quentes e abundantes, encharcando o tecido da roupa dele. Era o cheiro de sabonete simples, de casa, de algo que o tempo e a morte haviam levado… mas que agora, de algum modo impossível, estava ali de novo.
Lucca apertou mais o abraço, como se quisesse se fundir ao corpo do pai, como se pudesse compensar todo o tempo perdido.
— Eu senti tanto a sua falta… — murmurou, a voz trêmula, quase infantil. — Você não sabe… o quanto… eu queria te ver de novo…
Mas, ao contrário do que esperava, Mart não retribuiu o abraço.
Os braços dele permaneceram imóveis ao lado do corpo, tensos. O rosto, que Lucca não conseguia ver de tão próximo, mantinha uma neutralidade desconcertante.
Por alguns segundos, Mart suportou o contato. Então, de repente, colocou as mãos nos ombros do filho e o empurrou para trás com firmeza, criando distância.
— Chega, Lucca. — A voz não tinha o calor que ele lembrava. Era seca, quase impaciente. — Espero que agora tenha colocado a cabeça no lugar.
Lucca piscou, confuso, limpando as lágrimas rapidamente.
— Cabeça… no lugar? Do que está…
— A entrevista. — Mart interrompeu, como se fosse óbvio. — Eu espero que tenha repensado a minha proposta. Essa é uma oportunidade que vai mudar o nosso futuro.
Lucca sentiu o coração dar um salto confuso.
— Entrevista? Que entrevista?
O cenho de Mart se franziu imediatamente.
— Não começa com isso. Não hoje. — O tom dele ganhou um peso irritado. — Você sabe muito bem do que estou falando.
— Eu… não sei. — Lucca forçou um sorriso nervoso, tentando encontrar o sentido das palavras. — Pai, eu acho que…
— Não me faça perder a paciência. — Mart ergueu a voz um pouco, e aquilo soou como um aviso. — Você já me fez gastar tempo e dinheiro demais para te criar, para agora fingir que não entende.
Aquelas palavras caíram sobre Lucca como uma pedra.
— Pai… o que você quer dizer com…
— Quero dizer que, se você não fizer essa entrevista até o fim do dia, pode esquecer de voltar para casa. — Mart cruzou os braços, a expressão dura. — Eu não vou sustentar alguém que não se esforça. Não vou manter um desperdício.
A última palavra bateu fundo, ferindo. “Desperdício.”
Lucca abriu a boca, mas não encontrou resposta. Não era o Mart que ele conhecia. Não era o homem que passava a mão nos cabelos dele quando estava triste, que dizia “a gente dá um jeito, filho” mesmo quando a vida desmoronava.
Mas… era o rosto dele. A voz dele.
E, de repente, o homem à sua frente suspirou, desviou o olhar para o chão e… começou a chorar.
As lágrimas escorriam silenciosas no início, depois vieram acompanhadas de um soluço breve. Mart levou a mão ao rosto, e a dureza de antes se dissolveu numa máscara de sofrimento.
— Você acha que foi fácil? — a voz dele agora soava ferida, quase trêmula. — Criar você… sozinho… fazer tudo para que tivesse um teto, comida… trabalhar até tarde, me matar de cansaço… E, no fim, ver você desperdiçando sua vida?
Lucca deu um passo à frente, instintivamente.
— Pai…
— Eu… — Mart fez uma pausa para respirar, engolindo seco. — Eu recusei tanta coisa. Tanta oportunidade, por você. E é assim que me paga? Fingindo que não entende o que está em jogo?
A culpa bateu antes mesmo que Lucca pudesse se defender. Era uma reação automática — aquela velha sensação de que, se o pai estava triste, a prioridade dele deveria ser consertar aquilo, não discutir.
Ele balançou a cabeça, aproximando-se mais e segurando o braço de Mart.
— Tá bom… tá bom, pai. Eu vou fazer a entrevista.
Mart o olhou por um instante, avaliando se acreditava nas palavras. As lágrimas, no entanto, continuaram.
Lucca apertou o ombro dele.
— Eu vou dar o meu melhor, prometo. Só… não fica assim, por favor. Eu não suporto te ver chorando.
O choro do pai pareceu diminuir aos poucos. Mart respirou fundo, endireitou as costas e limpou o rosto com as costas da mão.
— É isso que eu queria ouvir. — O tom voltou a ser mais controlado. — Não quero ver mais preguiça. Hoje pode ser o dia que vai mudar nossas vidas.
Lucca assentiu, ainda que por dentro estivesse um caos absoluto.
Não entendia nada sobre essa tal entrevista. Não sabia por que aquele pai — que era e não era o seu — o tratava assim, com mistura de dureza e chantagem emocional. Mas, se aquilo significava evitar vê-lo chorar, então… faria.
No fundo, ainda era seu pai. Ou pelo menos, carregava o rosto e a presença dele.
E Lucca já havia perdido aquele homem uma vez.
Não estava pronto para perdê-lo de novo.
Ele respirou fundo, tentando engolir a confusão junto com as lágrimas que insistiam em voltar.
— Certo… me diga o que eu preciso fazer.
O canto da boca de Mart se ergueu levemente, como quem acabava de ganhar uma batalha silenciosa.
— Eu sabia que você ia entender. Prepare-se. Em algumas horas, você vai conhecer alguém muito importante.
Lucca tentou sorrir, mas a verdade é que sua mente ainda girava como uma roda desgovernada. O rosto do pai, o corpo diferente que viu no espelho, as notícias da TV, e agora… uma entrevista que parecia ser a linha divisória entre “futuro” e “ruína” aos olhos dele.
A única certeza era a mesma que sempre teve desde criança: faria qualquer coisa para não ver o pai triste.
Mesmo que não tivesse ideia de onde, ou em que mundo, realmente estava.
Lucca tentou acompanhar o pai pelo corredor, mas seus passos vacilavam — não sabia se era pela tontura ainda persistente ou pelo peso de estar ali, numa casa que cheirava a luxo e distância. Mart percebeu o cambaleio, olhou-o de lado e disse com a voz firme, mas não ríspida:
— Vamos almoçar antes de sair. Não quero que nossa família seja mal-interpretada.
A frase parecia simples, mas deixava no ar uma obrigação silenciosa.
Ao chegarem à sala de jantar, a mesa já estava posta com pratos elegantes, talheres brilhando e aromas que despertavam o estômago. Vários pratos dispostos com aparência de terem vindo de um restaurante cinco estrelas, mas apenas um lugar estava servido. Por instinto, Lucca pensou que fosse o seu, mas Mart puxou a cadeira e se sentou. Serviu-se generosamente, ergueu o olhar e disse:
— Procure algo na cozinha e faça para você mesmo.
A surpresa atingiu Lucca primeiro, depois um incômodo amargo, como se uma porta tivesse se fechado no peito. Porém, antes que pudesse se afundar naquele sentimento, o pai completou:
— Quando terminarmos vou acompanhá-lo até o carro.
Essa promessa simples aliviou-o, fazendo-o esquecer da mágoa inicial. Era como se seu humor tivesse sido puxado de um extremo a outro sem que ele notasse.
Ainda bem que sabia cozinhar. Na geladeira, encontrou ingredientes familiares — carne branca, ovos, alguns legumes. Com mãos habilidosas, temperou a carne com especiarias e preparou uma salada cozida com ovos, caprichando como se o prato fosse para alguém importante. Ao levar a refeição para a mesa, sentou-se de frente para Mart.
Apesar de ter uma variedade de pratos à sua frente, Mart provou a salada de Lucca, ergueu uma sobrancelha e pescou mais um pedaço com o garfo.
— Está boa. Um pai merece compartilhar das coisas boas que o filho tem. — E, antes que Lucca respondesse, completou com aquela naturalidade que vinha acompanhada de um peso sutil: — É importante que seja filial, Lucca. Eu já não sou tão jovem, preciso comer mais para ter forças. Você, por outro lado, é jovem e saudável. Comer um pouco menos não lhe fará mal. Pode até melhorar sua aparência.
Lucca não retrucou, apenas baixou o olhar e seguiu comendo em silêncio, aceitando a lógica do pai como quem engole algo difícil de mastigar.
Durante a refeição, Mart limpou o canto dos lábios com o guardanapo dobrado sobre o colo. Sua voz assumiu um tom quase mecânico ao falar:
— Vou explicar para onde você vai. É uma entrevista. Uma chance de ouro.
Lucca ergueu o olhar, curioso.
— O homem para quem você vai trabalhar é um grande CEO. Prestigiado, cobiçado por muitas fêmeas. Desde que se divorciou, nunca mais teve nada com nenhuma. É um homem de caráter.
Lucca franziu o cenho, sem entender o que a vida amorosa do possível patrão tinha a ver com o assunto.
— Ele é reservado. Às vezes frio e indiferente. Mas… são esses os mais sensíveis. Então, preste atenção aos modos. Chame a atenção dele da forma certa.
Na mente de Lucca, a mensagem parecia clara: puxar o saco do chefe para conseguir o emprego. Não era algo que considerasse muito ético, mas, em caso de desespero, poderia tentar. Afinal, empregos eram disputados em qualquer planeta, não?
Enquanto terminava de comer, pensou consigo mesmo que poderia se adaptar àquele mundo. O pai estava ali, e isso era suficiente para deixá-lo confiante. O que quer que viesse, ele estava pronto para enfrentar.
...***...
Se está gostando não deixe de curtir pra mim saber e me segue no coraçãozinho, bjs.
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Atualizado até capítulo 50
Comments
Erica Diniz
Já não gostei desse pai. Como pode negar comida ao filho com uma mesa farta a sua frente.
2025-09-04
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