Você não percebe.mais cada gesto meu é pensando para provocar algo em você.
Você acha que me olha como qualquer outra pessoa. Mas, Josefina, não existe nada em mim que possa ser visto de forma inocente. Cada vez que cruza seus olhos com os meus, eu já estou lendo o que não diz, percebendo o que não admite, e, principalmente, decidindo o que você vai sentir a seguir. É isso que um olhar calculado faz — não apenas observa, mas direciona.
Era uma manhã cinza, dessas em que o céu parece pesar sobre a cidade. A empresa estava silenciosa, com um ar quase preguiçoso. Mas eu não funciono assim. Dias como este me dão ainda mais vantagem. As pessoas ficam dispersas, mais vulneráveis. E você… ah, você chegou como sempre: passos rápidos, olhar focado, mas com aquela ansiedade sutil que acha que consegue disfarçar.
Do momento em que atravessou a porta até sentar-se, eu já havia anotado mentalmente três coisas: a forma como ajeitou a blusa ao perceber que alguém a olhava; o modo como segurou os papéis junto ao corpo, como se fossem uma proteção; e aquele breve instante em que buscou meus olhos, apenas para enviá-los logo em seguida. Foi ali que decidi que hoje eu não iria apenas falar com você — hoje, eu iria deixá-la no meu campo.
Meu pai, Eduardo Albuquerque, estava na sala de reuniões com dois diretores. Ele fala pouco, mas cada palavra dele é um peso colocado na mesa. Não há espaço para improviso. Quando me viu, fez um sinal para entrar. Eu sabia que a conversa era sobre projeções e metas, mas, para mim, era sobre outra coisa: presença. Eu participava, respondia, mas meus olhos… meus olhos encontravam você do outro lado do vidro, concentrada na sua tela, completamente alheia ao fato de que estava sendo estudada.
Regra número um: nunca desperdiçar um olhar.
Olhar sem propósito é desperdício. Cada vez que nossos olhares se cruzam, você precisa sentir que há algo ali — uma pergunta não feita, uma resposta velada. Eu espero o momento certo. Não é quando você está pronta. É quando você está distraída.
Quando a reunião terminou, saí da sala devagar, como quem não tem pressa. Passei por trás da sua mesa. Não falei nada. Mas deixei que meu passo diminuísse o suficiente para que você sentisse minha presença. Você não olhou. Claro que não. Mas eu vi o movimento quase imperceptível de sua mão apertando a caneta. É assim que começa: o corpo reage antes da mente.
Às dez e meia, vi você levantar para ir à copa. Esperei dois minutos. Depois fui atrás. Você estava de costas, enchendo o copo de água.
— Não é dia para água — eu disse, encostando-me à bancada. — Água é neutra demais.
Você se virou, confusa. — Como assim?
— Dias cinzas pedem algo mais forte. — Olhei direto nos seus olhos. — Café, talvez.
Você hesitou. E foi exatamente nesse segundo que segurei seu olhar. Não com intensidade exagerada, mas com a calma calculada de quem sabe que vai ganhar. Você piscou primeiro. Sempre me divirto quando isso acontece.
Fiz o café. Coloquei na sua frente. — Tenta.
Você bebeu um gole, talvez para encerrar logo a cena. Mas eu não me movi. Continuei ali, observando. É desconfortável no início, não é? Essa sensação de ser medida, pesada, lida. Mas é isso que quero. Regra número dois: manter contato visual até que o outro sinta necessidade de desviar. E, quando desvia, sabe que cedeu.
No almoço, minha mãe, Vera Vidal, apareceu. Ela gosta de estar por perto quando algo a intriga. Passou pelo setor, cumprimentou todos com aquele charme que não engana ninguém e parou na minha mesa.
— Está quieto hoje.
— Estou observando.
Ela seguiu meu olhar e encontrou você. Sorriu, quase imperceptível.
— Entendi.
E foi embora, como se não tivesse dito nada. Mas Vera não precisa dizer muito. Ela entende meu método. Ela sabe que, às vezes, uma palavra a menos vale mais que um discurso.
De volta à rotina da tarde, vi você concentrada em um relatório. Passei pela sua mesa e deixei um papel ao lado, sem explicação. Você olhou para ele e depois para mim. Eu não disse nada. Apenas sustentei o olhar por três segundos — não mais, não menos — e fui embora.
Regra número três: deixar perguntas abertas. Quanto mais você pensa no que não entende, mais espaço me dá para entrar.
No final do expediente, você estava guardando suas coisas. Eu estava encostado na porta da minha sala, falando com outro gerente. Entre uma frase e outra, olhei para você. Não foi um olhar longo, mas foi suficiente para que você se atrapalhasse ao fechar a bolsa. Esse é o tipo de reação que me diz que estou no caminho certo.
Enquanto você saía, cruzei o corredor em direção à saída. Passei perto o bastante para que nossos ombros quase se tocassem.
— Boa noite, Josefina.
Você respondeu, mas sua voz teve uma leve quebra no final. Pequena, mas perceptível para quem sabe ouvir. E eu sempre sei.
Regra número quatro: transformar olhares em expectativa.
Agora, você não sabe quando vai me ver olhando novamente. Isso cria atenção. Você se pega procurando, mesmo que inconscientemente. É assim que a presença se instala.
Na manhã seguinte, antes mesmo de eu dizer algo, você me olhou quando entrou. Só por um segundo, mas olhou. Eu sorri para mim mesmo. Já estava acontecendo.
O resto do dia, Josefina, foi apenas manutenção do território. Olhares cronometrados, aproximações medidas, silêncios estratégicos. Tudo para que, quando você pensar em mim, não consiga separar a imagem da sensação — e quando pensar na sensação, lembre do olhar.
Um olhar calculado, afinal, não é apenas sobre ver. É sobre conduzir. E, agora que você sabe disso, já está tarde demais para escapar
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 41
Comments