A Elfa Majestosa

O salão real exalava uma reverência ancestral. Não era apenas a imponência da abóbada talhada em mármore de luz líquida, nem os vitrais gigantes que contavam a história dos Sete Elfos Primordiais — era o que não se via que mais pesava ali.

O cheiro sutil de magia antiga pairava no ar, como flores noturnas desabrochando em segredo.

Pisei no mármore com cuidado. Meus passos calmos, estudados, ressoavam entre os arcos altos. A túnica verde musgo cintilava sob os feixes dourados das luminárias encantadas, e cada movimento meu era observado, medido — não apenas por conselheiros e generais, mas pelos olhos atentos do povo.

Os elfos dos vilarejos vizinhos estavam ali, em trajes solenes, tecidos com fibras naturais e bordados que imitavam galhos, estrelas e raízes. As cores da floresta os envolviam — tons terrosos, verdes suaves, ocres e azuis como a casca de pedra molhada. Suas roupas não brilhavam como as da nobreza, mas possuíam um esplendor silencioso, como o das folhas ao entardecer.

Vinham de Renois, de Leffel, de entremeios esquecidos pelos mapas. Suas presenças eram oferendas vivas à continuidade da aliança com nossa casa real. Quando caminhavam, não se ouvia o som dos passos — como se ainda pertencessem à floresta.

Stefan, meu irmão mais novo, estava à esquerda do trono. Vestia um traje cerimonial com gola alta, meio perdido entre os próprios olhos arregalados e os sorrisos que ensaiava para os convidados. Hipólita, nossa mãe, estava ao lado dele como um rochedo envolto em seda — alta, digna, com sua coroa de espinhos dourados e uma postura que desafiava a própria eternidade.

Meu pai, Hero, já estava à frente do trono, dialogando com o Conselho das Nove Casas. Não havia afeto visível em sua postura. A ele cabia o dever de manter o mundo unido — e a nós, o dever de parecer que estava funcionando.

Caminhei até minha posição à direita da escadaria principal. Guardas élficos com armaduras de folhas petrificadas se alinhavam em cada canto, como estátuas prontas para reagir ao menor sinal de desacato. Os músicos — elfos do norte com dedos finíssimos — tocavam harpas de gelo e cordas de sangue de salgueiro. A melodia era suspensa no ar como uma memória, oscilando entre melancolia e cerimônia.

A primeira dança logo começaria. Eu seria o primeiro a abrir, como ditava a tradição.

E ali, entre centenas de rostos, perfumados com pétalas e pólen de magia leve, eu não sabia ainda quem entre eles me viraria o mundo ao avesso.

Mas senti.

Como o vento que antecede a tempestade.

Como a raiz que racha a terra em silêncio.

O coração dos elfos não pulsa apenas com sangue, mas com memória viva.

E algo — ou alguém — estava prestes a deixar uma marca na minha.

O salão real estava tomado por uma luz dourada que escorria das esferas de cristal suspensas no ar, como se a própria magia antiga da floresta tivesse decidido abençoar aquela noite. Colunas esculpidas em raízes vivas subiam até o teto arqueado, entrelaçadas com cipós floridos que se moviam levemente, como se dançassem ao som da orquestra. O chão, de madeira polida de carvalho prateado, refletia os passos suaves dos convidados. E havia o aroma — um perfume inebriante de lavanda, musgo e poder arcano — que denunciava a presença dos elfos de linhagem pura.

As tribos mais distantes estavam ali. Elfos dos vilarejos do Leste, trajando túnicas finas em tons da floresta; outros de Renois, com joias cravadas em pedras lunares e peles encantadas sobre os ombros. Todos se moviam com uma reverência antiga, como se cada gesto carregasse séculos de tradição e orgulho. A magia era tão palpável que parecia crepitar no ar — uma dança invisível entre os que respiravam natureza e feitiço em igual medida.

Ainda não era rei, mas já caminhava como um. Meus ombros aprendiam o peso da coroa antes mesmo que ela tocasse minha cabeça.

Fui chamado para abrir a dança, e não podia recusar. A tradição exige que o herdeiro da coroa convide a filha de um dos clãs nobres na primeira valsa. Estendi a mão à jovem Alenwë Thindiel, uma elfa de traços etéreos — pele cor de marfim, cabelos dourados trançados com folhas secas encantadas, olhos da cor do âmbar envelhecido. Ela curvou-se com graça e deslizou comigo até o centro do salão.

A dança começou.

Seguimos os passos com precisão quase ritual. Meus olhos fixos nos dela por cortesia e controle, mas meu coração... algo nele já começava a se distrair. Foi no segundo giro, quando os pares se abriram em semicírculo e as portas laterais do salão se escancararam, que a vi.

Ela.

A jovem entrou como se a noite tivesse parado só para vê-la passar. Seu vestido azul-petróleo fluía como água em movimento, feito de um tecido encantado que espelhava o brilho da lua. Os cabelos escuros estavam presos em dezenas de pequenas tranças adornadas com fios de cristal e contas de madeira, caindo por sobre os ombros como galhos rendidos ao vento. O sorriso dela era leve — quase tímido — mas havia uma segurança nos olhos, como se ela já soubesse que mudaria tudo.

Olhou-me.

Por um segundo — um único segundo — nossos olhares se encontraram. E algo dentro de mim estalou. A música continuava, a dança girava, o salão fervilhava... mas minha alma, essa parou.

Eu não sabia seu nome. Não sabia sua história. Só sabia que, mesmo envolto por reinos e obrigações, mesmo cercado por magia e lendas, nunca vira algo tão puro e devastador como a forma como seus olhos azuis se agarraram aos meus.

Alenwë ainda dançava comigo. Mas meu corpo estava ali apenas por dever. Meu espírito já se debatia por uma razão para conhecê-la. Para me aproximar.

Ela.

A dança terminou, os pares se dispersaram. Mas eu já não era o mesmo. E aquela noite estava apenas começando.

O salão ainda vibrava com luz e música, mas para mim, tudo se resumia àquela figura do outro lado do salão. Ela. Seus olhos, de um azul profundo como o céu antes da tempestade, cintilavam sob a luz dourada dos candelabros. Ela deslizava pelo salão com leveza, como se a gravidade a tratasse com mais gentileza que os outros. Observei-a por entre os corpos dançantes, estudando cada gesto com fascínio contido.

Depois da dança inicial,meus olhos não conseguiam mais se fixar em nenhuma outra. A música seguiu, os pares se alternavam, mas meu olhar permanecia cravado nela.

Ela afastou-se da multidão e dirigiu-se à longa mesa de petiscos, onde frutas secas, pães com mel silvestre e taças de néctar encantado reluziam como joias sob as bandejas de prata. Fingi distração, contornando os convidados até alcançar o lado oposto da mesa, onde ela se inclinava para escolher entre tâmaras encantadas e figos adormecidos.

Ela estendeu a mão com graça e leveza para pegar uma amêndoa envolta em açúcar de fadas. Sua pele tinha um tom cálido, quase dourado, e seus cabelos, presos em longas tranças que serpenteavam até a metade das costas, pareciam vivos à luz das tochas mágicas. Fingindo distração, estiquei a mão até um bule de prata próximo, apenas para observá-la mais de perto.

Foi nesse instante que nossos olhos se encontraram.

O tempo pareceu hesitar.

Ela me olhou por alguns segundos, curiosa, e depois fez uma reverência leve, respeitosa, mas com um brilho zombeteiro nos olhos — como se soubesse que me roubara o fôlego.

Aproximei-me devagar, como quem pisa em um campo encantado. Meu coração batia com força descompassada, mas minha voz manteve-se firme ao cruzar a distância entre nós:

— A senhorita me concederia uma dança?

Ela assentiu, sem dizer palavra. Apenas estendeu a mão.

E então dançamos.

A música mudou para uma melodia antiga, suave, como se o salão inteiro houvesse sido enfeitiçado para girar ao nosso redor. Seus dedos repousavam sobre os meus com uma delicadeza etérea, e seus olhos — por vezes altivos, por vezes brincalhões — encaravam os meus em silêncio. Cada movimento dela era calculadamente leve, como uma brisa que tangencia a pele. O tecido do vestido Azul- petróleo que vestia ondulava como folhas sob vento encantado, e suas tranças balançavam com cada giro, como cordas de magia viva.

Não falamos. Nenhum de nós ousou romper o encanto daquele momento.

Havia apenas a música, o calor suave da sua palma na minha, e a certeza silenciosa de que, mesmo sem palavras, algo havia começado. Um elo.

E como todo feitiço verdadeiro… perigoso.

A sacada lateral do salão era banhada por uma luz tênue, quase etérea, como se as estrelas se debruçassem sobre nós apenas por curiosidade. O som da música ainda ecoava distante, abafado pelas paredes douradas do salão, e a brisa noturna trazia consigo o cheiro doce das flores silvestres dos jardins suspensos.

Caminhei ao lado dela com passos contidos, fingindo uma tranquilidade que eu definitivamente não sentia.

— O céu parece mais nítido esta noite, não? — arrisquei, a voz um pouco mais baixa que o habitual.

Ela sorriu. Aquele sorriso leve, que não era dado por obrigação — mas por encanto.

— Talvez porque estamos longe demais das fogueiras dos vilarejos — respondeu, com aquela voz de primavera tardia.

— E você… de qual vilarejo vem? — perguntei, sem conseguir disfarçar o fascínio.

— Therwen. Fica ao sul das Colinas de Lume. Poucos dias de viagem, se você tiver um bom corcel e não medo da névoa.

Therwen. O nome ecoou como uma canção antiga dentro de mim. Meu olhar caiu sobre os lábios dela quando ela pronunciou o nome do próprio lar — e pela primeira vez, percebi como até o som da sua respiração me prendia.

— E você, príncipe... costuma sair tanto assim do castelo?

Ela me olhou com certa malícia suave nos olhos. Azuis, como águas profundas sob o luar.

— Não tanto quanto gostaria. Nem tanto quanto deveria — admiti, e sorri de lado.

Ela desviou os olhos por um segundo, mas não antes de eu ver o rubor discreto subir-lhe às faces.

O silêncio que se seguiu não foi desconfortável. Pelo contrário. Era como um tecido invisível que nos envolvia, onde cada respiração contava uma história. E quando o vento soprou mais forte, fazendo uma mecha solta escapar da trança que moldava seu cabelo, eu me vi dominado por algo que não compreendi — mas que me arrastava para frente.

Aproximei-me. Um passo.

Dois.

A mão dela estava apoiada na mureta de pedra esculpida. Os dedos finos. As unhas limpas. Os lábios úmidos.

Então, sem aviso, sem cálculo, sem protocolo… me inclinei e a beijei.

Foi rápido. Um toque hesitante. Quase um pedido de permissão disfarçado de impulso.

Ela recuou imediatamente. Os olhos arregalados, o corpo enrijecido. O encanto se quebrou como vidro sob pressão.

— Eu… me desculpe — sussurrei, mas ela já se virava.

— Eu não devia… — murmurou, mais para si do que para mim. E então correu. Sumiu pelas cortinas de linho que separavam a sacada do salão principal.

Fiquei ali, com o gosto de sua presença ainda preso à minha boca. As estrelas, antes tão belas, pareciam agora rir de mim.

E, pela primeira vez naquela noite, senti que algo dentro de mim havia sido roubado — e deixado para trás junto com o rastro do perfume dela.

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