| Evanna Francis |
— Evanna?
— Oi, mãe! Cheguei! — Evy anunciou, fechando a porta com cuidado. Passava das onze e meia, e sessões para iniciantes sempre devoravam mais tempo do que o previsto — sem falar na necessidade de manter cada detalhe em segredo.
Tirou os sapatos no hall, respirando fundo. A cada noite, era um alívio saber que sua mãe não tinha o hábito de esperá-la acordada na sala. Evy não fazia ideia de como explicaria a maquiagem carregada, a jaqueta cheirando a couro e os lábios ainda tingidos de vermelho escuro — tudo culpa de Chloe, claro, que nunca dava tempo de remover nada antes de voltarem para o mundo real.
— Tem leite morno e biscoitos de amêndoas na bancada — a voz da mãe ecoou do pequeno escritório, onde a luz amarela iluminava papéis e contas da confeitaria. — Coma alguma coisa e vá dormir, preciso te deixar na faculdade bem cedo amanhã.
Suspirou. Evanna amava a mãe, mas a pressão era como uma mão constante apertando seu ombro. Caminhou até a cozinha, a casa rangeu em protesto a cada passo. Dividir o lugar com Bonnie, de 15 anos, e George — velho amigo do pai, que dormia num quartinho nos fundos — tornava tudo ainda mais apertado.
Pegou o copo de leite, equilibrou os biscoitos num prato e seguiu pé ante pé até o quarto que dividia com Bonnie, rezando para a irmã estar apagada. Mas Evanna nunca ganhava na loteria do destino.
Assim que girou a maçaneta — bem devagar, evitando o rangido costumeiro — a luz azul do celular iluminou o rosto de Bonnie. Olhos arregalados, dedo paralisado no visor.
— Nanna, cadê o seu... — A pergunta ficou pendurada no ar. Bonnie analisou a irmã como um scanner. Da maquiagem borrada, ao coque bagunçado, à roupa nada comum.
— Mas que tipo de acupuntura é essa, Evanna? — A adolescente largou o celular, cruzando os braços com aquele ar de “irmã mais nova sabe tudo”.
— Não é da sua conta, Bombom. — Evy revirou os olhos, empurrando a porta.
— NÃO ME CHAME ASSIM! — Bonnie esticou o pescoço como uma coruja. — Mamãe sabe que você anda se prostituindo?
Evanna gelou. Soltou um risinho seco para disfarçar. — Cala a boca, sua pirralha. Eu não faria isso, você é louca.
— Ah não? E essa cara de vampira de boate é pra quê, então? — Bonnie pegou o celular de novo, posicionou a câmera e click! — eternizou o flagra.
— MAS O QUÊ... ME DÁ ISSO! — Evy pulou para cima da cama, tentando arrancar o aparelho. Bonnie escorregou para o canto, rindo.
— Chantagem, maninha. Nunca se sabe quando vou precisar. — Bonnie balançou o celular no ar, triunfante. — Mamãe vai adorar ver isso, viu?
— Eu te odeio, Bonnie! — Evy rebateu, pegando a escova de cabelo e ameaçando atirar.
— É recíproco! — A caçula gargalhou, rolando na cama. Mas Evanna também riu, mesmo sem querer.
Porque no fundo, aquela implicância era o que as mantinha conectadas.
〰〰
Mais tarde, já na cama — maquiagem finalmente removida, rosto ainda quente pela discussão — Evy encarou o teto do quarto escuro. O cheiro de talco de Bonnie misturava-se ao leve aroma de couro que ainda grudava nela, um lembrete tentador de quem ela realmente era, longe da Evanna boazinha de casa.
Ser convidada por Chloe para as sessões salvara sua sanidade. Ser dominatrix não era só prazer: era catarse. Ali, os medos, as frustrações, os segredos que carregava para proteger a mãe, tudo se dissolvia quando tinha o controle. Quando via os olhos verdes de Solis brilhar, tudo fazia sentido.
Ela amava a mãe. Não a queria magoar. Mas viver presa ao que esperavam dela era sufocante. Na sala vermelha, era diferente: cada ordem dada, cada súplica arrancada de um submisso, lembrava-a de que o poder também era dela. E, no fundo, sabia que Chloe gostava de vê-la florescer — ainda que jamais admitisse.
Pegou o celular. A última notificação a fez sorrir.
Solis — hoje (00:12)
"Você esteve incrível hoje."
Luna — hoje (00:18)
"Você é incrível sempre. Boa noite, Sol."
Solis — hoje (00:20)
"Boa noite, Lua."
Evanna sorriu, deslizou o dedo pela tela, e por um segundo ousou imaginar se algum dia Chloe poderia querer mais do que apenas a cumplicidade no chicote.
〰〰
| Dustin Armstrong |
— Será que dá pra você olhar pra estrada, idiota? — Pam resmungou, puxando o queixo de Dustin de volta para frente.
Era pouco depois das sete da manhã. A rodovia cinzenta parecia um rio de faróis, mas Dustin só conseguia pensar na noite anterior — e na próxima quinta-feira. Seu Audi devorava quilômetros como se fosse extensão de seu ego. Já Pam, jogada no banco do carona, bufava de tédio, revirando os cílios postiços.
— É sério, Pam — Dustin disse, rindo. — Você acha mesmo que é loucura?
— Você É louco. — Ela cruzou os braços. — E gay. Vai fazer o quê numa sessão de BDSM, hein? Quer apanhar de salto alto?
— Nunca ouvi dizer que ser gay anulava tesão, linda. — Dustin arqueou a sobrancelha, brincalhão. — Ser amarrado, vendado, sentir o couro na pele... Hmmm.
Ele mordeu o lábio inferior, Pam soltou um tapa no ombro dele.
— Credo, Dus! — Ela riu, mesmo assim. — Quero detalhes. Vá que eu me anime.
— Vou pensar no seu caso. — Ele piscou, estacionando na vaga da faculdade.
Enquanto caminhavam pelo campus, Dustin jogou os óculos de sol da Gucci no rosto. Pâmela rebolava na frente dele, sorrindo para quem cruzasse o caminho.
— Já disse hoje que você é uma vadia? — Dustin perguntou, largando a mochila no ombro.
— Hoje ainda não. Mas obrigada por lembrar. — Ela se virou, mandando um beijo sarcástico.
Mas o humor sumiu quando Dustin trombou em alguém. Os livros caíram no chão, estourando o silêncio do corredor.
— OLHA POR ONDE ANDA, IMBECIL! — Dustin explodiu, abaixando para juntar as canetas. Pam encostou na parede, filmando a cena como se fosse um reality show.
Do outro lado, um par de olhos castanho-escuros se arregalou. Era o “nerd” do outro dia — Taylor. Ele tentou falar algo, mas engasgou nas palavras.
Dustin congelou por meio segundo. Assim de perto, Taylor era quase delicado. Bonito, mas desconfortavelmente exposto. Aquilo era uma isca. Dustin sorriu, malicioso.
— Presta atenção, nerd. — Ele largou os livros na mão do garoto, dando um tapinha nos papéis. — Não quero te derrubar de novo.
Louis, o amigo fofoqueiro, apareceu do nada, rindo com a câmera pendurada no pescoço.
— Quando precisarem de mais fotos, me chamem! — Dustin disse alto, piscando para Taylor, que já se afastava corado.
Enquanto via o “nerd” sumir no corredor, Dustin sentiu o coração bater num ritmo estranho. Tinha algo ali. Ele só precisava puxar a corda certa.
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| Evanna Francis |
— Sam, você não vai acreditar no que vou te contar. — Evanna encostou o queixo na mão, baixando o tom enquanto olhava para o amigo ruivo na cantina vegetariana.
— Talvez se você contasse, eu pudesse dizer se acredito ou não! — Sam rebateu, espalhando migalhas de pão na mesa.
Evanna riu, olhando por cima do ombro para garantir que ninguém ouvia. — Taylor Kohler. Da Física Quântica. O gatinho tímido?
— Claro! O nerd gatinho? — Sam arregalou os olhos, aproximando-se como quem ouve fofoca da realeza.
— Ele foi numa sessão. Minha sessão. — Ela sussurrou.
Sam arregalou tanto os olhos que Evanna teve que tapar-lhe a boca.
— SHHHH, Sam!
— Desculpa, desculpa! Mas... sério? Você e aquela mulher hipnotizante com o garoto nerd? — Ele soltou um risinho de pura inveja.
— Foi a primeira vez dele. — Evanna confessou, quase orgulhosa. — Ele é mais corajoso do que parece.
— Sua sortuda! — Sam se jogou na cadeira. — Eu daria tudo pra ver isso de perto.
Evanna riu, mordendo o lábio. Contar para Sam era seu escape. Era o único lugar onde podia ser Evy, Luna, ou qualquer versão que precisasse existir — sem medo de ser julgada.
E ali, entre bandejas de comida natureba e bisbilhoteiros da faculdade, Evy se lembrou por que ainda não tinha enlouquecido. Tinha seu segredo. Tinha Sam. E, acima de tudo, tinha o gosto doce do poder guardado dentro de si.
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