Recordo o dia em que você veio na minha sala com um relatório.E o café que eu pedi foi apenas um teste.
Você não sabia, mas aquele café que eu te ofereci foi mais do que um simples gesto de cortesia. Foi o primeiro movimento real no jogo que eu decidi jogar com você. E, como todo bom movimento inicial, ele foi planejado muito antes de você sequer desconfiar.
Era uma manhã morna, dessas em que o sol entra pelas janelas da empresa com uma luz suave, dourada, quase enganosa. Você chegou pouco depois das nove, carregando aquela pasta com documentos que parecia um pouco pesada demais para alguém da sua estatura. Seus passos eram medidos, seu olhar, concentrado, mas eu percebi — claro que percebi — a hesitação sutil quando cruzou a porta do setor. É nessa hesitação que eu trabalho.
Eu estava encostado na moldura da porta da minha sala, conversando com um dos gerentes, mas meus olhos não se fixaram nele. Observavam você. O modo como ajeitou o cabelo antes de sentar. O jeito como colocou a pasta na mesa, alinhando-a com precisão quase obsessiva. Você queria parecer segura, mas suas mãos diziam outra coisa.
Meu pai, Eduardo Albuquerque, cruzou o corredor nesse instante. Ele é um homem de presença imponente, mas direta. Trocou poucas palavras comigo, mais sobre resultados do que sobre pessoas. É engraçado como ele finge não se importar com as minúcias, mas foi ele quem me ensinou a observar.
Ele me criou para entender que o poder real está nos detalhes — e naquele momento, o detalhe era você.
Esperei. Não me aproximei logo. Regra número um: criar contexto antes do contato. É preciso que o momento pareça casual, embora nada nele seja. Eu sabia que, por volta das dez, você iria levantar para buscar água na copa. Era sempre assim. E, às dez e dois, lá estava você, com o copo na mão, observando pela janela o movimento lá fora.
— Café? — perguntei, surgindo atrás de você com a minha caneca já cheia.
Você se virou, surpresa. Não pela oferta, mas pelo fato de eu estar ali.
— Ah… não, obrigada. Eu prefiro chá.
— Mas hoje é diferente — disse, com um sorriso leve. — Hoje, eu vou te convencer que um bom café muda qualquer dia.
Fui até a cafeteira. Coloquei o pó que eu mesmo trouxe de casa — forte, encorpado, levemente amargo. Não era o café que a empresa servia. Era melhor. Peguei uma segunda caneca, despejei o líquido escuro e perfumado, e entreguei para você como se estivesse oferecendo algo valioso. E, no fundo, estava.
Você segurou a xícara com as duas mãos, como se o calor fosse necessário.
— Cuidado, está quente.
— Eu sei — você respondeu, mas seu olhar dizia que não sabia se estava falando do café ou de mim.
Voltamos para nossas mesas, mas a minha atenção continuava em você. Eu observava o momento em que levou a xícara à boca, o leve franzir de sobrancelhas na primeira prova, seguido por um quase imperceptível relaxamento nos ombros. Você gostou, mesmo que não fosse admitir. E isso me fez sorrir internamente.
Mais tarde, no almoço, minha mãe, Vera Vidal, apareceu no setor. Ela não veio por acaso. Ela sempre sabe quando me interesso por algo — ou por alguém. Ela passou por mim, lançou um olhar rápido para você e depois para a caneca que ainda estava sobre sua mesa. Não disse nada, mas o sorriso que deu foi suficiente para eu entender que ela havia percebido a movimentação.
— Então essa é a nova assistente do projeto? — ela perguntou, com voz doce, mas carregada de curiosidade.
— É, sim. A Josefina.
Ela se aproximou de você. — Seja bem-vinda, querida.
Você agradeceu, ainda um pouco desconcertada. Vera se afastou devagar, mas eu sabia que ela iria me questionar mais tarde. Ela conhece as minhas táticas melhor do que qualquer pessoa.
No meio da tarde, eu decidi o próximo passo. Regra número dois: não deixar que o gesto se perca no esquecimento. Levantei, fui até sua mesa e me inclinei levemente, o suficiente para que você pudesse sentir minha presença.
— Então… o café passou no teste?
Você sorriu, tímida. — É… até que sim.
— “Até que sim” é o começo de um vício, Josefina.
Você riu. Mas não foi qualquer riso. Foi aquele riso que vem acompanhado de um leve desvio de olhar, como se não quisesse admitir que já estava mais envolvida do que deveria.
Às cinco da tarde, quando o expediente estava quase no fim, você começou a guardar suas coisas. Eu esperei até o último segundo para falar:
— Amanhã, eu trago outro.
— Outro café?
— Outro motivo para você vir trabalhar cedo.
Não era uma pergunta. Era uma afirmação. Uma promessa velada. Eu sabia que, de alguma forma, isso iria ficar na sua mente até o dia seguinte. E, se você viesse cedo, eu teria vencido a primeira rodada.
Cheguei antes de todos no outro dia. Preparei dois cafés. O meu e o seu. Coloquei açúcar no seu, lembrando que você não gosta dele muito amargo. Quando você entrou, olhou surpresa para a caneca sobre sua mesa.
— Isso é…?
— É o segundo passo. — respondi, e me afastei antes que você pudesse reagir.
A partir daí, Josefina, você começou a entender — ou pelo menos sentir — que nada era por acaso. O café não era só café. Era um ritual. Uma forma de marcar território sem tocar em você. Um convite disfarçado de hábito.
Meu pai, em uma reunião mais tarde, falou sobre “influência” no contexto de mercado. Ele disse:
— Quando você oferece algo com constância, o outro começa a esperar por isso.
Eu olhei para você, na outra ponta da mesa, e percebi que você já esperava o próximo café.
Naquele momento, percebi que o jogo tinha realmente começado. E, como sempre, eu estava três passos à frente. O primeiro café foi apenas o sinal de partida.
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Atualizado até capítulo 41
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