A madrugada estava fria quando Isabela desceu do ônibus.
O salto alto castigava os pés, e a sacola de papel com comida quente esquentava-lhe as mãos. Era um ritual: levar algo da rua para não precisar cozinhar e acordar Sofia com o cheiro.
O prédio onde moravam rangia com o vento. As paredes tinham manchas de umidade, e o portão enferrujado fazia um barulho agudo ao abrir.
— Bela! — a voz de Sofia soou animada assim que a porta se abriu.
A menina, agora com quatorze anos, usava um moletom largo e o cabelo preso num coque desajeitado. Os olhos verdes — tão parecidos com os da mãe e os dela — brilharam quando viram a sacola.
— Trouxe pastel? — perguntou, já espiando dentro.
— Trouxe pastel e sopa — disse Isabela, fingindo leveza. — E um doce de leite, porque eu sei que você não resiste.
Sentaram-se à pequena mesa, onde a pilha de cartas não abertas e contas vencidas formava um bloco silencioso no canto.
Enquanto comiam, Sofia pigarreou, como quem prepara um pedido.
— Bela, a professora disse que precisa levar amanhã o dinheiro pra excursão de história… vinte reais. E… — ela hesitou — também preciso de um sapato novo. O meu tá com o solado soltando, e todo mundo na escola reparou.
Isabela engoliu seco, pousando o garfo.
— Tá, a gente vê isso.
Sofia sorriu, mas logo mudou de assunto, falando sobre a escola, as amigas, e um trabalho de ciências. Isabela tentava acompanhar, mas o olhar insistia em voltar para a pilha de contas.
Aluguel atrasado. Luz com aviso de corte. Água vencida.
Ela respirou fundo, apoiando o queixo na mão.
Sete anos sustentando as duas. Sete anos se virando sem ajuda de ninguém.
E agora… aquele homem aparecia com promessas e ameaças disfarçadas de soluções.
Por mais que odiasse admitir, as palavras dele ecoavam como um sussurro perigoso:
"Sofia teria as melhores escolas, roupas, médicos… e você nunca mais precisaria trabalhar aqui."
Isabela olhou para a irmã, rindo de alguma piada interna, e sentiu o peso de uma verdade que começava a se formar:
talvez ela já estivesse sem opções.
.....
O sol mal tinha passado das nuvens quando alguém bateu à porta.
Isabela, ainda de camisola, olhou pelo olho mágico e o coração disparou.
Terno preto. Mãos nos bolsos. Olhar fixo.
Lorenzo Valenti.
Por um segundo, pensou em fingir que não estava em casa.
Mas a segunda batida veio mais forte, mais autoritária.
— Isabela — a voz dele atravessou a porta, firme. — Abra.
Ela respirou fundo e girou a chave.
— Você é louco de aparecer aqui.
Lorenzo entrou sem pedir permissão, o olhar percorrendo o pequeno apartamento.
Notou o sofá gasto, a mesa com as contas acumuladas, a parede descascada perto da janela. Não comentou nada, mas Isabela percebeu o julgamento silencioso.
— Sofia está? — ele perguntou, como se já soubesse a resposta.
— Na escola. E não quero você falando dela.
Ele se virou para encará-la.
— Então vamos falar de você.
— Não temos nada pra falar — retrucou, cruzando os braços.
Lorenzo se aproximou, diminuindo a distância.
— Ontem eu fiz uma proposta. Você riu. Hoje, vou repetir. — Fez uma pausa. — Casa comigo, Isabela.
Ela soltou uma risada nervosa.
— Você acha que pode aparecer aqui, mandar eu casar com você e pronto?
— Não acho. Eu sei. — Os olhos dele brilhavam com uma confiança desconcertante. — Porque, no fundo, você já está considerando.
Ela franziu o cenho.
— Tá sonhando.
Lorenzo deu um passo para trás, como quem decide mudar de estratégia.
— Vou simplificar: você diz sim, e Sofia tem um futuro que você sozinha não pode dar. Você diz não… e continua aqui, contando moedas e vendo ela usar sapatos rasgados.
As palavras cortaram mais fundo do que ela queria admitir.
— Isso é chantagem.
— Não — ele respondeu, calmo. — Isso é um acordo. Você ganha, eu ganho.
Isabela ficou em silêncio, tentando não mostrar o quanto ele a afetava.
— Por que eu? — ela finalmente perguntou.
Ele hesitou apenas um segundo, antes de responder:
— Porque você é a única que eu quero.
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Atualizado até capítulo 71
Comments
Diane 💝
Ele quer se redimir pelo acidente ou está apaixonado🤔🤔
2025-08-12
0
Fatima Gonçalves
VAMOS VER
2025-08-14
0