Um Narcisista Apaixonado
(narrado por Leon Albuquerque)
Eu me apresentou,conto a minha vida confortável na empresa do meu pai,e como você apareceu pela primeira vez.
Você não percebeu o instante exato em que atravessou a fronteira invisível.
Talvez tenha sido no elevador, quando nossos olhares se encontraram pela primeira vez — o seu, carregado de uma ingenuidade teimosa; o meu, treinado para reconhecer vulnerabilidades como um joalheiro reconhece um diamante bruto. Talvez tenha sido antes, quando seu nome apareceu na lista de novas contratações e eu, curioso, decidi memorizar cada letra. Josefina. Um nome suave, mas com uma força escondida.
Você ainda não sabia quem eu era. Claro, talvez tenha ouvido falar do sobrenome Albuquerque. Ele carrega peso. E não apenas pelo império que meu pai, Eduardo Albuquerque, ergueu com mãos de ferro e uma frieza que eu herdei sem esforço, mas também pela forma como nossa família circula como se o mundo fosse um salão particular. Minha mãe, Vera Vidal, adora reforçar isso em cada evento social: “Os Albuquerque não se misturam, eles selecionam.” Eu aprendi cedo que selecionar é mais do que escolher — é dominar.
Naquele primeiro dia, você parecia deslocada entre as paredes de vidro e aço da empresa. A camisa levemente amarrotada denunciava que você correu para não se atrasar. As mãos nervosas seguravam uma pasta, mas os olhos… ah, os seus olhos não mentiam. Eles observavam tudo, tentando entender onde havia acabado de cair. E foi aí que eu percebi: você tinha entrado no meu território.
— Você é Josefina, certo? — perguntei, apenas para confirmar o óbvio.
— Sim. — a sua voz saiu firme, mas com um atraso quase imperceptível.
Esse atraso foi suficiente para eu entender que você mede suas respostas. Bom. Eu gosto de quem pensa antes de falar, mas gosto mais ainda de quem acredita que pode esconder algo de mim.
Meu pai passou por nós no corredor logo depois. Ele é o tipo de homem que não perde tempo com apresentações desnecessárias. Olhou para você de cima a baixo, um gesto que mais avaliava do que cumprimentava, e seguiu adiante. Eduardo Albuquerque não aprova distrações no ambiente de trabalho. Ele me criou para ser como ele — implacável. Mas naquele dia, ao ver você, percebi que talvez houvesse espaço para uma distração. Uma distração cuidadosamente calculada.
Convidei você para tomar um café na sala de reuniões vazia. Não era exatamente um convite — era um teste. O modo como você hesitou antes de aceitar confirmou o que eu já sabia: você não está acostumada a recusas diretas. Isso me deu uma vantagem imediata.
— Trabalhar aqui pode ser… desafiador — eu disse, observando o modo como você segurava a xícara.
— Eu gosto de desafios — você respondeu, erguendo o queixo.
Eu sorri. Não porque estava encantado, mas porque entendi que você ainda não fazia ideia de até onde esse desafio poderia ir.
Naquela noite, em casa, mencionei você casualmente durante o jantar.
— Contrataram alguém novo? — minha mãe perguntou, interessada apenas porque adora ser a primeira a saber.
— Josefina. Jovem. Parece determinada. — Respondi, cortando a carne com a precisão de um cirurgião.
— Determinada… ou teimosa? — ela provocou, com aquele sorriso que sempre esconde veneno.
Meu pai nem levantou os olhos do prato. Para ele, nomes novos são peças de um tabuleiro que ele controla. Mas eu percebi o brilho quase imperceptível no olhar de Vera. Minha mãe sabe ler pessoas tão bem quanto eu. Talvez até melhor. E isso me fez decidir que você não seria apenas uma funcionária. Você seria meu próximo experimento.
Nos dias seguintes, aproximei-me de você sem pressa. Narcisistas não se apressam. Eles constroem o palco, posicionam as luzes, e só então entram em cena. Perguntava sobre projetos, elogiava pequenas coisas — “bom trabalho na apresentação” — mas também deixava críticas sutis: “Você parece cansada, deveria cuidar mais de si.” Cada palavra, cada pausa, tinha um objetivo. Aos poucos, você começou a esperar pela minha aprovação. Eu vi isso nos seus olhos quando eu entrava na sala.
Certa tarde, encontrei você no refeitório, sozinha.
— Posso? — perguntei, puxando a cadeira sem esperar resposta.
— Claro. — sua voz estava mais suave do que no primeiro dia.
Falamos de coisas simples: viagens, livros, música. Mas eu observava mais do que falava. O jeito como você passava o dedo na borda do copo quando estava distraída, como inclinava a cabeça quando algo realmente te interessava. Pequenos detalhes que eu iria usar mais tarde.
Foi nesse ritmo que você entrou no meu mundo sem perceber. Não havia convite formal, não havia anúncio. Era como mergulhar em águas mornas: primeiro os pés, depois os joelhos, até que, quando percebe, já está submersa.
E então veio o primeiro momento em que realmente testei você. Um relatório importante precisava ser entregue até o fim do dia. Eu sabia que o prazo era impossível. Mas coloquei a tarefa nas suas mãos, olhando diretamente para você.
— Confio que vai dar conta. — disse, como se fosse um favor.
Você trabalhou até depois do horário, as luzes do escritório já apagadas em quase todos os andares. Quando finalmente terminou, me enviou o arquivo e um simples “pronto”. Eu não elogiei. Apenas respondi: “Recebido.” E no dia seguinte, agi como se nada tivesse acontecido. Esse é o segredo: não recompensar esforço imediato. Isso cria em você uma fome pela minha validação.
Meu pai percebeu algo. Não perguntou, mas sei que observava. Eduardo Albuquerque tem um faro quase animal para mudanças no ambiente. E minha mãe… ah, minha mãe se aproximou de você. Um gesto raro. Vera Vidal não desperdiça tempo com qualquer um.
— Josefina, você é amiga do Leon? — ela perguntou, como quem fala de clima.
— Estamos trabalhando juntos. — você respondeu, simples.
— Trabalhar com o Leon pode ser… intenso. — ela disse, com aquele tom enigmático que deixa a pessoa sem saber se recebeu um aviso ou um elogio.
Eu ouvi essa conversa de longe. Sorri. Você já estava sendo avaliada pela minha família. E, mesmo sem perceber, isso te prendeu mais. Porque, no fundo, todos querem ser aceitos pelo círculo que parece inalcançável.
A cada dia, eu oferecia migalhas e retirava banquetes. Um sorriso, depois silêncio. Uma frase de incentivo, depois uma crítica velada. Até que, certa noite, você me enviou uma mensagem — simples, direta:
"Está tudo bem?"
Era isso. Você queria saber se eu estava bem. Não, Josefina, a pergunta real era: "Ainda tenho o seu favor?"
Você não entendeu, mas essa foi a prova final. A partir dali, eu soube que você já estava do outro lado. No meu mundo, Josefina, não há volta.
E aqui, as regras são minhas.
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Atualizado até capítulo 41
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Ana Alves Pereira
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2025-08-19
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