Detalhe como notei a sua forma de sorrir e como decidir que, você seria meu novo projeto.
Não aquele sorriso educado, automático, que se dá a qualquer pessoa no corredor. Não. O seu foi diferente. Um pouco tímido, mas com aquele traço de curiosidade que não se pode disfarçar. Como se, por um segundo, você tivesse esquecido que sorrisos podem custar caro.
Você não sabia, mas eu coleciono erros alheios. É quase um hobby. Cada deslize, cada fraqueza que alguém deixa escapar, eu guardo. Porque é nesse ponto exato que se encontra a fresta para entrar. E o seu sorriso foi a porta inteira aberta.
Era segunda-feira, e o céu parecia pesado demais para aquela hora da manhã. Você chegou cedo, mais do que o necessário, e ainda assim parecia com medo de estar atrasada. Os cabelos um pouco desalinhados, um caderno apertado contra o corpo como se fosse um escudo. Você passou por mim no corredor e — ali — cometeu o erro. Eu capturei aquele instante como se fosse uma fotografia.
Eu não retribuí. Apenas observei. E, nesse silêncio, plantei uma semente. Você esperou, ainda que sem perceber, alguma reação minha. Não veio. E foi justamente por isso que, dali em diante, cada vez que me encontrasse, você se lembraria daquele momento não correspondido.
Meu pai, Eduardo Albuquerque, sempre diz que o poder não está em falar, mas em saber quando calar. E eu aprendi bem essa lição. Foi ele quem construiu a empresa, quem moldou o sobrenome para que fosse sinônimo de influência e medo. Cresci vendo-o cortar pessoas da nossa vida com a mesma frieza com que corta contratos. Cresci entendendo que quem sorri primeiro já está em desvantagem.
Mas você não sabia disso.
Naquele dia, ao meio-dia, nos encontramos novamente — desta vez na sala de reuniões. Você estava sentada perto da janela, folheando uns papéis que, claramente, não tinham a sua atenção. Quando entrei, você ergueu os olhos e, por um segundo, pareceu querer repetir o sorriso. Mas se conteve. Interessante. Já estava aprendendo.
— Josefina, não é? — perguntei, como se fosse a primeira vez que via seu rosto.
— Sim — respondeu, com um tom neutro que eu sabia ser ensaiado.
— Novo departamento?
— Sim, na área de marketing.
Eu apenas assenti, sem mais perguntas. Silêncio. Observei o desconforto se espalhar. Você queria preencher o espaço, mas não sabia com o quê. Eu deixei o momento amadurecer.
Mais tarde, no café, encontrei você sozinha. Peguei minha xícara e me aproximei, sentando sem pedir.
— Café puro? — perguntei, apontando para o seu copo.
— Sim, sem açúcar.
— Hábito raro. — disse, como se fosse um elogio, mas sem sorrir.
Você não percebeu, mas essa foi a primeira vez que eu te dei algo: a sensação de ser especial por um detalhe banal.
Em casa, durante o jantar, comentei casualmente sobre a “nova funcionária” com minha mãe, Vera Vidal. Ela ergueu uma sobrancelha, aquele gesto que significa mais do que qualquer frase.
— Nova e já chamando a sua atenção? — perguntou, cortando um pedaço pequeno de salmão.
— Apenas… interessante. — respondi.
Meu pai nem olhou. Mas eu sabia que ele estava ouvindo. E sabia também que, a partir daquele momento, Josefina não seria apenas alguém no meu trabalho. Você seria parte de uma narrativa que eu estava disposto a escrever.
Nos dias seguintes, comecei a testar você. Pequenos atrasos nas respostas de e-mail, interrupções sutis no meio das suas frases, olhares que se desviavam no momento em que você tentava me encarar. Você começou a me observar mais do que deveria. Eu percebi quando seu corpo ficava levemente rígido quando eu entrava na sala. Esse é o ponto em que a curiosidade começa a se confundir com vigilância.
Certa tarde, pedi que viesse à minha sala para “discutir um projeto”. A porta fechada criou um isolamento quase palpável.
— Seu trabalho está bom — comecei, pausando antes do “mas” que não veio.
Você me olhou, esperando o complemento, talvez uma crítica.
— Continue assim. — finalizei, voltando para meus papéis.
O silêncio que ficou depois da sua saída foi quase tão satisfatório quanto o seu sorriso inicial.
O segundo erro foi achar que o primeiro não tinha importância.
No final da semana, eu já sabia a que horas você chegava, por onde passava, quais eram seus hábitos. Não porque eu precise saber — mas porque o conhecimento é poder, e o poder precisa ser alimentado. Um dia, te vi conversando com um colega, rindo de algo que ele disse. Uma risada leve, quase igual à que você me deu no corredor naquela segunda-feira. E percebi que não gostei. Não que eu tenha ciúmes — ciúmes é para amadores. Eu apenas não gosto de dividir recursos que já considerei meus.
Então, mudei de estratégia.
No almoço de segunda-feira seguinte, me sentei ao seu lado sem aviso.
— Como foi o fim de semana? — perguntei, como se fosse trivial.
— Tranquilo. — você respondeu.
— Tranquilo… ou solitário? — acrescentei, lançando a isca.
Você franziu a testa, tentando entender se aquilo era uma provocação ou interesse genuíno. E foi aí que percebi: você não sabia mais ao certo qual papel eu estava desempenhando. Essa confusão é a chave.
Minha mãe, certa noite, comentou:
— Você anda… mais atento.
— Talvez. — respondi, servindo-me de vinho.
— É sobre a Josefina, não é? — disse, quase como uma afirmação.
— É sobre como as pessoas entregam mais do que percebem. — falei, sem tirar os olhos da taça.
Ela sorriu de um jeito que só ela sabe.
— Cuidado para não se distrair. — aconselhou.
Mas, para mim, distração e estratégia podem ser a mesma coisa.
Com o tempo, percebi que você já não sorria para mim como antes. O que para muitos seria uma perda, para mim era prova de que o jogo estava funcionando. Você já não agia com naturalidade perto de mim. Pesava as palavras, controlava os gestos, e isso significava que eu tinha conquistado espaço na sua mente.
Até que, numa tarde chuvosa, aconteceu. Você bateu na porta da minha sala e entrou, com um arquivo na mão. Entregou-o sem dizer nada. Quando eu agradeci, seus olhos me fitaram por mais tempo do que deveriam. E então, como se fosse inevitável, você sorriu.
Não o mesmo sorriso do primeiro dia. Não. Este tinha uma mistura perigosa: cautela e rendição. Como se você soubesse que, apesar de tudo, ainda havia algo em mim que te puxava para mais perto.
Foi aí que tive certeza. Você não tinha apenas cometido um erro naquele primeiro dia. Você tinha começado uma história que, daqui em diante, eu controlaria.
E, Josefina, no meu mundo, todo sorriso tem um preço.
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Atualizado até capítulo 41
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