O dia em que descobri quem era ela

Jenny sentiu as pernas hesitarem, mas obedeceu ao chamado.

A cada passo em direção ao palco, sentia o olhar de Olívia perfurar seu corpo. Ela estava ali — tão imponente quanto na noite anterior, mas agora vestida de seriedade e profissionalismo. E, pior: ao lado de Julian. Do pai dela.

— Jenny — disse Julian com orgulho nos olhos, virando-se para a amiga — essa é a minha filha. Aquela que eu comentei com você tantas vezes.

Olívia ergueu uma sobrancelha, quase imperceptivelmente. A máscara profissional não tremia, mas algo nos olhos dela vibrava. Curiosidade, desconforto… e alguma coisa mais.

— Então essa é a famosa Jenny. — A voz de Olívia saiu com perfeição. Nenhuma oscilação. Nenhum traço do incêndio da noite passada. — Agora entendo por que você sempre fala tanto dela.

Jenny tentou sorrir, mas os lábios estavam secos. E quando Olívia estendeu a mão, o toque pareceu elétrico — rápido, firme, polido.

— Ela é linda — disse Olívia, ainda olhando Jenny de cima a baixo. — E tem os olhos do pai.

Jenny piscou, surpresa. Era a primeira vez que alguém dizia isso. Na verdade, era a primeira vez que se sentia desconfortável por parecer com o pai.

— Obrigada — murmurou, tentando manter a voz estável.

— E por que eu nunca recebi fotos dela? — Olívia virou-se para Julian, cruzando os braços. O tom era leve, quase brincalhão, mas Jenny notou a tensão disfarçada na postura da arquiteta.

Julian riu, balançando a cabeça.

— Eu mandei várias! Você que nunca abre nada que não seja relatório. Mando por mensagem, por e-mail, até já marquei você em rede social e nada. Como sempre, Olívia ignora qualquer coisa que envolva... sentimentos. — Brincou.

Olívia sorriu, mas Jenny percebeu o leve apertar do maxilar. Era quase imperceptível — mas estava ali.

— Talvez seja verdade — disse Olívia, com um ar de ironia. — Ou talvez eu só estivesse ocupada demais apagando incêndios no hemisfério norte.

Julian deu uma gargalhada. Jenny apenas sorriu, ainda digerindo tudo. Aquilo era real? A mulher que a beijou como quem conhece todos os atalhos do desejo era amiga do pai dela? Sócia dele? Quase uma figura familiar?

— Estou muito feliz que tenham se conhecido — continuou Julian, sem imaginar o turbilhão. — A Jenny vai ser um reforço brilhante pro nosso setor de projetos. E com você por perto, Olívia, ela vai se inspirar em uma das melhores arquitetas que conheço.

Olívia virou-se para Jenny. Aquele sorriso discreto, que poderia ser lido como charme ou ameaça.

—Inspirar pode ser uma palavra perigosa — disse suavemente. — Mas prometo dar o meu melhor.

[…]

Jenny caminhou com pressa pelos corredores. O estômago dava voltas, e não era só pela ressaca.

A tequila — maldita tequila — somada à descoberta, fazia seu corpo suar frio. Ela empurrou a porta do banheiro feminino e entrou direto numa das cabines, abaixando-se quase no mesmo segundo.

E vomitou.

Não foi só álcool. Foi vergonha, raiva, incredulidade… e medo.

Respirou fundo, tentando não chorar. Ela era forte. Ela era capaz. Era só uma coincidência maldita, uma situação absurda, mas ia passar. Tinha que passar.

Encostou a testa na parede gelada da cabine, os olhos fechados, respirando fundo.

Foi quando duas vozes entraram no banheiro, tagarelando alto. Jenny ficou imóvel, escutando sem querer.

— Você viu? Ele chamou aquela novata de filha.

— Eu ouvi! Jenny, o nome dela, né? A menina é filha do chefão.

— Pois é, entrou com tudo. Imagina ser a queridinha do dono?

Jenny sentiu o estômago revirar de novo, mas ficou quieta. As vozes continuaram.

— E você viu a Olívia hoje? Meu Deus… que mulher.

— Ai, credo. Ela me dá arrepios. Aquela postura toda fria.

As duas riram.

— Você fala isso agora, mas se ela encostasse em você, você desmaiava.

— Jamais! Eca.

— “Eca” por quê?

— Porque eu sou hétero, né? Diferente de você que parece que ficaria de quatro na hora.

Mais gargalhadas. Jenny queria desaparecer.

O som da água correndo, a porta abrindo. As duas se foram.

Ela saiu da cabine e foi direto até a pia. Jogou água no rosto, o coração ainda acelerado. Olhou o reflexo no espelho. Os olhos vermelhos. O rímel está um pouco borrado. Os cabelos no alto, presos num rabo de cavalo.

Suspirou fundo.

Ela precisava se concentrar. Trabalhar. Fingir que nada estava acontecendo.

“Você é forte, Jenny. Foi só uma noite.”

Respirou outra vez, ajeitou a roupa, endireitou os ombros e saiu.

[…]

O setor de projetos ficava no penúltimo andar. Quando entrou, a primeira coisa que viu foi a mesa redonda de vidro, com várias cadeiras ocupadas. Uma apresentação estava em andamento.

E, é claro… lá estava ela.

Olívia.

Em pé, elegante como sempre, com um tablet na mão, explicando os detalhes de um novo projeto. A voz era firme, precisa. Os olhos atentos, voltados para a planta projetada na tela.

Jenny pensou em dar meia-volta.

Mas já era tarde.

— Jenny, sente-se — disse Olívia, sem sequer olhar diretamente para ela. Apenas um leve gesto com a mão indicava uma cadeira vaga.

O coração de Jenny acelerou. Ela obedeceu, como se estivesse em transe. Sentou-se à mesa, tentando não encarar ninguém. Pegou uma caneta, um caderno, e fingiu atenção.

— O empreendimento será no litoral norte — continuou Olívia, ainda com o foco no projeto. — Um resort de alto padrão, com ênfase em sustentabilidade. Nossa equipe será responsável pela concepção do complexo principal, incluindo áreas de convivência e vilas privativas.

Jenny rabiscava no papel apenas para parecer ocupada. Mas o som da voz de Olívia era um veneno doce. E cada vez que ela passava atrás dela, sentia o cheiro conhecido do perfume amadeirado da noite anterior. Seu corpo respondia, mesmo quando sua mente gritava esquece.

— As equipes foram divididas em duplas. Jenny — disse Olívia, virando-se finalmente para ela — você ficará com Gustavo. Ele tem mais experiência e pode te ajudar a entender o padrão da empresa.

Jenny apenas assentiu. A garganta seca demais para responder.

— Alguma dúvida? — perguntou Olívia, olhando direto em seus olhos agora.

Jenny sentiu o ar desaparecer.

— Nenhuma — conseguiu dizer, mesmo que sua cabeça gritasse várias, inclusive o que você está fazendo aqui, e por que me beijou daquele jeito, e por que caralhos tem uma aliança na sua mesa de cabeceira?!

— Ótimo — respondeu Olívia, com aquele meio sorriso que Jenny agora reconhecia. Um sorriso que escondia segredos.

A reunião seguiu. Mas para Jenny, o mundo agora era dividido em dois: antes daquela noite… e depois de saber quem era Olívia Stanford.

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Comments

Maria Andrade

Maria Andrade

eu também estou curiosa

2025-08-06

2

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