Aysha Entre Dois Irmãos
O sol dourado daquela tarde se derramava sobre o jardim como mel escorrendo sobre o pão quente. As flores dançavam com a brisa suave, e o som alegre de risadas infantis cortava o silêncio do casarão imponente que pertencia à família Demirhan. Entre os corredores antigos e as colunas de mármore, a vida florescia de forma singela onde a infância ainda reinava.
Aysha corria descalça sobre o gramado, seus cabelos escuros balançando soltos ao vento, as bochechas ruborizadas de tanto sorrir. Atrás dela vinha Osman, um menino magro, de olhos castanhos intensos e sorriso fácil, tentando pegá-la com os braços abertos como se fosse abraçá-la e prendê-la ao mesmo tempo. Um pouco mais atrás, quase em silêncio, observava-os Aslan, o irmão mais velho de Osman, dois anos mais velho que os dois, e que já mostrava sinais de ser mais reservado, mais observador, mais intenso.
— Se eu te pegar, você vai ter que casar comigo! — gritou Osman, rindo, enquanto acelerava os passos, tropeçando em uma raiz, mas logo se equilibrando.
— Nunca! — retrucou Aysha, rindo alto, suas pequenas pernas rápidas como de um cervo.
Aslan observava tudo de longe, sentado sob a sombra de uma oliveira, com um graveto nas mãos. Havia algo de protetor em seu olhar. Ele sempre vigiava os dois. Nunca se envolvia demais nas brincadeiras de correr, mas estava sempre por perto — pronto para intervir caso algo desse errado. Era o guardião silencioso da infância de ambos.
— Você vai correr o dia inteiro ou vai deixar o Osman vencer só uma vez? — provocou Aslan, com um leve sorriso.
— Ele nunca vai me pegar! — Aysha gritou de volta, erguendo os braços como se tivesse vencido uma guerra. — E mesmo se pegar, não significa que vou me casar com ele!
Osman parou, ofegante, e cruzou os braços, fingindo uma expressão séria. — Mas o papai disse que quando a gente gosta de alguém, é pra casar com ela.
— Então você quer casar comigo só porque gosta de brincar comigo? — perguntou ela, parando de correr e encarando-o com as mãos na cintura.
— É. E também porque você faz as melhores tortas de lama do mundo! — respondeu ele, e todos caíram na gargalhada.
Naquela tarde, montaram uma cabana improvisada com lençóis e galhos. Aysha liderava o grupo, como sempre fazia, enquanto Osman fazia de conta que era o rei e Aslan, o cavaleiro silencioso que guardava o reino. A cabana era pequena, mas, para eles, era um castelo. E naquele castelo, tudo era possível.
— Um dia, eu vou me casar de verdade — disse Aysha, enquanto colocava uma coroa de flores na cabeça. — Vai ser um casamento lindo. Com vestido branco, música e danças. Mas só depois que eu crescer.
— E vai ser comigo? — perguntou Osman, sério, olhando para ela como se a resposta fosse a coisa mais importante do mundo.
Aysha hesitou, brincando com as pétalas em seus dedos. — Talvez… Se você não for tão mandão.
Aslan desviou o olhar para o céu, como se tentasse esconder algo dentro dele mesmo. Havia uma sombra em seus olhos. Ainda que tivesse apenas nove anos, já carregava dentro de si um silêncio que ninguém conseguia decifrar. Amava os dois. De formas diferentes. E sabia, mesmo sem entender totalmente, que aquele triângulo inocente guardaria segredos difíceis quando o tempo passasse.
Mais tarde, quando o sol começou a cair no horizonte e a brisa se tornava mais fria, os três se sentaram na varanda da casa. As mães os chamaram para o chá, e o cheiro de pão doce e chá de jasmim perfumava o ar. O pai de Osman e Aslan — o Sr. Demirhan — estava sentado lendo jornal, mas não deixava de lançar olhares orgulhosos para os filhos. Já os pais de Aysha, convidados frequentes e amigos íntimos dos Demirhan, conversavam animadamente com os anfitriões sobre o futuro, sobre colégios e responsabilidades.
— Um dia, tudo vai mudar — disse Aslan, quebrando o silêncio entre eles enquanto bebiam o chá. A frase pairou no ar.
— Mudar como? — perguntou Aysha, curiosa.
— A gente vai crescer. E crescer significa deixar de correr no jardim o tempo todo. Significa tomar decisões.
— Você pensa demais — retrucou Osman, já com um biscoito na boca. — A gente ainda é criança. E sempre vai ser.
— Nem sempre — respondeu Aslan, com um sussurro. Seus olhos se perderam por um instante no rosto de Aysha. Ela sorriu para ele com carinho, sem perceber a profundidade daquele olhar.
Os anos seguintes trouxeram as primeiras mudanças. Aysha começou a passar mais tempo estudando piano, sua mãe dizia que era importante para uma dama. Osman se interessou por esportes, queria ser forte e impressionar. Aslan mergulhou nos livros, o pai insistia que ele fizesse, preparando-o para assumir os negócios da família um dia.
Mesmo assim, todos os fins de tarde ainda se reuniam no jardim. As brincadeiras deram lugar a conversas mais longas, olhares mais demorados e confidências sussurradas sob a mesma oliveira onde, anos antes, haviam construído castelos com lençóis. Foi ali, entre uma estação e outra, que os sentimentos começaram a mudar.
Aysha já não olhava para Osman como o menino arteiro que a fazia rir. Agora, enxergava nele algo diferente. Um brilho nos olhos, um toque que a fazia estremecer, a voz mais grave que acelerava seu coração. E ele, por sua vez, já não falava de casamento como uma brincadeira. Seus olhares buscavam os dela com desejo e ternura, e seus gestos, mesmo ainda desajeitados, carregavam uma intensidade que só os corações apaixonados reconhecem.
Sem perceberem, haviam deixado de ser apenas amigos. O amor, que crescera em silêncio entre as raízes do jardim, agora florescia em gestos sutis.
Enquanto isso, Aslan observava. Silencioso. Contido. Carregando no peito o peso de um sentimento que nunca encontrou abrigo no coração de Aysha. Cada olhar entre ela e Osman era uma ferida nova. Cada sorriso trocado, uma lembrança de que ele sempre foi o terceiro — o guardião, o protetor, nunca o escolhido.
Foi então que seus pais decidiram enviá-lo para o exterior, para viver com uma tia e dar continuidade aos estudos em uma renomada escola internacional. Disseram que era o melhor para o futuro dele. Mas Aslan sabia que, no fundo, também era um afastamento estratégico — uma chance de respirar longe daquela dor silenciosa.
Na noite anterior à sua partida, ele caminhou até o jardim sozinho. Tocou o tronco da velha oliveira, como quem se despede de um velho amigo. Lembrou-se das risadas, das cabanas, das promessas que nunca foram feitas em voz alta. E, quando fechou os olhos, tudo que viu foi o rosto de Aysha… sorrindo para Osman.
No dia seguinte, partiu sem se despedir deles. Preferiu levar consigo apenas o silêncio e a lembrança de um amor que nunca teve lugar.
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Atualizado até capítulo 45
Comments
Ana Maria
começando ler mas já gostando 👏
2025-07-23
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