A noite em Varlon tinha um silêncio peculiar — não o silêncio calmo de cidades adormecidas, mas um vazio estranho, como se o ar carregasse um segredo que ninguém ousava pronunciar. Kael estava no escritório improvisado que montara nos fundos de sua pequena quitinete. Era pouco mais que uma mesa de madeira gasta, uma lâmpada de mesa fraca e um mural com recortes de jornal, mapas rabiscados e fotos coladas com fita adesiva já amarelada.
O caso da fábrica abandonada ainda fervia na mente dele. O corpo da jovem, identificado como Rina Voss, estava ligado de alguma forma àquela rede misteriosa que chamavam apenas de O Círculo. Os registros policiais sobre ela eram quase inexistentes — como se alguém tivesse apagado seu passado.
Kael girava o cigarro entre os dedos, sem acendê-lo, enquanto analisava um conjunto de fotografias tiradas no local do crime.
— A cena foi montada... — murmurou, quase para si mesmo. — Isso não é um homicídio comum.
Do lado de fora, a chuva começou a bater contra a vidraça. No instante seguinte, o telefone tocou. Não o de casa, mas o velho aparelho preto que o mentor, Drexler, havia lhe dado quando passou na prova de detetive. O telefone que só deveria tocar quando o assunto fosse realmente sério.
Ele atendeu.
— Kael.
Silêncio. Depois, uma voz distorcida, carregada de estática:
— Você está se afundando demais. Pare agora... ou a próxima vítima será alguém que você conhece.
Kael tentou responder, mas a linha caiu. Ele ficou parado, encarando o fone como se fosse um artefato amaldiçoado. Quem quer que fosse, sabia que ele estava investigando, e sabia mais sobre sua vida do que deveria.
Na manhã seguinte, Kael foi até o beco onde Rina costumava ser vista. Um informante local, Léo "Três-Dentes", estava ali, vendendo cigarros contrabandeados.
— Você quer se meter com gente grande, Kael? — disse Léo, cuspindo no chão. — O Círculo não é só um nome. É como um buraco... você entra e não volta.
Kael mostrou a foto de Rina.
— O que você sabe sobre ela?
Léo olhou para os lados e baixou a voz.
— Rina carregava mensagens. Pequenas, mas importantes. Gente rica, políticos, traficantes... todos usavam ela. Mas, algumas semanas antes de morrer, ela disse que tinha visto algo. Algo que “mudava tudo”.
— E o que era? — Kael insistiu.
— Não sei. Só sei que ela parecia apavorada. E que um cara de sobretudo cinza começou a seguir ela. Alto, cicatriz no pescoço. — Léo deu um passo para trás. — Se eu fosse você, Kael, esquecia essa história.
De volta à quitinete, Kael tentou organizar as informações, mas algo o incomodava. Na gravação da ligação anônima — que ele tinha conseguido recuperar com um pequeno gravador acoplado ao telefone — havia um ruído de fundo, quase imperceptível. Ele aumentou o volume, filtrou o som e... percebeu. Era o barulho de um metrô antigo, seguido por um anúncio metálico: “Próxima parada: Estação Terminal”.
A Zona Terminal.
O lugar que até policiais veteranos evitavam. Um submundo subterrâneo, cheio de túneis abandonados, onde lendas urbanas se misturavam a negócios ilegais.
Kael sentiu a adrenalina subir. Se aquela voz veio de lá, então Rina — e talvez O Círculo — tinham conexões profundas com o subterrâneo de Varlon.
Ele acendeu o cigarro, tragou fundo e murmurou para si mesmo:
— Então é lá que eu vou.
Mas, enquanto guardava o revólver no coldre, não percebeu a silhueta que o observava do outro lado da rua. Um homem de sobretudo cinza. E uma cicatriz no pescoço.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 71
Comments
Elain
Ação desde o início!
2025-08-12
3