POV Olívia Stanford

Assim que a reunião terminou e os primeiros funcionários se dispersaram, mantive o olhar firme, o semblante impassível. A postura era a mesma de sempre: profissional, segura, quase fria.

Mas por dentro, cada músculo do meu corpo gritava.

Eu me retirei antes que alguém pudesse se aproximar. Não esperei por comentários ou sorrisos. Caminhei direto para minha sala, em passos largos e rápidos. Minha assistente perguntou algo sobre uma reunião com investidores, e eu apenas assenti, sem ouvir direito.

Fechei a porta.

E então, finalmente, respirei.

O ar escapou dos meus pulmões como se eu tivesse prendido por uma eternidade. Encostei as costas na porta, a mão ainda na maçaneta, o coração batendo num ritmo que eu não conhecia havia anos.

Ela é filha de Julian.

Filha do meu melhor amigo.

Filha do homem com quem construí tudo o que tenho.

Jenny O’Neil.

Como isso aconteceu? Como deixei acontecer?

Cruzei a sala, tirei o blazer e joguei sobre a poltrona de canto.

Parei por um segundo ao lado da mesa e deslizei o polegar sobre a aliança. Ainda estava ali, fria contra a pele. Não era um compromisso — era proteção. Um lembrete para o mundo não se aproximar demais.

Uma armadura discreta.

Sentei-me atrás da mesa, mas o conforto da cadeira não suavizou o aperto no meu peito.

Na noite anterior, ela era apenas… uma desconhecida linda, ousada, provocante. Com um vestido curto, um olhar quente e uma língua afiada o bastante pra me fazer perder o controle que levou anos para manter intacto.

A garota sabia dançar. Sabia olhar. Sabia se entregar.

Mas ela não sabia quem eu era. E eu não fazia ideia de quem ela era.

Agora, sei.

E isso muda tudo.

Encostei os cotovelos na mesa e levei as mãos ao rosto, apertando as têmporas.

“Droga, Olívia… o que você fez?”

Julian sempre falava da filha que apareceu tarde em sua vida. Eu só nunca dei muita atenção. Confesso — parte minha. Evitava qualquer assunto familiar, especialmente quando envolvia conexões afetivas. Fotos? Ele já mandou algumas, sim. Mas eu ignoro redes sociais, raramente abro mensagens fora do trabalho. Achei que ele entendia.

A verdade é que nunca imaginei que a filha dele fosse… ela.

Sensual, jovem, cheia de vida. E agora, também, minha funcionária.

Abri os olhos e os fixei na cidade através da parede de vidro. O skyline me dava conforto. Era concreto. Objetivo. Não me olhava com aqueles olhos castanhos nem mordia o lábio inferior como se soubesse exatamente o que estava fazendo.

Pior ainda: ela parecia me provocar na reunião.

Ou será que era só o reflexo da minha culpa me fazendo ver sinais onde não havia?

A imagem dela deitada nos lençóis brancos voltou à mente. A pele dourada sob a luz amarelada da luminária. O corpo arqueando sob minhas mãos. O suspiro dela quando eu sussurrei que gostava de controle.

Fechei os olhos de novo.

Maldição.

Eu precisava me afastar.

Jenny era proibida. Mais do que isso, ela era frágil demais pra brincar com fogo — mesmo que não soubesse o quanto estava acendendo em mim.

Eu construí minha reputação com base em domínio, limites, força.

Não podia me dar ao luxo de perder tudo isso agora.

E muito menos por ela.

Mas então, por que meu corpo ainda queimava por dentro?

Por que minha boca ainda desejava o gosto dela?

E por que, apesar de tudo… uma parte de mim queria vê-la entrar aqui agora?

Bati levemente a cabeça contra a cadeira, como se isso afastasse o pensamento.

Eu precisava de foco.

Tinha projetos milionários para gerenciar, prazos apertados, decisões técnicas a tomar.

Eu não podia — não devia — deixar que uma garota  bagunçasse meu mundo assim.

Mas era tarde demais para fingir que não aconteceu.

Ainda estava sentada à frente da grande parede de vidro quando ouvi três batidas na porta.

Respirei fundo, esperando que fosse minha assistente ou, quem sabe, uma pilha de relatórios.

Algo simples. Racional. Seguro.

Mas não. A porta se abriu e Julian entrou, com aquele sorriso de canto que sempre usa quando está prestes a me envolver em alguma enrascada disfarçada de genialidade.

— Trouxe algo interessante — disse ele, erguendo uma pasta azul-marinho como se carregasse ouro.

Ergui uma sobrancelha.

— Você sabe que isso é chantagem. — Cruzei as pernas e girei levemente a cadeira para encará-lo. — Há quanto tempo você não bate nessa porta com um projeto alheio à J&O?

— Desde que um projeto de fora passou a valer o dobro se for fechado com a gente — respondeu, jogando a pasta na mesa.

Suspirei, cínica.

— Ah, então agora estamos no mercado de resgates milionários? Que romântico. Desde quando você se vende por capricho de cliente insatisfeito?

— Desde que você voltou do exterior e o capricho é de um figurão do setor hoteleiro, que não só está disposto a rasgar o contrato com a concorrência, como pagar o dobro para que você, e só você, refaça o projeto do zero.

— Dobro?

— Dobro.

Olhei para a pasta por um instante, relutante. Parte de mim queria ignorá-la. A outra — a maior, a arquiteta que ainda ama o desafio — sentiu o sangue pulsar com a promessa de criar algo mais inteligente, mais ousado.

— E o arquiteto anterior, já sabe que vai ser chutado? — perguntei.

— Oficialmente não. Extraoficialmente… sim. — Julian deu de ombros. — O cliente viu sua torre em Lisboa e se encantou. Quer a mesma linguagem, quer o mesmo olhar.

— O mesmo olhar, é?

Julian sorriu, como se percebesse meu tom provocativo.

— Sim, aquele olhar clínico, impiedoso, que você usa para rejeitar uns dez rascunhos antes de aprovar um. O tipo de olhar que transforma vidro e concreto em arte.

Bufei. Estava tentando manter a compostura.

Falar sobre concreto e arte sempre me deixava mais confortável do que falar sobre sentimentos, pessoas… ou filhas.

Filhas como Jenny.

A imagem dela ainda latejava atrás dos meus olhos.

Julian se aproximou da janela, como costumava fazer quando estávamos em brainstorms intermináveis. Ele parecia tão confortável na minha sala que por um momento esqueci o caos mental que me habitava.

— Então? Vai dar uma olhada? — perguntou.

— Não agora — respondi, mais fria do que pretendia. — Estou finalizando a seleção de lideranças da equipe nova. Preciso de foco.

— Então está bem. — Ele sorriu, já virando para sair. — Mas pense com carinho. Se aceitar, viajamos até o terreno ainda essa semana. É em Angra. Vista para o mar.

Angra. Ótimo. Como se meu cérebro precisasse de mais mar, mais brisa, mais calor… mais lembranças de uma pele quente sob meus dedos.

— Vou pensar. — Me levantei da cadeira, já abrindo a porta para que ele saísse.

Julian me lançou um olhar afiado, quase divertido.

— Você está estranhamente tensa hoje. Algum problema com a nova equipe?

— Nenhum. Por enquanto. — Forcei um meio sorriso. — Estou apenas me readaptando. O fuso ainda bagunçando meus horários.

— Hm. — Ele me olhou como quem não acreditava muito, mas respeitava. — Vai ver é isso.

Julian saiu, e eu fechei a porta devagar.

Me encostei nela novamente.

Olhei para a mão esquerda, onde a aliança ainda brilhava discreta.

Não era o fuso.

Era ela.

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