Capítulo Quatro

“Às vezes, o coração entende antes do pensamento ter tempo de duvidar.”

– A. Kensley

Arthur me recebe com uma xícara de chá nas mãos. Não diz nada no primeiro momento. Apenas estende a outra xícara para mim. Aceito sem palavras.

Arthur – Sente-se, Vian.

Obedeço. A cadeira diante da escrivaninha de carvalho range levemente sob meu peso. Ele me observa por alguns segundos.

Arthur – Você parece cansado. Diz, com aquele olhar que vê mais do que deveria.

Dou um pequeno sorriso. – Eu pareço cansado desde o segundo semestre da faculdade.

Arthur sorri também, como quem se recorda de algo. Silêncio. O tipo de silêncio que só existe entre duas pessoas que não precisam forçar presença. Mas mesmo assim, é pesado. Porque ele espera. Dou um suspiro. Longo. Aquele tipo de suspiro que a gente solta quando não sabe por onde começar.

Arthur – Quer me contar? Ele pergunta, com calma. Sem cobrança. Só oferecendo espaço.

Ergo os olhos. E encaro aquele que é, sem dúvida, o homem que mais admiro. Meu mentor. Meu farol. A única figura constante em uma vida marcada por ausências.

Eu – Eu… nem sei o que estou sentindo.

Arthur – Às vezes, uma segunda visão ajuda a entender. Ele diz, apoiando a xícara na mesa.

Fico em silêncio por um instante. Depois falo. Sem rodeios.

Eu – Conheci um rapaz hoje pela manhã. No café da esquina. Conversamos por alguns minutos. Foi… foi leve, sabe? Natural. Ele me deu um livro. Poemas. E depois fui embora.

Arthur não me interrompe.

Eu – Poucas horas depois, ele estava na sala de trauma. Atropelado. Gravemente ferido. Quase morreu.  Minha garganta se fecha por um segundo. – Eu o reconheci. E… decidi entrar com ele na cirurgia. Não pensei. Só fui. Mas, Arthur, o que senti...

Arthur – Você sente isso por todos os seus pacientes, Vian. Ele diz com suavidade, sem julgar.

Eu – Não. Ergo os olhos, firme. – Não desse jeito. Não era o que eu sinto quando estou tentando salvar uma vida. Era… mais.

Arthur me observa, sem desviar.

Eu – Eu não sei explicar. Continuo. – Mas a ideia de perdê-lo… era como se eu estivesse dizendo adeus a algo importante. A alguém que… eu precisava ao meu lado. E eu nem sei por quê.

Ele permanece em silêncio. Não busca explicar. Apenas escuta. Apenas acolhe minhas palavras.  E por alguma razão, isso me basta. De alguma forma, isso é exatamente o que eu precisava. Sou grato por esse silêncio cheio de presença. Grato por ele não tentar consertar nada. Por entender que às vezes, só escutar já é abrigo suficiente.

Eu – Ele morreu por um instante, Arthur. Digo, quase num sussurro. – Ali, na sala de cirurgia. Por um segundo, eu o perdi. E aquilo… me dilacerou por dentro. Me viro para ele, tentando buscar em seus olhos alguma lógica, alguma resposta. – Como isso é possível? Pergunto. – Como posso sentir algo assim por alguém que conheci hoje?

Arthur sorri. Sereno. – Se você não tem essa resposta agora, Vian… logo terá.

Suspiro. Baixo.

Arthur – E como ele está? Ele pergunta então, voltando ao profissionalismo suave que o define.

Eu – Estável. Os sinais vitais estão fortes. Está sedado, mas fora de risco.

Arthur assente com um pequeno gesto de cabeça. – Você deveria descansar.

Sorrio de leve. Ele já sabe a resposta.

Arthur – Não vai acontecer, vai? Ele continua, com um brilho divertido no olhar.

Eu – Não. Mas você já sabia a resposta.

Ele suspira e balança a cabeça, negando.

Eu – Vou voltar pro quarto dele. Preciso estar lá quando ele acordar.

Arthur – Ao menos termine o artigo. Diz ele, com aquele tom de professor que ainda insiste em nos puxar de volta à rotina.

Eu – Eu vou terminar. Prometo, levantando-me da cadeira. Caminho até a porta. Antes de abri-la, escuto a voz dele atrás de mim.

Arthur – Vian…

Me viro.

Arthur – Estou aqui, se precisar.

Olho para ele por um instante. Esse homem que já foi minha bússola tantas vezes e continua sendo.

Eu – Eu sei.

Sorrimos. E então saio, cruzando novamente os jardins do hospital. O céu já está escuro. As luzes dos postes criam pequenos círculos dourados na grama. Mas eu sei exatamente onde quero estar. E quem eu quero ver ao abrir aquela porta.

***

Atravesso novamente os corredores do hospital, agora silenciosos sob a luz opaca da noite. Não passo pelo vestiário, não troco de roupa. Não desço pro refeitório. Vou direto ao quarto dele.

Lucien.

Empurro a porta com cuidado. O quarto está do mesmo jeito. Monitores apitando num ritmo tranquilo. Ele ainda dorme. Aproximo-me devagar. Observo os sinais vitais, só por precaução. Tudo está estável. Está bem.

Mas eu… Eu começo a ceder. O cansaço pesa nos ombros, nos olhos, no peito. Sento por um instante, mas logo me levanto. Preciso de um café. Deixo o quarto em silêncio, caminho até a máquina no corredor. Quando volto com o copo em mãos, o quarto parece... diferente. Os monitores continuam serenos. Mas há algo no ar.

Lucien... se move. Lentamente. O corpo dele desperta. O copo de café treme um pouco na minha mão. Coloco-o na mesinha ao lado da cama. Me aproximo dele. Pego sua mão. Está quente. Viva.

Eu – Lucien? Chamo, quase sem voz.

Os olhos dele se abrem. Escuros. Profundos. Como se vissem o mundo pela primeira vez. E então, com um sussurro que me atravessa como um raio...

Lucien – Você.

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Comments

Laura Roberta

Laura Roberta

Amor a primeira vista, destino /Proud/

2025-08-10

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