Um passeio.

Acordei antes do sol nascer, com aquela coceira no peito que só corrida cura. O dia estava perfeito, céu limpo, vento na medida certa. Entrei no quarto da Martina como um furacão, sem bater, sem pedir licença.

— Acorda, dorminhoca! Vamos me ver correr! Tá um dia perfeito! — já fui puxando o edredom de cima dela.

— Hele… o que tá acontecendo? — ela perguntou, ainda com a voz rouca, meio perdida.

— Corrida! Igual antes, lembra? Eu já falei com o segurança, ele vai atrás. Só vamos nós duas! Vai ser divertido!

Ela pareceu analisar os riscos, os prós e contras, mas sorriu.

— Tá, tá bom. Me dá dez minutos — ela sorriu, cedendo.

Se arrumou rápido. Jeans, tênis, camiseta confortável. Eu já estava pronta fazia tempo. Saímos de casa sem que ninguém barrasse — milagre. O complexo estava calmo, o tipo de calma que a gente aprende a desconfiar.

No carro, abri um pouco a janela. Adoro sentir o vento no rosto. Coloquei música, brinquei com o GPS, enquanto o segurança vinha no carro atrás. Tudo parecia bem… até que não.

A explosão veio como um soco no peito.

O barulho foi ensurdecedor. Vi pelo retrovisor o carro do segurança ser engolido pelo fogo e lançado contra a lateral da pista. Senti o chão tremer sob as rodas.

— O QUÊ? — gritei, puxando o volante instintivamente.

— FOI O CARRO? FOI O SEGURANÇA? — Martina tremia ao meu lado, olhos arregalados.

— Olha os carros atrás! — apontei. Dois veículos pretos, sem placa, com janelas escurecidas. E vinham rápido.

Pensei rápido.

— A gente não pode ir pra pista… tem muita gente lá. Eles vão matar todo mundo!

Ela agarrou o celular, ligando para o Gael. Eu só ouvia a respiração dela e a voz dele tentando acalmá-la.

Mas aí… vieram os disparos. Secos, certeiros.

— Estão atirando! — Martina gritou.

Senti o carro chacoalhar, a direção pesada, se não fosse excelente nisso, com certeza tinham derrubado o carro. .

— ACERTARAM O PNEU!

Segurei firme, lutando com o volante enquanto o carro derrapava. Consegui jogar para o acostamento e frear com força, o baque ecoando pelo corpo.

— SAI! AGORA! — berrei, sem pensar duas vezes.

Puxei Martina pela mão e corremos. O barulho dos motores e passos se misturava com meu próprio coração batendo nos ouvidos. Vi uma construção abandonada mais à frente.

— Corre, Marti! Vamos para lá!

Entramos, nos enfiamos entre vigas e sacos de cimento. O lugar cheirava a mofo e ferrugem. Eu estava ofegante, mas precisava manter a cabeça fria.

— Ali nas árvores… talvez dê para se esconder — ela sussurrou, nervosa.

— Não, aqui é melhor. — puxei ela para mais fundo.

Os passos chegaram. Pesados. Três caras, pelo som. Vi sombras se projetando nas paredes, um deles passou perto o suficiente para eu sentir o cheiro de cigarro no casaco.

— Não estão aqui! Procurem atrás da fundação! — gritou um deles.

Aproveitei a brecha, puxei Martina para trás de uma betoneira caída. Ficamos ali, presas no silêncio, o tempo arrastando como horas.

Então… motores.

Vários.

Martina me olhou, os olhos brilhando com esperança. Eu também queria acreditar.

E aí ouvi.

— MARTINA? — aquela voz grave que eu conhecia bem.

— GAEL! — ela gritou, saindo do esconderijo antes que eu pudesse impedir.

— MARTINA, NÃO! — corri atrás, mas era tarde. Ela atravessou a saída da obra, indo direto para a luz, para o meio da confusão.

Vi o Gael vindo na direção dela, mas também vi um dos homens nos alcançar. Ele agarrou os cabelos dela, e meu sangue ferveu.

— Larga ela! — ouvi meu pai gritar.

Não pensei. Fui para cima. Acertei ele, mas o desgraçado revidou, me jogando no chão. Senti a pancada na cabeça, mas não larguei até ter certeza de que ele estava fora de combate. Depois… o mundo girou.. Foi aí que tiros estouraram e o acertaram.

Matheo apareceu, junto com outros. Me ergueu como se eu fosse leve, mas o olhar dele… firme, protetor, quase feroz.

— Vamos, agora — ele disse, e não era pedido.

O sangue escorria quente pela lateral da minha cabeça, colando alguns fios de cabelo na pele. Sentia o latejar forte, mas não queria que ninguém percebesse o quanto doía.

Não depois de tudo o que tinha acabado de acontecer.

— Tem muito sangue… — Matheo murmurou, e pela primeira vez desde que o conheci, a voz dele soou verdadeiramente aflita.

— Não é nada… — tentei minimizar, mas sua mão já estava firme na minha nuca, segurando com cuidado para avaliar o corte.

— Não é nada? — ele me encarou com os olhos escuros, como se pudesse me atravessar. — Helena, dá para ver o osso daqui.

Meu pai, do outro lado, praguejou algo baixo.

— Abre caminho, Matheo. Leva ela no meu carro. Agora.

E assim foi. No segundo seguinte, Matheo me pegou pelo braço, me guiando com rapidez, e eu só consegui seguir o ritmo dele porque a adrenalina ainda corria nas minhas veias.

Entramos no carro e meu pai assumiu o volante, acelerando sem pensar duas vezes. Eu estava no banco de trás, Matheo ao meu lado, segurando um pano contra o corte. Ele não tirava os olhos de mim, nem por um instante.

— Tô bem… — insisti, tentando quebrar o clima tenso.

— Não, você não tá. — a resposta veio seca, mas o polegar dele, pressionando o tecido contra minha pele, foi cuidadoso. — E antes que invente de bancar a durona, te aviso… se desmaiar, eu mesmo vou te carregar no colo até a maca.

Sorri de canto, mesmo com a dor.

— Isso parece uma ameaça… ou um convite?

Ele não desviou o olhar, apenas ergueu uma sobrancelha.

— Depende… qual resposta vai te fazer ficar quieta até chegarmos?

Giovanni pigarreou no banco da frente.

— Eu tô ouvindo, viu?

— Ótimo. — Matheo respondeu, com um meio sorriso quase imperceptível. — Então também sabe que não vou deixar nada acontecer com ela.

Chegamos ao hospital em tempo recorde. Assim que estacionamos, ele me ajudou a descer, a mão firme na minha cintura, como se tivesse medo de que eu caísse.

Dentro, fui colocada numa sala de atendimento rápido. O médico examinou o corte e disse que seriam necessários pontos. Enquanto preparavam o material, Matheo ficou do meu lado, braços cruzados, mas o corpo inclinado na minha direção.

— Oito pontos. — o médico informou.

— Uma obra de arte. — brinquei, e Matheo soltou um sopro de riso.

— Agora vai ter uma cicatriz para me lembrar de você. — ele disse, com aquela calma que escondia algo mais profundo.

— E se eu não quiser que me lembre?

— Aí é que vou lembrar mais. — respondeu sem piscar, me deixando por um segundo sem palavras.

O médico terminou, colocou o curativo e disse que eu precisava de repouso. Meu pai, me examinando de cima a baixo, balançava a cabeça.

— Minha guerreira… — ele passou a mão de leve no meu cabelo, evitando o curativo. — Podia ter sido muito pior.

— Mas não foi. — respondi, lançando um olhar rápido para Matheo, que retribuiu com um daqueles sorrisos que pareciam guardar segredos.

Giovanni suspirou.

— Acho que vou ter que me acostumar com a ideia de ter outro homem para me dar dor de cabeça nessa família, Helena é uma bomba, e agora com isso me deixa maluco.

— Dois. — Matheo corrigiu, olhando direto para mim. — Porque ela não é mulher de dar sossego.

Giovanni riu, mas balançou a cabeça como quem já previa que aquilo ia dar trabalho. Eu, por minha vez, só deitei de volta na maca… sentindo que, por mais que a situação fosse caótica, uma parte de mim não queria que ele fosse embora.

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Comments

bete 💗

bete 💗

cada capítulo uma surpresa ❤️❤️❤️❤️❤️

2025-08-16

0

Marilia Carvalho Lima

Marilia Carvalho Lima

👏👏👏

2025-08-22

0

Fatima Gonçalves

Fatima Gonçalves

É UMA MARAVILHASASA

2025-08-22

0

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