O segundo dia do solstício nasceu embriagado de promessas. O céu, ainda pálido, foi se tingindo de lavanda e ouro, enquanto os ventos dançavam como se também estivessem ansiosos pela noite.
A vila abaixo do castelo fervilhava com os preparativos. Dos campos surgiam arcos florais que se erguiam sozinhos, guiados pelas mãos delicadas dos elfos da primavera. Lírios e trepadeiras ondulavam como serpentes encantadas, cobrindo as fachadas, os becos, as janelas. A cada passo, a cidade se transformava num santuário vivo, como se a própria natureza se curvasse diante da celebração.
E eu? Cavalgava entre os corredores de terra e aroma com o coração em desordem.
Idril me acompanhava, seu cavalo preto como uma lembrança não dita, e seus olhos — sempre atentos — vasculhavam cada rosto, cada figura feminina que passava. Ele ainda não compreendia o que me movia, mas também não ousava questionar. Apenas me seguia, fiel como uma sombra, discreto como a culpa.
Aquela mulher.
Aquela mulher com olhos de tempestade e um sorriso que parecia saber demais.
Deixara o lenço.
Deixara o caos.
E desde então, meu peito carregava um nome que eu não sabia, um desejo que não admiti, e uma ausência que não fazia sentido algum.
Passei a manhã observando os preparativos e fingindo que não procurava. Mas meu olhar era voraz, varrendo multidões, detendo-se em detalhes absurdos: um riso que lembrava o dela, um andar com a mesma leveza, uma voz que por um segundo fez meu estômago despencar.
Nada.
Como se ela fosse um delírio de verão.
— Ela não está aqui, Vossa Alteza — disse Idril, calmo. — Se estivesse, já a teria sentido.
— Ou talvez esteja se escondendo — retruquei, ríspido demais. — Há mulheres que preferem o mistério à glória.
Ele não respondeu. Apenas ergueu o queixo e apontou para a enorme fogueira que os camponeses montavam no centro da vila.
À noite, aquele lugar queimaria.
E, com ele, talvez, o último fio de sanidade que me restava.
Idril cavalgava ao meu lado, atento, embora com aquele ceticismo silencioso que lhe é natural.
— Ainda acredita que ela virá? — ele perguntou, os olhos passeando pela multidão.
— Se tiver um pingo de juízo, sim.
Ele suspirou. E eu, descendo do cavalo ao cruzarmos os limites da praça, entreguei a ele a missão mais insana que já pensei.
— Preciso que vá aos acampamentos. Que fale com os líderes dos clãs. Diga-lhes que... que aquela que perdeu o lenço na primeira noite deve se apresentar no palácio. Que o rei... precisa resolver um assunto com ela.
Idril me encarou como se eu tivesse acabado de exigir que ele encontrasse uma estrela cadente.
— Isso é uma péssima ideia.
— Sim. Mas você vai fazer mesmo assim.
— Você está completamente obcecado.
— Estou. Vá.
Ele riu, embora sem humor, e partiu como o leal idiota que é. Enquanto isso, eu tomei meu posto diante dos portões do palácio, como um cão à espera de sua dona. Passei ali a tarde inteira. O sol escorria lentamente pelo céu, tingindo as torres de âmbar e vinho. Nenhuma donzela com olhos tímidos ou perfume de primavera cruzou os portões.
A cada passo de serva, cada jovem de flores nos cabelos, meu peito batia com esperança. E se fosse ela? E se estivesse apenas atrasada? E se...?
Nada.
Ao cair da noite, Idril voltou.
— Nada? — perguntei, embora a resposta já estivesse nos olhos dele.
— Os acampamentos estão em festa. Mencionei o lenço. Alguns riram. Outros acharam que era uma armadilha. Mas ninguém se apresentou.
— E se ela não for elfa?
— Então não entenderá o chamado. Ou já voltou para a terra dela, acreditando que você era só um sonho da noite de festa.
Engoli seco. A ideia dela pensar que eu era um devaneio... me corroía.
— Não faz sentido — murmurei. — Por que deixar o lenço?
Idril me olhou, cansado.
— Talvez não tenha deixado. Talvez tenha fugido.
— De mim?
Idril deu de ombros.
— Do que sentiu.
E eu fiquei ali, diante do portão, com a noite caindo como um manto. Esperando o impossível.
E desejando que o impossível me desejasse de volta.
⚔️
A túnica negra escorria por meu corpo como a sombra de uma promessa não cumprida. Os arabescos prateados que a costuravam pareciam gravuras lunares — símbolos de um pressentimento que não me deixava em paz. Vesti-me como se preparasse meu próprio sacrifício, e talvez, de certo modo, estivesse mesmo me oferecendo à noite. À expectativa. Ao desconhecido.
As botas se ajustaram aos meus pés com o som abafado do couro contra a pedra fria. E mesmo assim, não foi o toque do tecido nobre que me inquietou. Foi aquele minúsculo pedaço de pano dobrado no bolso interno da túnica, pressionado contra meu peito. O lenço dela.
Quantas vezes eu o levara ao rosto? Mais do que um rei deveria. Havia algo naquele perfume — ou talvez em sua ausência — que me feriu mais fundo do que a mais honesta das lâminas.
Desci os degraus do castelo com o coração em guerra. Os salões estavam vazios, mas o vilarejo... o vilarejo ardia em festa.
Diante da fogueira central, as elfas giravam com os pés descalços sobre a terra, tecendo círculos de pura embriaguez estética. Seus cabelos flutuavam com o vento que carregava pétalas — algumas criadas do nada por feéricos que, entre goles e gargalhadas, faziam as flores desabrocharem nos telhados, nos cabelos, nas taças.
A música era selvagem, feita para acordar os deuses antigos. Violinos tocavam como se ardessem em febre. E mesmo assim, tudo em mim permanecia imóvel.
Segurei a taça de vinho com força demais. O cristal reclamou em silêncio, estalando de leve entre meus dedos. Levei-a aos lábios, mas era ela quem eu queria provar.
Ela.
Quem diabos era aquela criatura? Como ousava roubar minha atenção, minha sanidade, meu controle?
Talvez ela tenha voltado para sua terra, como Idril suspeitava. Talvez o encanto tenha sido só meu. Talvez ela tenha me olhado como se não quisesse esquecer… e mesmo assim, me esquecido.
Mas e se não?
E se estivesse ali, entre as sombras, me observando com a mesma fome que me habita? E se estivesse apenas esperando a última noite para se revelar?
O vinho já não me aquecia. O fogo já não me fascinava. Eu estava ali — um rei entre dançarinos e canções — com um pedaço de tecido no bolso, e um abismo no peito.
Um nome que eu não sabia.
Mas a certeza…
A certeza de que, se ela não viesse até mim, eu moveria céus, mundos e reinos até encontrá-la.
Nem que eu tivesse que incendiar cada flor desta festa.
A noite se abria como um manto bordado em estrelas, e tudo ao redor parecia em festa — menos o meu peito.
O vilarejo havia se transformado. Flores brotavam onde antes havia apenas pedra e poeira. Os elfos mais antigos tocavam melodias ancestrais que pareciam soprar vida à terra, e as elfas dançavam ao redor da grande fogueira, tecendo a primavera com os próprios corpos.
Eu usava minha túnica preta com arabescos prateados, os punhos justos e a gola alta desenhando a gravidade da ocasião. As botas estavam polidas, mas meu ânimo, não. E no bolso esquerdo, dobrado com a precisão de uma lembrança sagrada, repousava o lenço.
O lenço dela.
Quantas vezes o cheirei desde aquela noite?
Perdi a conta.
Mas jamais perdi o aroma: gardênia. Um perfume com notas doces e verdes que pareceu entalhar-se em minha alma como um presságio.
Cavalguei com Idril pelas ruas do vilarejo, vasculhando rostos, sombras, esperanças. Nada.
Agora, de volta à celebração, eu permanecia imóvel à beira da multidão, com uma taça de vinho na mão e um furor mudo no peito. O vinho, rubro e amargo, pouco fazia para calar o tumulto dentro de mim.
Foi então que Idril se aproximou, sorrateiro, como sempre, mas com os olhos atentos à minha inquietação.
— Ela apareceu?
Neguei com a cabeça, o olhar ainda fixo nas labaredas da fogueira.
Chamas dançavam como memórias desfeitas pelo vento.
— Não. Nenhum sinal — murmurei.
Ele suspirou. Aquele tipo de suspiro que carrega não só cansaço, mas uma pitada de pena.
— Cardan... esquece isso. Deixa de ser bobo. Olha em volta. Tem pelo menos sete elfas que venderiam a alma por uma dança contigo. — Ele riu, sem graça, e piscou para uma de cabelos cor de mel, que respondeu com um sorriso ansioso.
— Eu não quero qualquer elfa — disse, e minha voz soou mais sombria do que eu esperava. — Quero a elfa. Aquela.
Idril fez uma careta teatral, rolando os olhos com o exagero típico dele.
— Ai, que drama. — E afastou-se, indo direto ao encontro de sua pretendente.
Fiquei só.
Mas, na verdade, já estava só desde o instante em que ela partira.
A música seguiu, e os passos ao redor da fogueira não cessaram. E ainda assim, tudo aquilo parecia um teatro encenado para alguém que já havia partido.
Mas então… algo mudou.
Um estremecimento, quase imperceptível. Um chamado no sangue. Um calor que nada tinha a ver com a fogueira.
Meus olhos a encontraram.
Ali, do outro lado da dança, entre véus e sorrisos, ela.
Como se o destino tivesse dado um passo silencioso para dentro do mundo real.
Ela estava ali. Vestida de sombra e brisa. E tudo em mim gritou ao mesmo tempo: É ela.
O tempo curvou-se. A multidão desapareceu. O céu parou de respirar.
Meus pés se moveram por vontade própria.
Não pensei, não hesitei, não temi.
A única verdade que importava naquele instante era o brilho dos olhos dela me encontrando. Havia espanto ali, talvez medo, mas também algo mais. Uma pergunta silenciosa. Um eco.
Cada passo que dei em direção àquele rosto foi como atravessar a fronteira entre o acaso e a certeza.
Quando estive diante dela, com o coração retumbando alto demais para ignorar, murmurei:
— Aí está você...
Eu estava te procurando.
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Atualizado até capítulo 36
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