Olhos De Um Universo Inteiro

🎵 Trilha Sonora: Taylor Swift - Enchanted

Ela surgiu como um cometa atravessando minha noite — e tudo que veio depois foi escuridão.

Não sei descrever o instante em que a vi, senão como uma colisão. O coração colapsou, a razão evaporou, e tudo que restou foi ela.

Havia algo em seus olhos que me desarmava.

Eram abismos claros e insondáveis, onde estrelas vivas pareciam implodir em silêncio. A promessa de um universo inteiro pulsava ali dentro, mas também... também uma dor tão funda que parecia antiga, como se ela carregasse os escombros de vidas passadas.

Quando me aproximei, sentia que caminhava por sobre o fio de uma navalha. Cada passo um risco, cada olhar uma sentença. E mesmo assim, fui.

Porque nada no mundo me faria parar.

Segurei sua mão com dedos trêmulos. O toque era brando, mas havia eletricidade debaixo da pele.

Levei-a comigo para longe das fogueiras, não porque quisesse escondê-la, mas porque o mundo era barulhento demais — e tudo em mim gritava apenas por ela.

Ali, sob a sombra das árvores e o perfume das flores que os elfos haviam feito brotar horas antes, eu a escutei.

— Me desculpa — disse, baixinho. — Por ter fugido ontem daquela maneira.

Ah, se ela soubesse… se tivesse ideia da ausência que deixou quando partiu.

Aquela palavra, desculpa, soou absurda. Ela havia me deixado, sim, mas também havia me dado algo com sua partida: a verdade de um sentimento que nem a ausência apaga.

— Você não precisa se desculpar — respondi, sem hesitar.

Mas a tristeza permaneceu em seus olhos.

Era como se carregasse grilhões invisíveis — e mesmo assim sorrisse.

Como se o destino estivesse cravado em sua espinha, e ela já soubesse que não poderia se desviar.

— É melhor você me esquecer, Cardan. Seguir sua vida.

Minha mão segurou a dela com firmeza, puxando-a para perto. Nossos corpos colidiram, e eu a beijei. Sem permissão, sem planos, sem desculpas. Só… beijei.

Longo. Profundo. Feroz.

Um beijo que não pedia licença, que não se curvava.

Um beijo que exigia tudo — e entregava ainda mais.

A boca dela era um santuário. Um campo de batalha. Um presságio.

Quando nossas testas se tocaram, senti que o mundo parava.

Era só ela. Só nós dois.Nossos narizes se tocaram quando me afastei, tentando respirar, o coração martelando como um trovão dentro do peito.

— Ainda não acabei — sussurrei, e a beijei de novo. Mais lento. Mais doce. Como se o mundo dependesse disso.

Mas então... a realidade se intrometeu.

Um elfo surgiu — túnica nobre, expressão amarga. Puxou-a pelo braço com brutalidade velada. Repreendeu-a como quem se julga dono do que não entende.

— Tire as mãos dela — rosnei.

Ele riu.

Arrogante. Seguro. Estúpido.

Minha espada saiu da bainha antes que eu percebesse, com a lâmina refletindo a luz da fogueira que ainda tremeluzia ao longe.

Mas ela se colocou entre nós.

— Não. Por favor, Cardan.

Sua voz não era um pedido. Era um desespero.

— Vai embora.

— Não vou te deixar com ele.

— Vai. Embora. — E então ela olhou nos meus olhos, cravando neles uma dor que me partiu em pedaços.

— Anda logo sua Vadia. — Cuspiu o Elfo.

— Não venha atrás de mim, Cardan. Por favor.

E foi.

Levando tudo com ela.

Fiquei ali, com a lâmina ainda erguida, o peito arfando, o coração explodindo.

E o lenço no bolso… cheirando a um perfume que eu sabia que nunca mais esqueceria.

O vinho escorria em minha garganta como se fosse bálsamo, mas não havia sabor, nem cor, nem alívio. Só havia a ausência dela.

Fiquei ali, parado diante da fogueira, com a música dos elfos girando em torno de mim como uma dança de espectros. As risadas, os passos ritmados, o brilho dourado do fogo refletido nas túnicas dos convidados... Tudo parecia vibrar num mundo que já não me pertencia. Eu estava fora de eixo — um cometa preso entre constelações que me lembravam os olhos dela.

A taça estava quase vazia quando o senti — aquele vazio que começa na boca do estômago e se espalha como veneno lento. Ela havia ido embora. Com aquele nobre de merda. E pior... ela me pedira para não ir atrás. Como se fosse possível.

Mas eu a vi. Vi o que ninguém mais viu.

Vi o tremor discreto em seus lábios, o silêncio entre suas palavras, os olhos ardendo como estrelas à beira do colapso. Ela queria partir... mas não queria que eu a deixasse ir.

Me afastei da multidão como um exilado em sua própria terra. E então o raciocínio se formou, lento, mas letal. Eu não suportaria vê-la se afastar de novo. Não sem lutar. Não sem uma última vez.

Vi os cavalos amarrados próximos à cerca viva do bosque. A lua prateava as crinas deles com suavidade, e o mais escuro de todos — um garanhão de pelo negro e olhos inteligentes — me fitou como se já soubesse. Aproximei-me sem hesitar. Afaguei seu pescoço e montei. Não levei armadura, nem luvas. Só a raiva latejando no peito, e o desejo de resgatá-la antes que ela fosse sugada para um destino que não era o dela.

Galopamos como se o próprio tempo nos perseguisse. Eu sentia o vento cortar minha túnica, os arabescos prateados pulsando com a luz da noite, como runas antigas que sabiam que o que eu estava prestes a fazer mudaria tudo.

E então a vi.

Ainda em meio ao bosque, sob a luz do luar filtrada pelas árvores, o nobre falava algo próximo a ela, rindo com desdém enquanto segurava o braço dela com mais força do que eu permitia a qualquer homem sequer sonhar em fazer. Ela mantinha o rosto erguido, mas seus olhos... não estavam ali. Estavam em mim, mesmo que ela não soubesse.

Apertei as rédeas.

— Solte-a. — minha voz rompeu o silêncio como uma espada embainhada com brutalidade.

O nobre virou-se, arrogante. — Não tem nada a ver com você, príncipe. Ela está sob minha custódia.

— A única coisa sob sua custódia é a sua ignorância.

E então, antes que ele dissesse qualquer outra palavra estúpida, fiz o cavalo avançar. Com um puxão rápido, estendi o braço e a ergui da terra como uma pluma viva, sentindo o corpo dela encaixar-se contra o meu. Ela gritou meu nome, surpresa, o coração disparado, os olhos arregalados entre o medo e a emoção.

— Cardan, o que você está fazendo?!

— O que deveria ter feito ontem à noite.

O nobre gritou algo, mas o vento tragou suas palavras enquanto nos afastávamos. Eu sentia o calor do corpo dela junto ao meu, seus cabelos roçando meu pescoço, os dedos pressionando meu peito como se ela ainda estivesse em dúvida se deveria se permitir estar ali.

Mas eu não deixaria espaço para dúvidas.

— Você enlouqueceu — ela sussurrou, mas não tentou saltar. Não me empurrou. Estava tremendo, mas era de emoção.

— Talvez. Ou talvez tenha acabado de acordar.

Cruzamos o campo como flechas. O castelo surgiu no horizonte, suas torres prateadas brilhando como faróis de um destino que ainda nos aguardava.

Ao atravessar os portões, não esperei por criados nem explicações. Levei-a comigo, direto até o salão inferior, onde as tochas ardiam com força e o silêncio imperava. Pousei-a no chão como se fosse feita de vidro, mas segurei sua mão com firmeza.

— Não vou te forçar a nada — minha voz saiu baixa, rouca — mas não me peça para deixá-la de novo. Porque agora que te vi ir embora... não consigo mais suportar a ideia.

Ela me olhou. E aquele silêncio entre nós foi mais eloquente que qualquer discurso.

Seus olhos pareciam galáxias em colapso.

E eu? Eu só queria naufragar neles.

Subimos em silêncio pela ala leste, onde os aposentos do castelo repousavam em penumbra, como se o tempo ali se arrastasse mais devagar. O ranger das botas ecoava nos corredores de pedra, entre tapeçarias velhas que dançavam ao toque do vento filtrado pelas janelas estreitas. Ela caminhava à minha frente, envolta no tecido rasgado e encharcado de lama, como uma aparição desajustada ao cenário de mármore e ouro.

Estalei os dedos quando paramos diante de uma das portas de carvalho. A magia se curvou à minha vontade e a fechadura cedeu com um clique seco. Empurrei a porta e a conduzi para dentro do quarto de hóspedes — não luxuoso, mas suficientemente digno. Um banho quente já fumegava numa tina de cobre ao canto, o vapor subindo como se quisesse purificá-la antes mesmo que ela se despisse.

— Lave-se. — minha voz saiu firme, mas sem dureza. — Está coberta de bosque, lama... e lembranças que não lhe pertencem.

Apontei com o queixo para o armário ao lado da lareira.

— Dentro há vestidos que foram da rainha. Ela não os usa mais, e você pode escolher o que quiser. Fique à vontade.

Ela me olhou, hesitante. Ainda parecia desconfiada. Não a culpei por isso.

Inclinei-me e beijei sua testa — uma tolice íntima que escapou do cálculo. A pele dela estava fria. Quieta.

— Estarei do lado de fora. Chame-me quando terminar.

Saí antes que minha vontade me traísse.

Fechei a porta atrás de mim e me encostei à parede oposta, cruzando os braços. O corredor estava silencioso, à exceção do estalar ocasional do fogo distante em alguma lareira acesa. A pedra era fria sob minhas costas, mas meus pensamentos queimavam.

O que diabos eu havia feito?

Roubei-a. Como se ainda fosse aquele bastardo impulsivo das montanhas. Como se ela fosse um símbolo, um lembrete, um erro. Mas havia algo mais naquela garota — algo que me incomodava, e não era apenas a forma como ela me olhava. Era o que eu via quando ela não olhava para mim. Era a ausência de medo, misturada àquela estranha resignação. Não era uma camponesa qualquer.

Um criado passou com passos rápidos e cabeça baixa. Chamei-o com um gesto seco.

— Traga uma bandeja. Frutas, pães, suco... e castanhas. Das boas.

— Sim, meu senhor. — ele respondeu com um aceno e sumiu pelo corredor.

Voltei a encarar a madeira da porta. Sentia o peso dos minutos arrastando-se. Minha mente martelava a pergunta que eu ainda não ousava formular: por que ela?

Havia centenas de mulheres que passavam por mim sem deixar marca. Mas ela... ela parecia ter emergido do próprio solo do bosque, enraizada em algo que me desestabilizava. E eu a trouxe para dentro. Para o castelo. Para o meu mundo.

Talvez, no fundo, eu não quisesse respostas.

Talvez eu só quisesse... redenção disfarçada de resgate.

Ou talvez — e isso era ainda pior — eu já soubesse que ela traria o caos. E, mesmo assim, abri a porta.

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